quarta-feira, 19 de maio de 2021

COVID-19 e o isolamento social: a jaula sem grades

 

Série Ensaios: Sociobiologia

por Carlos Machado Bot, Caroline de Barros Rodrigues, Felipe Lima Barbugiani, Helena Coentro Wohlke, Maria Beatriz Cannes Gonçalves.

Graduandos em biologia e psicologia

 

            O presente trabalho tem como ponto de partida compreender o porquê de determinados comportamentos agressivos serem vivenciados de forma diferente na pandemia, de acordo com a cultura. Para um entendimento mais evidente, buscou-se investigar como o Japão lida com a situação de viver em uma região geográfica relativamente pequena para uma população muito numerosa, e mesmo assim conseguir obter um controle eficaz na disseminação do vírus. Percebeu-se que a sociedade japonesa adota uma estratégia diferente de vários outros países, como o Brasil. De modo geral, o medo da agressão verbal e moral no Japão é muito relevante na vida das pessoas, e isso traz consequências que evitam que as pessoas se aglomerem, mesmo sem determinações governamentais. Por outro lado, no Brasil, mesmo com determinações governamentais, a população continua se aglomerando, e há muitos casos de violência física envolvidas quando há desacordos no cumprimento de normas.


De acordo com Torres e Neiva (2011), a agressão pode ser definida como "qualquer comportamento que tem a intenção de causar danos, físicos ou psicológicos em outro organismo ou objeto" com intencionalidade por trás do ato. Os autores citam como a agressão pode ser hostil ou instrumental, a primeira sendo proveniente de emoções intensas e ação “impulsiva”, enquanto a segunda refere-se a agressão voltada para uma finalidade. Sob a perspectiva etológica e biológica, Lorenz (1966; 1971) apud (TORRES & NEIVA, 2011) expõe que a agressividade é uma ação instintiva passada através das gerações por oferecer benefícios para a espécie como a proteção de recursos naturais com pouca disponibilidade ou pela competição reprodutiva e proteção da prole. Dentro da perspectiva do interacionismo social (RIBEIRO e SANI, 2009), a agressividade envolve a emissão de comportamentos coercivos, como a ameaça/intimidação e o uso de força para a manutenção do controle sobre terceiros, manutenção da ordem/justiça e/ou para a proteção e segurança identitárias, a utilização desses comportamentos dependerão do custo-benefício para o organismo e estarão sempre atrelados à submissão do outro para ocorrer. Ainda segundo as autoras, para o cognitivismo neo-associacionista, estímulos aversivos eliciarão no organismo uma resposta de luta (agressão) ou fuga. Em uma situação de interação social, ambos comportamentos irão ocorrer como mecanismos diretamente relacionados à sobrevivência grupal. Assim, as teorias apontam para a necessidade das ações de agressão e submissão para a manutenção da coesão social.      

Portanto, a agressividade pode ser considerada um mecanismo de defesa adaptado, ativado por estímulos bioquímicos e hormonais e facilmente influenciado por alterações no ambiente ou abuso de substâncias. Embora as situações e estímulos que provocam tal comportamento sejam diferentes, partindo das mais variadas situações, a reação fisiológica é comum a todos os vertebrados, sendo possível mesmo a formação de um padrão, como o observado nos exemplos de fight or flight, tendo pequenas variações, porém, partindo de um instinto básico. Assim, o constatado nos comportamentos agonísticos agressivos está ligado diretamente às relações sociais, e muitas vezes à necessidade de estabelecer uma ordem hierárquica, territorial, ou sexual. De qualquer maneira, esses comportamentos levam a ativação de fatores hormonais e bioquímicos, como a alteração nos níveis de estrógeno, progesterona e liberação de adrenalina, desencadeando uma cascata hormonal (DE FÁTIMA MADELLA-OLIVEIRA; QUIRINO & PACHECO, 2014). Em uma situação de isolamento, os organismos são postos em um contexto de privação social que leva ao prejuízo dessas habilidades, como a resolução de conflitos  e alterações de humor como a depressão, resultado de estressores como recursos insuficientes (espaço e alimento). Outras espécies como camundongos (ARCEGO, 2017) e o peixe amazônico Astronotus ocellatus (FREITAS & MARIGUELA, 2006) também apresentam aumento na agressividade em isolamento. Os estudos ressaltam como o contexto do isolamento (duração, exposição a ambientes sociais prévios, temperamento, etc.) também influenciam o nível de agressividade. A situação de isolamento é relevante na espécie humana também, onde pessoas em ambientes mais privilegiados ou saudáveis não recebem o mesmo impacto de estressores comparado a pessoas em ambientes de risco, como por exemplo, o aumento exponencial da violência doméstica registrado no país após o começo da pandemia foi mais observado em situações com prevalência do desemprego, abuso de substâncias e histórico de violência anterior (OKABAYASHI et al., 2020).


No momento da pandemia, o Japão não adotou medidas restritivas de lockdown. Por outro lado, houve uma limitação no deslocamento recomendado pelas autoridades locais. De acordo com uma matéria na BBC (2021), o que fez a população japonesa evitar aglomerações não foram as autoridades, nem a polícia, nem punições, mas a pressão social. Esta matéria aponta que no Japão, há uma cultura de preocupação com os danos que podem ser direcionados aos indivíduos. A matéria cita Onuki, um professor e pesquisador da Psicologia, que descreve o conceito de meiwaku: “por meio da ação, uma pessoa pode causar aborrecimento a outro indivíduo, levando-o a sofrer algum tipo de desvantagem ou a se sentir desconfortável” (BBC, 2021). Neste sentido, os japoneses evitam causar qualquer tipo de desconforto – tanto físico como psicológico – nas pessoas. Há então uma cultura da desculpa, que propicia uma preocupação extrema e admirável com o outro. Mas há um lado mais sombrio nisto também, o fato das pessoas sofrerem discriminação e preconceito caso venham a se contaminar com a covid-19, chegando a serem humilhadas publicamente.

           Apesar do exemplo do Japão, em que a pressão social e medo de represália tiveram um efeito positivo sobre o comportamento durante a pandemia, algumas situações enfrentadas em países como o Brasil exemplificam como a tensão gerada por uma situação não habitual duradoura pode desencadear respostas agressivas exageradas, como no ano de 2020, em que um cliente que frequentava um restaurante na cidade de Curitiba foi agredido por outro frequentador. Segundo a matéria veiculada no site G1 a vítima teria tossido durante o período em que estava dentro do restaurante, o que levou o agressor a acreditar que este poderia estar contaminado com o vírus da Covid-19, mas na verdade se tratava apenas de um engasgo. Cenários como esse demonstram que o nervosismo e angústia causados pelo estresse em relação a situação de isolamento e possibilidade de contaminação podem desencadear respostas incomuns para os padrões sociais atuais, já que despertam no ser humano um sentimento primitivo de alerta constante, remontando aos tempos em que a sobrevivência era seu o único objetivo, e a violência poderia ser o único recurso disponível para garantir a perpetuação da espécie.

          


Considerando o ponto de vista biológico e instintivo tal comportamento poderia ser justificado, porém levando em conta a complexa e refinada organização social desenvolvida pelo homem ao longo de milhares de anos, atitudes como essa se tornaram passíveis de punição pelo grupo, o que significa que não é mais aceitável mesmo em condições adversas como as que estão sendo observadas atualmente.

            Nós como biólogos e psicólogos acreditamos que a falta de contato social faz com que as pessoas percam a habilidade de lidar com conflitos de maneira diplomática, promovendo a conciliação por meio de diálogo. Por esse motivo a presença de uma liderança sólida seria importante num momento como o de agora, pois a falta de uma figura de autoridade responsável gera certa insegurança no grupo, causando uma divergência prejudicial a toda a dinâmica social. Sendo assim, como equipe imaginamos que em uma situação de pandemia a influência de um representante capacitado seria a melhor maneira de se manter o equilíbrio no convívio diário. Infelizmente esse não é o cenário que encontramos em nosso país hoje, por isso deveria ser incentivada a cobrança das autoridades políticas por práticas que favorecessem a proteção à saúde e desenvolvimento da população.

 O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Etologia, tendo como base as obras:

ARCEGO, Danusa Mar. Isolamento social precoce e consumo de uma dieta hiperlipídica: implicações no comportamento do tipo depressivo e em aspectos cognitivos em ratos adultos. 2017.

BBC. Coronavírus: por que os japoneses com covid-19 se sentem obrigados a pedir desculpas. 2021. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-52748221> Acesso em: 30 abril 2021.

DE FÁTIMA MADELLA-OLIVEIRA, Aparecida; QUIRINO, Celia Raquel; PACHECO, Aline. Principais hormônios que controlam o comportamento reprodutivo e social das fêmeas ruminantes-Revisão. PUBVET, v. 8, p. 0230-0339, 2014.

FREITAS, E.; MARIGUELA, T. C. Social isolation and aggressiveness in the Amazonian juvenile fish Astronotus ocellatus. Brazilian Journal of Biology, v. 66, n. 1B, p. 233-238, 2006.

OKABAYASHI, Nathalia Yuri Tanaka et al. Violência contra a mulher e feminicídio no Brasil-impacto do isolamento social pela COVID-19. Brazilian Journal of Health Review, v. 3, n. 3, p. 4511-4531, 2020.

RIBEIRO, Maria da Conceição Osório; SANI, Ana Isabel. Modelos explicativos da agressão: revisão teórica. 2009.

TORRES, Cláudio; NEIVA, Elaine Rabelo. Psicologia social. Artmed Editora, 2011.

 

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