por Déborah Souza, Mariane Pinheiro e Melissa Santos
Você já parou para pensar no que acontece por trás de espetáculos que usam animais como “atração”? Circos, zoológicos, rodeios, vaquejadas ou parques aquáticos são vendidos como momentos de diversão em família, mas muitas vezes escondem uma realidade bem diferente para os bichos que estão ali. A questão não é só se os animais são bem cuidados ou se o público gosta, mas sim, será que é justo transformar seres vivos em entretenimento? Um exemplo marcante foi o caso de Tilikum, uma orca mantida pelo SeaWorld que esteve envolvida em três mortes humanas ao longo de sua vida em cativeiro. O episódio mais conhecido e chocante foi em 2010, quando Tilikum matou sua treinadora, Dawn Brancheau, diante de visitantes horrorizados (CBS News). O documentário Blackfish (YouTube) deu visibilidade internacional ao caso, levantando debates sobre estresse, sofrimento psicológico e agressividade em animais privados de liberdade. No Brasil, embora não tenhamos parques de orcas como o SeaWorld, também enfrentamos situações que mostram a fragilidade da relação entre humanos e animais em cativeiro. Um exemplo trágico aconteceu em 2014, no zoológico de Cascavel (PR), quando uma criança de 11 anos, teve seu braço arrancado ao atravessá-lo pela grade da jaula de um tigre (Diário Gaúcho). O menino acabou sofrendo amputação. O caso repercutiu em todo o país e levantou a discussão sobre responsabilidade compartilhada: até que ponto é culpa da família que não supervisionou, da criança curiosa ou da instituição que não ofereceu barreiras de segurança adequadas?O comparativo entre Tilikum e o tigre é revelador. Em ambos os casos, o animal foi retratado como “perigoso e culpado”, quando, na verdade, estava apenas reagindo ao ambiente artificial e às situações impostas. Tanto a orca quanto o tigre não estavam ali por escolha: eram mantidas em espaços de confinamento para satisfazer a curiosidade e o entretenimento humanos. Além disso, temos práticas culturais como a vaquejada, que chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2016, o tribunal considerou a prática inconstitucional por causar maus-tratos aos animais (ADI 4983 – disponível em JusBrasil). A decisão foi simbólica porque reforça que tradição não pode ser justificativa para sofrimento animal. Mas será que a lei brasileira é suficiente? Temos alguns avanços, sim. A Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), em seu artigo 32 (Planalto), prevê punição para quem maltrata animais. Também existe a chamada Lei Arouca (Lei nº 11.794/2008), que regulamenta o uso científico de animais (Fiocruz). E a própria Constituição de 1988, no artigo 225, § 1º, inciso VII, determina que o Estado deve proteger a fauna e vedar práticas cruéis (Planalto). Ou seja, a base legal existe, o que falta muitas vezes é mudança cultural, fiscalização, e como consequência uma punição adequada. No caso de Tilikum, a pressão social e a mídia internacional resultaram em mudanças concretas: o SeaWorld anunciou o fim da reprodução de orcas em cativeiro e uma mudança nos shows, além da criação de uma lei (CBS News). Já no Brasil, tragédias como a da criança atacada por tigre ainda não provocaram uma reforma estrutural nos zoológicos, que seguem existindo com propostas educativas, mas muitas vezes em condições precárias. É importante, porém, não demonizar todos os zoológicos, já que muitos realizam um trabalho imprescindível de educação ambiental acessível, conservação de espécies ameaçadas, reprodução em cativeiro, programas de soltura de animais reabilitados na natureza e outras ações relevantes. O que deve gerar revolta não é a existência dos zoológicos em si, mas a resistência daqueles que se negam a se adequar para garantir o verdadeiro bem-estar animal. No fim das contas, a forma como tratamos os animais em nome do entretenimento diz muito sobre os valores da sociedade. Queremos um mundo em que diversão signifique exploração e risco? Ou queremos uma convivência mais respeitosa, que preserve a dignidade dos animais e a segurança das pessoas?
Nós, como futuras biólogas, acreditamos que talvez a resposta esteja em uma transição: substituir práticas cruéis por alternativas éticas, como santuários devidamente fiscalizados e com uma equipe multiprofissional para garantir o bem estar desses animais, reservas abertas, como o caso do Projeto Tamanduá aqui no Brasil, que trabalha com pesquisa, conservação e soltura de tamanduás e tatus reabilitados (Projeto Tamanduá), ou até experiências virtuais de realidade aumentada para redes de ensino e outros públicos, para garantir que todos tenham acesso a esses animais de forma segura e sem deixar de ter uma experiência realista e que possa ser acessível a todos. Se o entretenimento é feito para encantar, ele não deveria ser construído sobre sofrimento.
💭 E para ampliar o debate, deixamos aqui uma provocação:
Será que as redes sociais não estão se tornando os novos “palcos” de entretenimento animal, onde curtidas e visualizações substituem aplausos, e o que parece “fofo” pode esconder sofrimento e exploração? Em meio a tantos vídeos de bichinhos engraçados, é fácil esquecer que, muitas vezes, há privação e/ou estresse por trás das câmeras. Talvez o desafio atual esteja na forma como consumimos e reproduzimos conteúdos digitais. Afinal, o respeito pelos animais também passa por repensar o que escolhemos assistir, compartilhar e normalizar online.
Este ensaio foi elaborado para a disciplina de Biologia e Evolução do Comportamento Animal, tendo como base as obras e legislações:
Blackfish (2013) – Documentário disponível em YouTube
Lei nº 9.605/1998 – Crimes Ambientais
Lei nº 11.794/2008 – Lei Arouca
ADI 4983 – Vaquejada no STF (JusBrasil)
Imagem que ilustra o ensaio elaborada pelos autores utilizando IA (2025).
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