Série Ensaios: Bioética Ambiental
Por João Carlos de Aquino Almeida, Daniel Amaral e Rosana Da Ros
Mestrado em Bioética
A poluição ambiental é o resultado de qualquer tipo de ação ou obra humana capaz de provocar danos ao meio ambiente. É a introdução na natureza de substâncias nocivas à saúde humana, aos outros animais e ao próprio ambiente, que altera de forma significativa o equilíbrio dos ecossistemas. Na antiguidade, essa ação era insignificante, pois a natureza podia se recuperar da ação humana, que trazia pouco impacto, e a natureza era capaz de se recuperar desse desequilíbrio eventual causado pela ação humana. No entanto, em especial após a revolução industrial, com a produção em massa de insumos, aliada à visão de que a natureza era um depósito infinito de recursos sujeito à exploração do homem, esse impacto passou a ser grandemente significativo, e em certos casos, irreversível. A poluição é considerada um dos principais problemas ambientais nos dias de hoje, e passou a ser cada vez mais crítica com o aumento da densidade demográfica, urbanização e industrialização. O agente contaminante é chamado de poluente, que pode ser químico ou físico, em forma de energia, como calor, luminosidade e radiação.
Existem várias formas de poluição como a das águas, do ar, sonora, visual. Ao longo do tempo, essa visão do meio ambiente como algo sem valor, e cuja destruição e abuso não nos afetava ou merecia a nossa atenção, foi aos poucos se modificando, através da percepção de alguns cientistas e filósofos sobre as consequências dessas ações sobre o ambiente. Nos anos de 1960, pós segunda guerra mundial, uma obra chamada “Primavera Silenciosa” de Rachel Carson1 levanta de forma crítica o tema a respeito do uso de agrotóxicos e produtos químicos na agricultura norte-americana que afetava diretamente o ecossistema. O livro causou impacto na época por analisar que o DDT, pesticida muito utilizado, tinha um efeito acumulativo notável em aves, em particular as predadoras, fazendo com que as cascas dos seus ovos ficassem muito finas, ao ponto dessas aves não conseguirem se reproduzir, o que foi observado nas águias carecas, símbolo nacional americano, quase às levando à extinção. Esse livro foi um marco do então emergente movimento ambientalista, que de forma modesta vai aos poucos se consolidando. Em suas linhas críticas, se levanta a reflexão a questão da saúde humana e do meio ambiente, e apresenta ao mesmo tempo, a necessidade de criar uma responsabilidade coletiva sobre a mãe terra e a proteção a saúde e o bem-estar desse ecossistema.
Um pouco mais tarde, no ano de 1971, o oncologista Van Rensselaer Potter, escreve um livro intitulado Ponte para o Futuro, onde aborda o diálogo que irá marcar o ponto inicial da bioética como uma visão ética prática de cunho global, e não apenas relacionada à biomedicina, visando a preservação da vida não só do homem, de maneira apartada da natureza, mas postulando que a nossa sobrevivência era dependente da sobrevivência do planeta, e que deveria haver uma junção entre as ciências médicas e sociais de forma a firmar um compromisso ético que comportasse a preocupação e a responsabilidade com o ambiente. A humanidade depende da disponibilidade dos recursos naturais do planeta, e com a população humana atingindo hoje a casa dos 8 bilhões de habitantes, essa conciliação entre o desenvolvimento e a sustentabilidade parece cada vez mais difícil despertando o mundo para a necessidade cada vez mais premente da progressiva redução da poluição ambiental. Um dos efeitos mais notáveis desse efeito nocivo da poluição sobre o meio ambiente é a modificação do clima. Segundo o GreenPeace3, se não reduzirmos o efeito estufa até a metade desse século, o aumento da temperatura do planeta pode colocar em risco a própria existência da humanidade O desmatamento é um dos fatores que pode contribuir para a intensificação do efeito estufa. Isso ocorre pelo fato de as árvores serem uma das responsáveis pela absorção do CO2, um dos gases que intensificam o efeito estufa. Além disso, as queimadas, um dos processos utilizados no desmatamento, libera CO2 na atmosfera. As árvores também contribuem com o aumento da umidade do ar, controlando o regime de chuvas de determinadas regiões. Além da poluição causada pelo homem, podemos ter a contribuição de vulcões em erupção, terremotos, tempestades de areia e meteoritos que se chocam contra a crosta do planeta Terra, fenômenos naturais que podem causar mudanças climáticas e poluição do ar, agravando ainda mais esse quadro.
Além dessas ameaças potenciais, o ser humano também tem de estilos de vida que usam recursos de forma intensiva. Produzimos e consumimos mais do que nunca e, como resultado, estamos gerando mais gases do efeito estufa, bem como poluentes, sob a forma de químicos e material particulado, incluindo o “carbono negro”, forma altamente poluente de resíduos de carbono, produzido através da combustão de combustíveis fosseis, madeira e outras fontes orgânicas4. É imprescindível que medidas sejam tomadas para que as taxas de desmatamento diminuam. Entre essas medidas está a educação ambiental. É importante que as pessoas saibam a importância da vegetação natural, como as florestas, conheçam todos os benefícios gerados por elas, ambientais, econômicos e sociais, para que, assim, compreendam a necessidade de sua preservação. Além disso, políticas de reflorestamento, manejo sustentável, proteção e fiscalização são essenciais para o controle do desmatamento e a preservação do meio ambiente.
Impactos sociais: diversos povos dependem das florestas tanto para obterem diretamente dela seu alimento como para retirarem outros produtos, os quais garantem a sua subsistência, como como fibras, resinas, frutos e produtos medicinais. A destruição desses ambientes afeta essas pessoas de tal modo, aumentando a sua pobreza e obrigando-as, muitas vezes, a mudarem-se para outras regiões, buscando uma forma de manter-se. Mas como criar uma justificativa moral que para ser razoável para explicar para as pessoas comuns porque não é certo destruir ou abusar do meio ambiente? Seres vivos de todas as espécies têm sido considerados objetos de propriedade, passíveis de serem explorados para atender aos desejos, fantasias e necessidades humanas. Filósofos morais utilitaristas, a exemplo de Peter Singer5, têm tido um papel muito significativo no que diz respeito ao estabelecimento de princípios éticos para definir os limites da liberdade humana em relação a todos os seres sencientes. Mas, o critério da senciência, no caso da formulação de uma ética ambiental genuína, não pode ser aplicado ao meio ambiente como um todo, nem mesmo a todos os seres vivos. Ou seja, dizer que devemos preservar a vida de um animal porque ele sente dor ou ansiedade não é suficiente como justificativa moral para promover a preservação do meio ambiente. Tom Regan, outro filósofo ambientalista, defende que devemos considerar a natureza como algo que possui um valor inerente a ser respeitado6. Inerente significa o que está ligado de forma inseparável ao ser. É aquilo que está intimamente unido e que diz respeito ao próprio ser. Inerente é o que faz parte da pessoa ou coisa e que lhe é inseparável por natureza. É o que é intrínseco, peculiar, específico e que pode servir para caracterizar algo ou alguém. O termo também se refere às responsabilidades ou obrigações próprias de determinada atividade ou função. Desta forma, devemos respeitar a natureza não como algo que é inferior a nós ou que tem uma função subserviente aos nossos desejos, mas como algo que tem um valor em si, que nós temos por isso o dever de respeitar. Pequenas atitudes, como reduzir o uso de automóveis e reciclar o lixo, são medidas que podem reduzir a poluição ambiental, e devem ser tomadas tendo em vista a consideração desse valor inerente da natureza. Educar a população a respeito da importância de se cuidar do meio ambiente é fundamental para que o problema da poluição não seja agravado, e para que venhamos não só proteger o planeta, mas preservar a própria existência futura da humanidade.
Como futuros bioeticistas, cremos que é preciso antes de tudo modificar a visão crítica sobre a natureza, buscando respeitá-la pelo valor que ela tem em si mesma. Algumas correntes bioéticas e preservacionistas buscam justificar a necessidade de conservação da natureza com justificativas antropocêntricas, ou seja, de certa forma dizendo que isso deve ser feito porque é útil ao homem ou tendo em vista as consequências que a humanidade poderá sofrer caso isso não ocorra. Na realidade, podemos refletir que tudo o que somos até hoje é resultado da nossa interação com a natureza e todos os seus componentes, com os animais, com os vegetais, e com o clima. Mesmo que a resposta evolutiva da humanidade, ou seja, como os seres humanos reagem à mudança climática, a um animal predador ou a uma planta que nos serve de alimento que passamos a cultivar, seja bem mais complexa do que animais não humanos, por exemplo, que não desenvolvem cultura ou tecnologia de forma tão notável como a nossa espécie, nós evoluímos junto com a natureza, respondendo ao meio ambiente, e fazemos parte dela. Cremos assim que é preciso antes de tudo respeitarmos a natureza, não apenas na visão do que ela pode ser útil ou nos servir e prover, mas como um todo do qual fazemos parte e com o qual nos integramos.
O presente ensaio foi elaborado para a disciplina Bioética Ambiental, do Programa de Pós-graduação em Bioética da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, tendo por base as seguintes referências Bibliográficas:
1. Carson, R. Primavera Silenciosa. (Editora Gaia, 2010).
2. Potter, V. R. Bioética: Ponte para o futuro. (Edições Loyola, 2016).
3. Gerhardt, R. Ou agimos agora ou será tarde demais - Greenpeace Brasil. https://www.greenpeace.org/brasil/blog/ou-agimos-agora-ou-sera-tarde-demais/?utm_term=o%20aquecimento%20global&utm_campaign=%5BMAIO/20%5D+Mudan%C3%A7as+Clim%C3%A1ticas+(25+a+65+anos)&utm_source=adwords&utm_medium=ppc&hsa_acc=7235609613&hsa_cam=10021110653&hsa_grp=102663243482&hsa_ad=437670223648&hsa_src=g&hsa_tgt=kwd-310625624343&hsa_kw=o%20aquecimento%20global&hsa_mt=b&hsa_net=adwords&hsa_ver=3&gclid=Cj0KCQiAsoycBhC6ARIsAPPbeLuDi06klPo4Fk9NHB451EIMfzoJn_ySigi_9ISff-DacO-2l2nhoI8aAjhsEALw_wcB (2018).
4. Alves, C. Aerossóis atmosféricos: perspectiva histórica, fontes, processos químicos de formação e composição orgânica. Quim Nova 28, 859–870 (2005).
5. Singer, P. Libertação animal: O clássico definitivo sobre o movimento pelos direitos dos animais . (WMF Martins Fontes, 2010).
6. de Almeida, J. A. M. A ética ambiental de Tom Regan: crítica, conceitos, argumentos e propostas. Ethic@: An International Journal for Moral Philosophy 5, 147–151 (2006).
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