quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Sem rio como vamos sorrir? princípio de justiça e aspecto econômico: uma análise bioética do rio Belém



Esther Braga e Ruan Monteiro

Mestrandos do Programa de Pós-Graduação em Bioética da PUCPR



A música Água, do BaianaSystem, reflete a força simbólica e vital da água em suas diversas formas, evocando a relação intrínseca entre os ciclos naturais e a vida humana:





H2O é ouro em pó

No ponto futuro o doce e o sal vão se misturar

Tem pé com pé, tem mão com mão, boca com bô

H2O é ouro em pó, é salvação

(...)

Água de março é chuva que vem

Água de beber, água de beber, camará

Água de beber, água de beber, camará




No caso do Rio Belém, essa perspectiva musical ressoa com a urgência de valorizar a riqueza da água, ao reconhecer o rio como um sujeito de direitos, evidenciando o papel da água como elemento central da vida: é dela que brota a vida, e é dela que precisamos para continuar existindo.
A situação do Rio Belém, com sua alta urbanização e trechos de poluição intensa, relaciona-se ao princípio bioético da justiça, uma vez que ele é impactado principalmente pela insuficiência na promoção de justiça socioambiental. A falta de esgotamento sanitário adequado e poluição por resíduos mal descartados são fatores que indicam desigualdades estruturais e injustiças na gestão urbana e no fornecimento de serviços básicos, pois essas condições afetam de modo mais crítico as populações que residem nessas áreas. Assim, a justiça socioambiental diz respeito não apenas à natureza, mas a nós, seres humanos.
Assim, a busca por garantir os direitos da natureza é um fenômeno que tem se alastrado pela América Latina. A Constituição do Equador, de 2008, é citada como um marco por reconhecer a natureza como sujeito de direitos, com disposições para a regeneração de ciclos naturais e a restauração de ecossistemas. Contudo, a pressão da indústria extrativista representa um desafio à implementação de políticas sustentáveis, como ilustrado pelo caso do projeto equatoriano Yasuní-ITT. Anunciado em 2007, o projeto propunha uma moratória sobre a exploração de petróleo em áreas ecologicamente ricas, mas acabou sendo derrubado em 2013 devido às pressões econômicas. Esse exemplo demonstra que, apesar dos avanços constitucionais, a lógica extrativista ainda predomina, gerando um contínuo dilema entre desenvolvimento e conservação.

Casos como o reconhecimento do rio Atrato, na Colômbia, como sujeito de direitos e, no Brasil, o debate sobre a Lagoa da Conceição (SC), exemplificam o avanço dessa temática na América Latina. No entanto,para que esses direitos se tornem efetivos, é necessária uma estrutura sólida de políticas públicas que assegurem a promoção e a fiscalização desses direitos. Isso inclui o compromisso do Estado com o monitoramento e a implementação de medidas que garantam a proteção ambiental, assim como a participação ativa da sociedade para exigir e acompanhar a eficácia dessas políticas.
Assim, tornar o rio um sujeito de direito é uma prática legislativa e jurídica essencial para a garantia de seus direitos. A relação entre o princípio de justiça e o conceito de "ser sujeito de direito" é fundamental para construir uma proteção ampla e equitativa que contemple tanto os indivíduos quanto o meio ambiente. O princípio de justiça busca garantir que todos os seres, sejam humanos ou elementos naturais, possam existir em condições adequadas, distribuindo de forma justa os recursos e as responsabilidades na sociedade. Como argumenta Gudynas (2014), estender essa condição aos ecossistemas, como rios e florestas, permite enfrentar a crise ecológica de maneira que beneficie toda a sociedade, promovendo uma justiça verdadeiramente ambiental
Ser sujeito de direito significa possuir direitos reconhecidos e protegidos legalmente, o que confere a esses sujeitos uma voz na esfera pública e jurídica. No caso de um rio, como o Rio Belém em Curitiba, esse reconhecimento é crucial. Ele atribui ao rio um status de entidade que merece proteção, garantindo-lhe o direito de existir, fluir e se regenerar. Como ressalta Acosta (2010), principal responsável pela inclusão dos direitos da natureza na Constituição equatoriana, reconhecer juridicamente a natureza é essencial para alcançar uma relação mais equilibrada entre desenvolvimento e conservação
Esse reconhecimento também estabelece obrigações para a sociedade e para o Estado, que devem tratar o rio não como um recurso a ser explorado, mas como uma entidade a ser respeitada. Vandana Shiva (2005) reforça que esse reconhecimento é vital para assegurar que a justiça ambiental também inclua as comunidades e ecossistemas que dependem mutuamente. Assim, o reconhecimento dos direitos da natureza não apenas protege os ecossistemas, mas também amplia a voz e os direitos das comunidades locais, promovendo justiça social e ambiental. Boyd (2021) reforça que essa abordagem possibilita que ações degradantes contra o meio ambiente sejam encaradas como violações de direitos, levando em conta tanto o bem-estar humano quanto a integridade dos ecossistemas. Portanto, quando um rio se torna sujeito de direito, ele passa a ter uma voz legal que protege tanto a si quanto às gerações futuras. Esse reconhecimento é uma forma de justiça, pois impede a exploração predatória e assegura um tratamento respeitoso, em benefício de todos os que dependem do rio para viver. A abordagem defendida por esses autores estabelece uma base para que a justiça se estenda para além do bem-estar humano, reequilibrando a relação entre sociedade e natureza e promovendo uma coexistência harmoniosa e sustentável.
No caso do Rio Belém, os seus direitos ainda não passaram por esse reconhecimento, e portanto, a perspectiva de garantir esses direitos na forma da Lei é uma possibilidade positiva e que deve ser incentivada nas instâncias legislativas municipal e estadual, de modo a garantir a efetivação do princípio da justiça para o Rio e para os cidadãos.A promoção da justiça tem impactos profundos na perspectiva econômica do Rio. As cheias do Rio, agravados pela canalização e impermeabilização do solo, geram prejuízos econômicos diretos, pois geram enchentes que causam danos a imóveis e à infraestrutura urbana, exigindo recursos contínuos para reparos e para a implementação de projetos preventivos, como a ampliação da estação de tratamento de esgoto e a construção de parques lineares.

Além disso, a degradação do Rio Belém prejudica o turismo e a valorização imobiliária nas áreas afetadas. Em contrapartida, parques urbanos e rios bem preservados contribuem para a atração de investimentos e o desenvolvimento de atividades de lazer e turismo sustentável, promovendo geração de emprego e receita. Contudo, a situação atual do rio impede seu uso recreativo, afasta turistas e reduz o potencial de revitalização de áreas urbanas, impactando negativamente a economia local e limitando o desenvolvimento econômico. Ainda que seja um custo elevado para reverter o estado do Rio, os investimentos nos projetos de revitalização – como a instalação de filtros aquáticos e o aumento da capacidade de tratamento de esgoto são essenciais para garantir não apenas a justiça, mas a manutenção urbana e a saúde pública dos cidadãos, uma vez que falta de ação ou investimento nesses projetos resulta em custos ainda maiores no longo prazo, em decorrência dos danos causados pelas enchentes e à incidência de doenças relacionadas à qualidade da água.

Nós, futuros bioeticistas, entendemos o caso do Rio Belém como uma oportunidade única para avançar na aplicação concreta do princípio da justiça em contextos socioambientais. Reconhecer o Rio Belém como sujeito de direitos não é apenas uma inovação jurídica, mas um compromisso ético fundamental que reflete nossa responsabilidade coletiva para com a natureza e as gerações futuras. Inspirados por autores como Gudynas, Acosta e Vandana Shiva, acreditamos que os direitos da natureza são um alicerce essencial para enfrentar as crises ecológicas e sociais de maneira integrada, promovendo uma convivência equilibrada entre sociedade e ambiente. Assim, ao defendermos a efetivação dos direitos do Rio Belém, reafirmamos nossa visão de que a justiça deve transcender o âmbito humano, alcançando o equilíbrio necessário entre desenvolvimento urbano e preservação ambiental, em que destacamos a riqueza da água, H20, nosso “ouro em pó”.



O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Bioética ambiental do Programa de Pós-Graduação em Bioética da PUCPR, tendo como base as obras:UCPR tendo como base as obras:

ACOSTA, Alberto. El Buen Vivir: Una Vía para el Desarrollo. Quito: Ediciones Abya-Yala, 2010.


BOYD, David R. The Rights of Nature: A Legal Revolution That Could Save the World. Toronto: ECW Press, 2017.


GUDYNAS, Eduardo. Derechos de la Naturaleza: Ética Biocéntrica y Políticas Ambientales. Lima: Ediciones CELD, 2014.


ISAGUIRRE-TORRES, Katya R. ANDRADE, Gabriel V. Direitos da natureza. Disponível em:

https://periodicos.unb.br/index.php/insurgencia/article/view /45640/36320


SHIVA, Vandana. Earth Democracy: Justice, Sustainability, and Peace. Cambridge: South End Press, 2005.

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