terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Bioética Hídrica: Proteção dos Rios como Sujeitos de Direitos e Implicações Ético-Sociais da Crise Ambiental


 Antonio Carlos Corrêa da Conceição 
Advogado, Aluno de Disciplina Isolada (Bioética) pela PUC PR

Camile Silvello Pereira
 Médica de Família e Comunidade, Mestranda em Bioética pela PUC PR

“Este mundo curioso que nós habitamos é mais maravilhoso do que conveniente,
mais bonito do que útil, mais para ser admirado e apreciado do que usado”
Essa frase do naturalista estadunidense Henry Thoreau expõe o conflito ético entre a tradicional visão antropocêntrica e utilitarista da natureza e a visão ecocêntrica adotada pela Ecologia Profunda, cuja diferença fundamental assenta no reconhecimento do valor intrínseco que a natureza tem, independente da sua utilidade para os propósitos humanos, devendo ser respeitada e protegida em sua integralidade. A partir dessa compreensão ecocêntrica, passou-se a discutir e a defender mudanças na legislação visando conferir status de “sujeito de direitos” à natureza como um todo ou a elementos individualizados, como os rios. Essa nova concepção jurídica e ética já foi implementada em casos pontuais, como na Nova Zelandia e no Brasil (Rio Lage e Rio Bonito). O reconhecimento da personalidade jurídica dos rios não se trata de um mero formalismo jurídico, mas sim uma garantia de proteção a direitos fundamentais que possam assegurar sua existência, sua regeneração e restauração, sua defesa legal, entre outros direitos fundamentais, conforme previsto na Declaração Universal dos Direitos dos Rios. A ausência de uma proteção efetiva, aliada ao uso predatório dos recursos hídricos, têm causado ao longa da história humana desastres ambientais irreversíveis. Um exemplo que ilustra essa questão é a do Rio Belém, cujo curso de aproximadamente 20km percorre inteiramente a cidade de Curitiba, no Paraná. Ao longo dos anos, esse rio sofreu diversas ofensas a sua existência, tais como despejo de esgoto clandestino, assoreamento, alteração de seu curso natural, devastamento da sua mata ciliar e canalização de grande parte de sua extensão. O Rio Belém, por anos considerado o mais poluído da capital paranaense, é o retrato de desrespeito do ser humano aos seus direitos, ainda que estes não sejam juridicamente garantidos. A ausência de proteção, manutenção e recuperação do ecossistema do Rio Belém não é uma questão bioética ligada apenas ao patrimônio ambiental, mas também o agravamento das condições sociais daqueles que vivem às suas margens e daqueles que dependem direta ou indiretamente dele, tais como: Na saúde pública: a poluição da água pode resultar em doenças infecto contagiosas como infecções gastrointestinais, hepatites, leptospirose e arboviroses que podem aumentar a carga sobre os serviços de saúde. Na qualidade de vida: o bem-estar dos moradores é afetado com a presença de lixo que gera poluição visual e odor desagradável. Com a poluição, a estética do local é comprometida e atividades econômicas locais como pesca e turismo podem ser comprometidas. Como resultado, há uma desvalorização dos imóveis locais com perda de renda e oportunidade de trabalho para os moradores locais. Na saúde mental: a degradação ambiental pode impactar nas interações sociais com a diminuição de atividades coletivas e culturais. Além disso, com a preocupação continua com a saúde, há um aumento do estresse e ansiedade das pessoas que vivem naquele local. Em relação aos danos sociais: em casos de extrema poluição, as pessoas são forçadas a deixar suas casas com a consequente perda de redes sociais e laços comunitários. Por fim, não ter acesso à água potável segura é descumprimento a um direito humano básico, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), na 4ª edição das Diretrizes para a qualidade da água potável.
Ante este panorama conceitual e fático, cabe à Bioética, através da interdisciplinaridade de áreas do conhecimento, o papel de instrumentalizar meios de superação dos danos que historicamente o ser humano causa aos recursos hídricos do planeta. A Bioética tem o condão de produzir soluções ou, ao menos, indicações que permitam compreender os rios não apenas como água corrente, mas como um conjunto complexo de coisas, vivas ou não, que quando pensado como um todo pode sofrer e até morrer. Sob o olhar ecocêntrico da Ecologia Profunda, os bioeticistas podem e devem auxiliar o Poder Público a expandir a garantida de direitos fundamentais a todos os rios, notadamente àqueles que percorrem zonas urbanas. Essa garantia se dá no reconhecimento desses ecossistemas como sujeitos de direitos. Ademais, ao fomentar a educação ambiental, notadamente a conscientização das pessoas mais jovens, será possível deixar de perceber o rio como algo inanimado e desprovido de vida/sentimento e passar a enxergá-lo como um organismo complexo que sofre a pessoas podem se identificar com esse sofrimento, com essa dor alheia, despertando nelas, assim, o sentimento de compaixão, que como Princípio Ético e Fundamento da Moral, segundo o filósofo Schopenhauer, se baseia na identificação com o outro, sendo um sentimento altruísta e desinteressado que leva a ações que visam o bem-estar do outro. Nós como aspirantes a bioeticistas acreditamos que apenas com a evolução para uma visão bioética baseado no ecocentrismo, seguida de uma garantia legal de proteção aos rios como sujeitos de direitos que são é que será possível trabalhar com a população formas de conscientização dos problemas hídricos urbanos e despertar nelas maior sentimento de compaixão, não apenas às pessoas que sofrem diretamente com a poluição e degradação dos rios, mas ao rio em si, como um ser que sofre e que deve ser cuidado.

O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Bioética ambiental do Programa de Pós-Graduação em Bioética da PUCPR tendo como base as obras:



DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS RIOS. https://www.internationalrivers.org 2021. Disponível em: https://www.internationalrivers.org/wp-content/uploads/sites/86/2021/03/THE-UNIVERSAL-DECLARATION-ON-THE-RIGHTS-OF-RIVERS-translation-into-PT.pdf
GRAEZER, Verônica; SGANZERLA, Anor; ZANELLA, Diego Costa. Potter e o equilíbrio do ecossistema como fundamento da moralidade da bioética. Revista Iberoamericana de Bioética, n. 17, 01-13, 2021
INSTITUO AMBIENTAL DO PARANÁ. Monitoramento da qualidade das águas dos rios da região metropolitana de Curitiba, no período de 2002 a 2005. Curitiba, IAP, 2005. Disponível em: https://www.iat.pr.gov.br/sites/agua-terra/arquivos_restritos/files/documento/2021-03/monitoramento_da_qualidade_agua_1992_2005_rmc.pdf
INSTITUO HUMANITAS UNISINOS. Os oito Princípios da Ecologia Profunda. 2017. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/186-noticias-2017/568366-os-oito-principios-da-ecologia-profunda
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMS), Diretrizes para a qualidade da água potável, 4ª edição, incorporando o 1º adendo, 24 de abril de 2017, disponível em > https://iris.who.int/bitstream/handle/10665/352532/9789240045064-eng.pdf?sequence=1> (acesso em 10 de dezembro de 2024)
RETRATOS DO BELÉM – A TRAJETÓRIA DE UM RIO URBANO. 2012. Disponível em: http://retratosdobelem.blogspot.com/2012/10/contexto-natural-e-urbano.html
SANTOS JUNIOR, R. J. dos, & FISCHER, M. L. (2021). Reflexão sobre o uso sustentável dos recursos hídricos a partir de uma experiência com estudantes do ensino fundamental. Caminhos De Diálogo, 9(15), 261–273. Disponível em: https://doi.org/10.7213/cd.a9n15p261-273
SGANZERLA, Anor; RAULI, Patrícia Maria Forte; RENK, Valquíria Elita. Bioética Ambiente, Curitiba, PUCPRESS, 2018

 

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