Série Ensaios: Sociobiologia
Por Ana Julia, Beatriz Duarte Rangel, Eduardo Salgado Boza, Luiza Valeria Veiga de Moraes e Mirelle Nunes Hein
Acadêmicos de Biologia e Medicina Veterinária
O comportamento de adotar um animal de outra espécie pode ser encontrado tanto no reino animal quanto na realidade dos seres humanos. A notícia publicada pelo UOL, intitulada “Cadela adota filhote de gato após perder a própria cria: “eles querem e dão amor incondicional”, mostra uma cadela que ao chegar em um abrigo, depois de perder seu filhote, acabou adotando três gatinhos que foram levados ao abrigo logo em seguida. O abrigo Jelly’s Place acolheu esses três gatos que perderam a mãe e precisavam que eles se alimentassem por meio da amamentação e que fossem cuidados, portanto a ideia foi juntar os felinos com uma cadela que havia perdido a sua prole recentemente e acabou dando certo quando perceberam que o cão havia adotado os gatos. De acordo com a bióloga Maria Adélia de Oliveira, da Universidade Federal de Pernambuco, “quando fêmeas ficam muito fragilizadas pela perda repentina da prole, podem confundir os sinais de um bicho de outra espécie com os de seus filhotes”, isso acontece pelo desequilíbrio hormonal que é causado.
Durante a gestação e o parto existem diversas mudanças hormonais com o propósito de condicionar o comportamento materno na fêmea, um desse hormônios é a ocitocina, que atua na contração uterina, produção de leite, reconhecimento de elementos do grupo, ligações entre a mãe e o filhote, entre outros (HEON et al., 2009). Portanto, como esse hormônio ainda está em uma grande quantidade no corpo da cadela mesmo tendo perdido o filhote, isso explica a ligação afetiva com filhotes de outra espécie.
Em uma publicação feita pela revista Veja, foi divulgada uma análise desenvolvida por cientistas americanos, comparando a ativação de determinadas estruturas cerebrais em mulheres quando veem uma imagem de seus filhos e outra de seus cães. Além de vários estudos terem anteriormente apontado que animais de estimação contribuem para um bem-estar maior das pessoas, físico, emocional e social, pesquisas também apontaram que após interagirem com um pet, as pessoas apresentaram mudanças no seu condicionamento biológico também, com um aumento do nível de produção de ocitocina, hormônio relacionado com a ligação materna.
Tendo esses conhecimentos em mente, a pesquisa foi realizada com quatorze mulheres, com filhos de idades entre os 2 e os 10 anos e que tenham um cão há pelo menos dois anos. O estudo começou com os pesquisadores primeiramente perguntando sobre o relacionamento que tinham com os filhos e animais e depois fotografaram estes. Foram feitos então exames de ressonância magnética nessas mulheres, sendo analisadas suas atividades cerebrais enquanto elas viam imagens de seus filhos e cães. Os resultados das mulheres mostraram semelhanças, com aumento da atividade tanto ao ver imagens dos filhos como dos animais em áreas relacionadas a funções de emoção, recompensa, afiliação, processamento visual e interação social. A região associada à formação de vínculos, mostrou-se ativa apenas quando visualizava a imagem do filho, já a área do giro fusiforme (área que promove reconhecimento facial) teve resposta maior com a imagem dos cães.
Demonstrando que determinada região do cérebro é importante para ativar o estímulo de visualizar a imagem do filho e do cão, é necessário que essas pesquisas se aprofundem com um maior número de pessoas, em diferentes populações, incluindo testes em mulheres sem filhos, homens com filhos, pais com crianças adotadas, e em diferentes espécies de animais de estimação.
Um componente etológico presente seria após o nascimento de um descendente certos animais possuírem o hábito de cuidar deles e supervisioná-los, a partir do cuidado parental. Isso gera tanto benefícios para a evolução desses animais (vantagens quanto à sobrevivência do grupo) quanto custos (mortalidade parental podendo aumentar). Com isso em mente, seres vivos precisam escolher quando e quanto de cuidado eles oferecem para a prole. Em relação ao componente evolutivo, o amor e cuidado parental surgem em aves e mamíferos junto com a endotermia, fazendo com que os genitores comecem a ter um contato maior com a prole para mantê-los vivos, trazendo um sentimento positivo por meio da endorfina. Posteriormente, isso acaba condicionando a vontade de cuidar de um filhote quando ele é visto. Em outros casos, os animais percebem que a sobrevivência da prole seria improvável, e começam a reduzir ou interromper seus investimentos em cima do filhote para poder dar esses recursos para outro mais atual e viável (ALCOCK et al., 2011).
Segundo Alcock et al. (2011), antigamente os humanos não acreditavam que iriam ter uma vida muito longa, portanto tiveram adaptações para a espécies gastar todos os seus recursos de uma vez para conseguir ter uma maior quantidade de filhos assim que possível, isso estaria diretamente relacionado ao componente biológico do comportamento parental.
Uma matéria (AGÊNCIA, 2009) que demonstrou a preferência de pessoas adotarem animais de estimação invés de terem filhos seria do site Bem Paraná. Nessa matéria a entrevistada, chamada Flávia Castanheira, de 44 anos, falou: “Criança você não cria, educa. Eles aprendem mais vendo o que as pessoas fazem do que pelo o que você fala. Você não tem controle. A verdade é que não sinto falta de ter um filho, mas se tirar um dos meus cães não suportaria”. Nisso se pode observar que uma das razões de não possuírem filhos seria seu medo em cima da maternidade. Segundo uma matéria veiculada na revista Hoje, uma pesquisa realizada pela Comissão de Animais de Companhia (COMAC) do Sindicato da Indústria de produtos para Saúde Animal (SINDAN) e a Radar Pet em 2021 indicaram que das famílias que possuíam cães, 21% eram de casais sem filhos, 9% de pessoas que moram sozinhas e 65% de famílias com filhos.
Para a socióloga Dilze Percílio , o fato de famílias optarem por ter apenas pets em casa pode ser explicado pela questão econômica dos casais, que muitas vezes os impedem de estarem estáveis o suficiente para terem seus próprios bebês e poderem suprir todas as suas necessidades básicas. Também ocorreu a mudança do estilo de vida dos seres humanos, os quais antigamente eram majoritariamente rurais e dependiam da contribuição do trabalho dos filhos para que pudessem se sustentar, agora se urbanizaram e essa contribuição passou a ser desnecessária e os filhos mais caros, enquanto animais de estimação são uma opção mais barata.
Cabe ressaltar que a responsabilidade de adotar um animal é muito grande, ela não se restringe a apenas decidir adotar e sim no comprometimento de criar um ambiente que forneça bem-estar, alimentação de qualidade, vacinação e momentos de lazer. Portanto, apenas gostar de animais não é razão suficiente, é importante lembrar que por mais que seja uma espécie diferente, ainda é uma vida.
Nós como futuros biólogos e médicos veterinários acreditamos que em certos casos, possíveis mulheres que querem ser mães, escolhem ter um pet invés de um filho acreditando ser algo mais simples e que não impõe tantos problemas. Porém adotar um animal precisa de comprometimento e responsabilidade, assim como no caso de um filho. Um desses comprometimentos é em relação a necessidade de dar a esse filho/pet necessidades para sua sobrevivência. Além disso, há situações em que as mães teriam os filhos, porém sua ocitocina estaria baixa no momento ou até não foi liberada ainda, se desapegando do filho facilmente. Pois é esse hormônio da ocitocina que acaba aumentando a vontade da mãe de manter o seu filho. Todos esses fatores devem ser considerados tanto no momento de adoção de um filhote, quanto na decisão de se tornar mãe.
O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Biologia e Evolução do Comportamento Animal tendo como base as obras:
ADIMAX, Indústria e Comércio de Alimentos, 2021. Posse responsável de animais - Entenda esse conceito. Disponível em: Link. Último acesso em: 11 de novembro de 2022.
AGÊNCIA ESTADO. 2009. Em vez de filhos, casais preferem ter bichos: A ideia de não ter filhos já é realidade para muitos casais. Disponível em: Link. Último acesso em: 11 novembro de 2022.
ALCOCK, J. 2011. Comportamento animal: uma abordagem evolutiva. Porto Alegre: Artmed Grupo A. Disponível em: Link. Último acesso em: 13 de outubro de 2022.
DA REDAÇÃO. Animais adotam? 2016. Disponível em: Link. Último acesso em: 7 de outubro de 2022.
HEIDEN J. & SANTOS, W. 2012. BENEFÍCIOS PSICOLÓGICOS DA CONVIVÊNCIA COM ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO PARA OS IDOSOS. ÁGORA: Revista de divulgação científica v. 16, n. 2(A), Número Especial: I Seminário Integrado de Pesquisa e Extensão Universitária.
HEON, J. L. et al. 2009. Oxytocin: the great facilitator of life. Prog Neurobiol. v. 2, p. 127-151.
IBGE, 2022. População rural e urbana. Disponível em Link. Último acesso em: 11 de novembro de 2022.
NASCIMENTO, P. S. Endotermia. InfoEscola. Disponível em: Link. Último acesso em: 11 de novembro de 2022.
REDAÇÃO PAIS&FILHOS. 2022 Cadela adota filhote de gato ápos perder a própria cria: “Eles querem e dão amor incondicional”. Disponível em:Link. Último acesso em: 7 de outubro de 2022.
VEJA.ABRIL. 2014. Seu pet é como um filho pra você? Estudo explica por quê. Disponível em: Link. Último acesso em: 12 de outubro de 2022.
VILELA, S. 2022. Casais preferem adotar pets em vez de ter filhos: Falta de estabilidade financeira e preocupação com emprego são alguns dos motivos que levam casais a adotarem pets. Ohoje. Disponível em: Link. Último acesso em 13 de outubro de 2022.
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