Série Ensaios: Sociobiologia
Por Diego
Henrique Freitas ¹, Juliana
Handocha Rodrigues ¹,
Samuel Soares ¹, Vitória Bórnia
² e Vitória Ramos Macedo ¹
¹ Graduandos
em Ciências Biológicas - PUCPR
² Graduanda
em Psicologia - PUCPR
Na notícia
“Covid: saúde mental piorou para 53% dos brasileiros sob pandemia, aponta
pesquisa”, do site BBC News, é relatado o efeito da pandemia na saúde mental
das pessoas. Dados do instituto Ipsos trazem
a discussão de como as pessoas têm reagido a novidade que é o Sars-CoV-2. Segundo o psiquiatra André Brunoni,
professor associado da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, “é
esperado sentir-se mal, triste, confuso e revoltado diante de uma situação nova
e ruim, como foi o aparecimento da Covid-19. Mas há todo um processo entre esses
sentimentos e o desenvolvimento de um transtorno mental”.
Como sugere Faro e colaboradores (2020) a pandemia afeta as pessoas em vários níveis causando diversas perturbações. Tudo que está havendo no mundo, decorrente do vírus, afeta bastante a fisiologia das pessoas com consequências na saúde mental, e uma das principais maneiras de se proteger é estar em casa. Restringe-se o contato social, tão importante para o desenvolvimento humano, com distanciamento físico, isolamento e quarentena.
A pandemia é um reflexo da atividade humana que desconsidera a natureza.
O spill-over do
vírus não é nada de outro mundo (Mori et. al., 2020) e acontecimentos similares
já ocorreram no passado, como SARS, MERS e Nipah
(Gragnani, 2020). Pessoas comuns ou representantes de grupos, corporações,
governos agem de forma não planejada em relação à natureza, para extrair um
benefício que pode ser mais custoso que o esperado. Muitas vezes não há um
culpado isolado, como foi com o novo coronavírus, mas todo um sistema, no qual
as pessoas não têm conhecimento de causa e efeito para medir suas ações na no
ambiente natural. Esses efeitos, assim como a culpa, são compartilhados, com
diferença de magnitude, mas atingindo a todos. O vírus hoje está em todos os
continentes do mundo (Miranda, 2020), afetando todo tipo de pessoa, mas com
consequências graves em grupos específicos. Não só em relação a comorbidades,
que tornam as pessoas mais vulneráveis ao vírus, mas também com intensidade
naquelas pobres, que perdem seus empregos, passam por necessidades e ficam
ainda mais fragilizados (Lupion, 2020).
No mundo globalizado, como trata Ferreira e colaboradores (2014), o fluxo entre países traz a rápida disseminação de doenças contagiosas, o que pode favorecer a maximização de epidemias a pandemias. A exemplo do HIV/AIDS, como diz Tufte (2004), a facilidade de transporte humano à todo canto do planeta, e a dinâmica de uma tribo com bilhões de indivíduos favorece a disseminação de patógenos, que podem ser controlados em um aspecto global mas devastadores em determinados locais, carentes de estrutura e capital. Algo similar na natureza se vê com as espécies migratórias. Elas percorrem longas distâncias cruzando continentes para realizar seu ciclo biológico. É de imaginar que microrganismos possam ser carreados de um lugar a outro infectando outros animais e pessoas (Araújo, 2004). Porém, enquanto esses animais têm um trajeto específico, locais determinados onde já realizam suas viagens, as pessoas viajam para qualquer lugar a qualquer hora. O desafio é manter a segurança de outras pessoas nos locais que são recebidos os viajantes.
Em situações de pandemia, o
número de pessoas psicologicamente afetadas costuma ser maior que o de pessoas
acometidas pela infecção, sendo estimado que um terço da metade da população
possa apresentar consequências psicológicas e psiquiátricas.
Tais
fenômenos resultam em alteração de funções biológicas do organismo, como
horário de sono (56%) (Bezerra et. al., 2020). O isolamento, e os transtornos
de sono decorrentes, podem desencadear processos em cascata que desequilibram
sistemas hormonais e neurotransmissores, o ritmo circadiano e a neuromodelação ,
fazendo com que os fatores externos somados aos fatores biológicos possam gerar
uma carga multifatorial para o desenvolvimento de possíveis transtornos de
ansiedade, depressão e síndrome do pânico, dentre outros (De Maria e Meira,
2020).
De acordo com Santos et. al (2021), 55%
dos participantes de uma pesquisa relataram não estar alimentando-se de forma
adequada, sofrendo por falta ou excesso de apetite. Resultando em sobrepeso ou
deficiência de nutrientes e vitaminas necessárias para um bom funcionamento do
organismo.
Neste mesmo estudo foi evidenciado que 54,6% dos participantes não estavam praticando qualquer tipo de atividade física, o que pode ser mais um dos fatores negativamente contributivos para o aumento de estresse, ansiedade e desânimo durante esse período. É comprovado que a prática de atividades físicas regularmente traz inúmeros benefícios à saúde e ainda contribui para a redução dos níveis de estresse, ansiedade, depressão, aumento do humor, do bem estar e da disposição física e mental (SANTOS et al.,2021).
De acordo com Offord (2020), em alguns
estudos, descobriu-se que pessoas solitárias apresentam volumes cerebrais
reduzidos no córtex pré-frontal, região importante na tomada de decisões e no
comportamento social, embora outras pesquisas sugiram que essa relação possa
ser mediada por fatores de personalidade
Pessoas e outros animais que
experimentam isolamento podem ter hipocampos menores que o normal e
concentrações reduzidas de fator neurotrófico derivado do cérebro
(BDNF),
ambos recursos associados ao comprometimento da aprendizagem e da memória. Os
níveis do hormônio do estresse cortisol, que afeta e é regulado
pelo hipocampo, também são mais altos em animais isolados.
Também as amígdalas
foram correlacionadas ao tamanho da rede social de cada indivíduo com
evidências mostrando um menor volume desses órgãos em pessoas solitárias.
Efeitos do isolamento podem ser
percebidos em outros animais sociais como os camundongos que, segundo Araújo
(2017), são seres que precisam do convívio para ter saúde mental e um estado
emocional adequado. Enquanto humanos usam muito a fisionomia e a voz para
identificar outras pessoas, roedores utilizam cheiros. À medida que ficam
isolados, vão perdendo a capacidade de reter essa memória.
Alterações
anatômicas e funcionais podem ser observadas em roedores isolados por uma
semana, que sofreram mudanças neuroquímicas no cérebro, como diminuição da
produção de serotonina e de dopamina em áreas importantes para o processamento de
emoções, e redução do volume do bulbo olfatório, área cerebral que processa os
odores.
Apenas 24
horas de isolamento social são suficientes para modificar a plasticidade neural
em uma população de neurônios dopaminérgicos do núcleo dorsal da rafe. Esses
neurônios produzem e liberam o neurotransmissor dopamina, pelo menos em duas
áreas do cérebro importantes para a diferenciação de estímulos positivos e
negativos.
Os animais também
apresentaram quadros de depressão, ansiedade e problemas de memória,
particularmente na chamada memória social, de reconhecimento dos semelhantes.
Para manter a memória social por 24 horas, é necessário que o bulbo olfatório
dos roedores “converse” com o hipocampo, área-chave para o armazenamento de
memórias. Diálogo, medido por atividade elétrica dessas áreas, que fica
prejudicado no animal isolado.
Os efeitos do isolamento são amenizados
quando o indivíduo é mantido em ambiente enriquecido com elementos capazes de
provocar estímulos sensoriais, o que, para roedores, podem ser objetos e
túneis. Estes estimulam o processo de neurogênese no bulbo olfatório e no
hipocampo, áreas fundamentais para a memória social.
Comparativamente
os pets, especialmente cachorros, mais dependentes de uma interação com seus
tutores do que os gatos, tiveram uma resposta diferente. Segundo Silva e colaboradores
(2021), não foi constatado comportamentos hiperativos, tristeza ou
comportamentos repetitivos anormais nos pets, somente carência. Isso é
explicado pelo maior tempo que os tutores passam com seus pets, criando um
ambiente mais afetivo.
Mas nos humanos, esses sintomas emergentes nos indivíduos são resultados da privação de uma das bases primordiais que caracterizam o indivíduo “ser humano”, sua liberdade. Por ela, entende-se que o homem é o indivíduo de sua história e da história da humanidade, onde compreende-se sujeito social (SARTRE, 1938 apud Schneider, 2006).
O
homem reage de maneira negativa ao isolamento visto que é um ser biopsicossocial (Schneider, 2006). Nesta situação emergencial de isolamento,
privaram-lhe a parte social, gerando dessa maneira, sentimentos e
comportamentos negativos.
Nós
como futuros biólogos e psicólogo acreditamos que passado mais de um ano de
pandemia, ainda estamos transitando por momentos de adaptação comportamental e
emocional e de criação de mecanismos de defesa, tanto mentais quanto
fisiológicos. É um período em que reflexões devem ser realizadas em todos os
âmbitos, para que possamos regredir os impactos negativos da pandemia e dispor
de um melhor aproveitamento de nossas vidas.
A revolução tecnológica atual tem
modificado em muito as relações sociais e nesse caso contribui para uma
amenização do isolamento e falta de socialização. A tecnologia se mostra aliada
e nos torna mais resilientes. Investir nela e em uma relação virtual orgânica é
importante agora e necessário para o futuro. Isso abrange incluir as pessoas no
mundo digital e propiciar espaço para uma ocupação democrática desse ambiente.
Também vale ressaltar, como demonstrado em estudos com os próprios
camundongos, que um ambiente estimulante pode evitar os efeitos do isolamento
no cérebro. Atividades que incluem, mas não se limitam a, visitar galerias,
museus ou óperas, pode contribuir para evitar perda de memória e habilidades
verbais (Fancourt & Steptoe, 2018). Esses estimulantes cerebrais, nesse
momento de pandemia podem ser acessados online com tours em casa pelo
computador.
O presente ensino foi elaborado para disciplina de Etologia,
se baseando nos textos:
Araújo, A. R. Isolamento compromete memória
social de camundongos: Estudo mostra que a solidão provoca mudanças
neuroquímicas no cérebro dos animais. Universidade de Minas Gerais. 2017.
Disponível em:
https://ufmg.br/comunicacao/noticias/isolamento-compromete-memoria-social-de-camundongos.
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