quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Biofilia: reconectar humanos à vida para cidades mais saudáveis e sustentáveis



por Marta L Fischer


A biofilia, do grego bios (vida) e philia (afeição), representa a inclinação natural do ser humano para se conectar com os seres vivos e com os elementos da natureza. Esse conceito expressa não apenas uma afinidade estética ou emocional, mas um vínculo evolutivo que moldou nossa espécie ao longo do tempo. O termo foi introduzido pelo psicanalista Erich Fromm, na década de 1960, para designar o “amor pela vida e por tudo o que está vivo”, em oposição à necrofília, ou seja, a atração pela destruição e pela morte. Contudo, foi o biólogo Edward Osborne Wilson (1929–2021), professor da Universidade de Harvard, quem consolidou o termo como base científica para compreender a relação entre seres humanos e natureza. Em sua obra Biophilia (1984), Wilson propôs que a necessidade de contato com o mundo natural é um traço herdado da evolução, resultado de milhões de anos em que a sobrevivência humana dependeu da observação atenta de ecossistemas, paisagens e organismos vivos.
Wilson foi também um dos fundadores da sociobiologia e um dos grandes divulgadores da conservação da biodiversidade, articulando ciência e ética em torno da ideia de que proteger a vida no planeta é proteger a nós mesmos. Sua parceria com Stephen R. Kellert, na obra The Biophilia Hypothesis (1993), ampliou o debate para outras áreas, como psicologia ambiental, filosofia, arquitetura e planejamento urbano, consolidando o campo do design e das cidades biofílicas. Esse paradigma entende que o bem-estar humano depende da reintegração da natureza nos espaços cotidianos, desde residências e escolas até hospitais e ambientes corporativos. Nas últimas décadas, a urbanização acelerada, o avanço da tecnologia e a artificialização das experiências humanas têm provocado o que o escritor Richard Louv denominou “transtorno de déficit de natureza” — um conjunto de sintomas físicos, emocionais e cognitivos associados à escassez de contato com ambientes naturais. Embora o termo não represente uma categoria médica formal, ele tem sido amplamente utilizado em pesquisas e políticas públicas para alertar sobre os efeitos do distanciamento da natureza sobre a saúde mental, o desenvolvimento infantil e a coesão social.
Viver em cidades densamente construídas, com pouco verde acessível, limita a recuperação psicológica e reduz a empatia ambiental, agravando a crise ecológica e humanitária contemporânea. É nesse contexto que emergem as cidades biofílicas — espaços urbanos concebidos para restaurar a conexão entre pessoas e natureza. O design biofílico, inspirado na hipótese de Wilson, propõe integrar elementos naturais e padrões orgânicos na arquitetura e no urbanismo, por meio da luz natural, da ventilação cruzada, do uso de vegetação e da presença de água, além de materiais e formas que evoquem a vida. Estudos recentes mostram que mesmo breves períodos — cerca de quinze minutos diários — em contato com ambientes verdes podem reduzir o estresse, melhorar a concentração e promover sensação de vitalidade e pertencimento. Cidades que investem em infraestrutura verde, jardins verticais, corredores ecológicos e áreas de convivência arborizadas estão, de fato, investindo em saúde pública, educação ambiental e coesão social. A biofilia também se insere como um eixo estratégico dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU. Ela dialoga diretamente com o ODS 3 (Saúde e Bem-Estar), ao reconhecer os efeitos positivos da natureza sobre a saúde física e mental; com o ODS 11 (Cidades e Comunidades Sustentáveis), ao promover espaços urbanos inclusivos, resilientes e acessíveis; e com o ODS 15 (Vida Terrestre), ao fortalecer o compromisso com a conservação da biodiversidade e a restauração dos ecossistemas. Sob essa ótica, a biofilia se torna também uma questão ética e social: trata-se de garantir o direito de todos ao acesso à natureza, superando as desigualdades ambientais que fazem com que as populações mais vulneráveis vivam em territórios com menos áreas verdes e piores condições ambientais. Assim, pensar biofilia hoje é pensar em uma reconciliação: entre natureza e cultura, entre ética e estética, entre desenvolvimento e cuidado. Ela nos convida a rever a forma como planejamos, habitamos e compartilhamos o espaço urbano, incorporando a dimensão do vivo como princípio de saúde coletiva e justiça ecológica.

Inspirado por essa visão, o Grupo de Pesquisa Bioética Ambiental do Programa de Pós-Graduação em Bioética da Pontifícia Universidade Católica do Paraná está desenvolvendo um conjunto de investigações que integram ciência, ética e sensibilidade ecológica. Nossos três questionários de iniciação científica buscam compreender como as pessoas percebem, experienciam e desejam transformar os espaços urbanos em ambientes mais biofílicos, acessíveis e sustentáveis. Convidamos você, leitor e leitora, a participar dessa construção coletiva, contribuindo com suas respostas e reflexões. Seu olhar é essencial para que possamos avançar rumo a cidades mais vivas, justas e inclusivas — cidades que respeitam o direito universal à natureza e reafirmam a vida como o valor central da ética contemporânea.



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Referências
Wilson EO. Biophilia. Harvard University Press, 1984.
Kellert SR, Wilson EO (eds.). The Biophilia Hypothesis. Island Press, 1993.
Louv R. Last Child in the Woods: Saving Our Children from Nature-Deficit Disorder. Algonquin Books, 2005.
ONU. Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: https://www.un.org/sustainabledevelopment.
Frontiers in Psychology. Biophilia and Well-being. Disponível em: https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fpsyg.2021.700709/full.
Urban Transformations. Planning Cities with Nature. Disponível em: https://urbantransformations.biomedcentral.com/articles/10.1186/s42854-024-00066-2.

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