Mudanças climáticas e disponibilidade de recursos hídricos: reflexão bioética a partir do princípio da não mercantilização



Série Ensaios: Bioética Ambiental


Por Marcos Bogado Barboza e Vinicius José de Lima

mestrandos em Bioética

Durante um bom período, quando se falava em água, muitas pessoas a pensavam do ponto de vista da sua abundância, embora já existisse escassez desse recurso em muitas partes do mundo. Contudo, principalmente nos últimos anos, vemos a crescente discussão sobre a escassez de água. Nos últimos anos, o Brasil tem passado por uma crise hídrica, o que faz com que as discussões sobre a falta de água venham à tona. De acordo com pesquisadores, essa crise hídrica se deve a dois fatores, primeiro à má gestão pública dos recursos hídricos, segundo às mudanças climáticas. Do ponto de vista de uma má gestão dos recursos hídricos, pesquisadores indicam que o Brasil precisa aprender a melhor utilizar a água disponível em seu território. Os cientistas indicam a necessidade de se formular um plano de gestão dos recursos hídricos a ponto de utilizar as diversas fontes de água de maneira sustentável. Um sinal dessa má administração está no fato de mesmo com a crise hídrica, o Brasil perde em média 40% do recurso tratado devido à má conservação dos canais que conduzem a água até às pessoas. Estudiosos apontam para a necessidade de se investir em pesquisa para se descobrir meio de superar o impacto dessa crise hídrica na sociedade, descobrindo outros meios de se utilizar esses recursos.
Com efeito, a crise hídrica no Brasil não é apenas um fator gerado pela má gestão dos recursos. As mudanças climáticas, relacionadas ao aquecimento global, incidem diretamente nesse quadro crítico da crise hídrica, dando seus sinais por meio de secas prolongadas. Além disso, o desmatamento na  
Amazônia tem alterado o fluxo de chuvas no Brasil. “Isso acontece por causa de um fenômeno chamado de rios voadores, em que a umidade proveniente da transpiração das árvores da Amazônia é carregada pelas nuvens para outras regiões do país e até para algumas cidades da América do Sul – como uma bomba de água que abastece o Centro-oeste e o Sudeste do Brasil, região mais afetada pela atual crise hídrica” (https://www.dw.com/pt-br/a-crise-h%C3%ADdrica-no-brasil-%C3%A9-uma-crise-mundial-alertam-cientistas/a-60077325).
Fato é que a água é um bem valioso e necessário à vida, seja ela humana, animal e vegetal. Diante da escassez de água, a vida desses seres que necessitam dela para a sua sobrevivência encontra-se em estado de vulnerabilidade. Ao pensar a dimensão, sobretudo da segunda causa apontada para a crise hídrica, é possível afirmar que não só os seres vivos que necessitam da água estão vulneráveis, mas a própria natureza, haja vista que a ação humana sobre o meio ambiente acarreta consequências não somente para ele, mas para toda a biosfera. Assim, ao mesmo tempo que a vida humana é vulnerável, nesse contexto ela é também o agente moral que gera essa vulnerabilidade. Outra questão que também se desponta é a mercantilização da água. Recentemente, matérias vinculadas em diversos noticiários indicaram que os recursos hídricos começaram a ser negociados na Bolsa de Valores de Nova York. A proposta é que se possa investir em contratos que garantam o uso da água em momentos de seca.
Com efeito, essa ação faz com que a água se torne um bem econômico, cujo qual quanto mais escassa mais valiosa ficará. Dito de outro modo, o que se pretende é a apropriação privada fazendo com que o acesso a esse recurso natural seja somente direito de algumas pessoas, o que potencializa as situações de vulnerabilidades e a sustentabilidade dos recursos hídricos.
Ora, é moralmente válido que a água seja mercantilizada, principalmente em um contexto de crise hídrica? Quando se trata da mercantilização há sempre o risco de que se potencialize os fatores de vulnerabilidade, pois aprofunda as desigualdades à medida que nem todos conseguem ter as mesmas condições de posse. Partindo de uma concepção de que a água é um recurso natural, necessário à vida humana, animal e vegetal, não se pode admitir que esse recurso se torne um bem econômico do qual alguns podem ter posse sobre ele ao passo que outros não. Assim, o princípio bioético de não-mercantilização se desponta como referencial ético ao dilema apresentado. Além disso, uma administração correta dos recursos hídricos se apresenta como solução à esse dilema, pois é um modo de garantir o acesso democrático à água.
Assim, é possível afirmar que as mudanças climáticas incidem diretamente sobre a vida, uma vez que influenciam na disponibilidade da água, um recurso fundamental para a subsistência dos seres. Diante disso, nós como futuros bioeticistas consideramos que se faz necessária a reflexão de como o ser humano pode colaborar para a redução desses efeitos, bem como a necessidade de utilizar a água de modo responsável. Isso tudo não apenas para o seu próprio bem, mas para o bem vida de todos os seres. Por fim, a via de mercantilizar a água não se apresenta como a solução mais adequada à problemática da escassez de recursos hídricos.