Por Ana Júlia dos Santos, Ana Carolina Januário, Carmen de Freitas Nunes, Francis Zonatto, Gabriela Machado, João Victor Mueller
É possível e ético criar uma indústria sustentável de pele de animais exóticos a partir de espécies em extinção e contando com o suporte da UICN, para suprir o mercado da moda de luxo?
Pois é exatamente isso que a National Geographic (2020) aborda na reportagem “Marcas de alta-costura tiveram milhares de artigos em couro exótico apreendidos”, que traz dados sobre a apreensão de produtos feitos com a pele de répteis, capturados na natureza, inclusive em extinção. Dados estes, que evidenciam como a moda de luxo é baseada em exclusividade e status, colocando-os acima da ética e vida animal. O comércio de couro exótico diz estar preocupado com o bem estar animal e conservação das espécies, mas em sua busca desenfreada por lucro e status, fere a Declaração Universal dos Animais, proclamada pela UNESCO em 1978, que afirma em seu artigo 1º, "Todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência.”, e em seu artigo 2º e 3º, trata do direito ao respeito, cuidado e atenção, aos quais são responsabilidade dos seres humanos, portanto não permitindo maus-tratos e atos cruéis contra os mesmos. Também fere a Lei Nº 9.605 (1998) de Crimes Ambientais, que em seu artigo 32 tipifica como crime "praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais". As investigações de crueldade extrema no abate, como animais esfolados vivos, são uma violação direta deste artigo que trata de maus-tratos. A indústria da moda, ao utilizar peles exóticas, muitas vezes provenientes de cativeiros com condições desumanas ou de tráfico ilegal, ignora esses princípios fundamentais.
A vida desses animais é reduzida a mero insumo para um produto de luxo, violando seu direito inerente à existência digna e livre de crueldade. E seus clientes, em sua maioria, milionários, têm somente interesse na exclusividade e ostentação, as quais se sobrepõem à ética. Por isso as empresas não se preocupam em se envolver em escandalos ligados a origem ilegal da pele, pois mesmo com escandalos envolvendo o comercio ilegal de peles permanecem impunes, devido a decisão dos Estados Unidos, pais que é origem das maiores companhias de moda de luxo ligadas a couro, de não divulgar mais os nomes das empresas envolvidas em apreensõe. Essa falta de transparência contribui muito para a exploração de animais e reforça a impunidade sobre o tráfico animal. Os répteis estão sendo muito afetados, sua excentricidade e padrões de escamas chamam a atenção e estampam bolsas, sapatos, carteiras e roupas de luxo. O fascínio estético acaba sendo usado de justificativa para essas práticas que colocam em risco a biodiversidade, banalizando a vida animal. A moda sustentável está sendo deixada de lado, para priorizar status social e lucro, associando o uso de peles e couros exóticos ao prestígio, reforçando ideias ultrapassadas de exclusividade, baseadas na exploração ilegal da natureza. Muitas empresas praticam o “greenwashing”, abordagem que visa deturpar a visão de sustentabilidade ao apresentar para o consumidor uma ideia de responsabilidade ecológica, como estratégia de marketing, enquanto a empresa continua a poluir ou explorar recursos naturais ilegalmente. Por outro lado, empresas realmente sustentáveis enfrentam dificuldades para entrar e permanecer no mercado, e o luxo domina, promovendo distinções sociais. No Brasil a Lei Arouca, formalmente Lei nº 11.794/2008, não possui uma aplicação direta na indústria da moda no que se refere à produção de roupas, tecidos e acessórios. O escopo dessa legislação é estritamente focado em regulamentar o uso de animais vivos em atividades de pesquisa científica e de ensino. Isso significa que a lei estabelece normas para procedimentos realizados em laboratórios e instituições de ensino, como testes de medicamentos, estudos de doenças ou aulas de práticas cirúrgicas, mas não abrange o uso de animais como matéria-prima. Dessa forma, a Lei Arouca não legisla sobre a produção de materiais de origem animal amplamente utilizados na moda, como o couro, a lã, a seda, as peles ou as plumas. As atividades relacionadas à obtenção desses materiais, como a criação de gado para a produção de couro ou a tosquia de ovelhas para a obtenção de lã, são regulamentadas por outras esferas da legislação, principalmente por normas do Ministério da Agricultura ligadas ao bem-estar animal na agropecuária e pela Lei Nº 9.605 (1998) de Crimes Ambientais, que trata de maus-tratos. A única situação em que a Lei Arouca poderia tangenciar a indústria do vestuário seria de forma muito indireta: por exemplo, se um novo corante ou produto químico têxtil precisasse passar por testes de toxicidade em animais para garantir sua segurança antes de ser comercializado. Nesse caso, o procedimento de pesquisa científica em si teria que seguir as diretrizes da Lei Arouca. Portanto, o debate sobre o uso de animais na moda de vestuário não é guiado pela Lei Arouca, e sim por questões éticas, pela pressão de consumidores e organizações de direitos dos animais, e pelo crescimento de movimentos como a moda vegana e sustentável, que buscam alternativas livres de crueldade. Desta forma, na legislação brasileira, a proteção à fauna tem respaldo na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98) e na Lei de Proteção à Fauna (Lei nº 5.197/1967), que além de coibir o comércio de produtos derivados de animais, tange à utilização inadequada, caça, maus-tratos, captura e perseguição de animais domésticos, domesticados e selvagens. À vista do que foi previamente abordado, a indústria da moda de alta-costura viola os princípios da dignidade à vida animal, fazendo-se necessárias ações de fiscalização mais rigorosas na apreensão de objetos e na apuração de irregularidades praticadas por funcionários públicos em exercício de seus cargos, aplicando multas elevadas e sanções comerciais às empresas que corroboram com tais ações.
Nós, como futuros biólogos, repudiamos veementemente a utilização de animais como artigos de luxo. Denunciamos o grave retrocesso ético que a atual normalização da crueldade em prol da ostentação representa. Práticas antes amplamente criticadas estão sendo revalidadas pelas elites, que financiam o sofrimento animal e fomentam o consumo de itens oriundos do tráfico, meramente para afirmação de status e diferenciação social, em detrimento de alternativas sustentáveis. Cabe a nós, profissionais da área, e a toda a sociedade pressionar esses grupos — consumidores e marcas. O silêncio, neste contexto, equivale ao consentimento. Devemos, portanto, nos posicionar firmemente contra tais práticas para garantir a dignidade e os direitos dos animais.
O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Biologia e Evolução do comportamento animal e se baseou e se baseou na análise de documentos científicos como o estudo da CUNY publicado na EcoHealth, investigações de ONGs (PETA) e legislações vigentes sobre maus-tratos e bem-estar animal, para fundamentar a discussão sobre o comportamento humano de consumo. Também foram consultados vídeos que demonstram nitidamente tais infrações.
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