Série ensaios: Bioética Ambiental
Por Patricia Feiz Nardinelli Bernardes de Carvalho
Advogada e mestranda em Bioética
Muitas foram as notícias veiculadas sobre como o isolamento social imposto pela pandemia de coronavírus (COVID-19) impactou a natureza em diversos lugares do mundo. Em Veneza, na Itália, por exemplo, as águas dos canais tornaram-se mais cristalinas, pela ausência da circulação dos barcos a diesel; também foi observada uma melhora na qualidade do ar da cidade italiana. No litoral da Tailândia, as praias, ausentes de turistas humanos, receberam um aumento do número de ninhos de tartarugas marinhas raras. Também foram noticiadas reportagens de melhora da qualidade do ar em países como a China no início do ano de 2020, em razão da desaceleração das atividades industriais e do isolamento social imposto pela pandemia.
Fato é que a menor circulação de pessoas e meios de transporte (aéreo, terrestre ou aquático) e a desaceleração da atividade econômica reduziram, em alguns países, os níveis de emissão de dióxido de carbono, componente que afeta a camada de ozônio, sobretudo nos momentos de maior restrição da mobilidade.
A estimativa da redução das taxas de dos gases que causam o efeito estufa poderiam representar a possibilidade cumprimento das metas do Acordo de Paris para o desenvolvimento sustentável, ainda que precise de planejamento e prazo.
O que se pode afirmar é que meio ambiente experimentou um alívio temporário do impacto ambiental em razão do isolamento social. Entretanto, com a retomada da economia sem o despertar de uma consciência ambiental, ainda mais sedenta pela recuperação do período de parada, esse “respiro” ao meio ambiente, aparentemente, não terá qualquer efeito educativo.
Além disso, a redução da emissão de carbono ao longo da pandemia não representa, necessariamente, algo positivo. Isso porque o alerta sobre os efeitos dos níveis elevados de carbono ao meio ambiente é recorrentemente feito por ambientalistas há anos. Entretanto, somente uma medida drástica de isolamento obrigatório, causada por um agente altamente nocivo à vida humana num cenário caótico de pandemia mundial, foi que se permitiu que tais alertas fossem colocados – temporariamente – em prática. Uma perspectiva efetivamente positiva seria que a consciência ambiental afetasse o comportamento humano em prol do meio ambiente, sem que tivéssemos no enfrentamento de uma pandemia, em que centenas de milhares de vidas foram ceifadas.
Esses resultados imediatos da pandemia possibilitaram que muitas atividades fossem adaptadas ao estilo home-office, sem qualquer prejuízo, o que colaborou para que deslocamentos desnecessários de pessoas fossem evitados e, consequentemente, para a redução da emissão de carbono na atmosfera, permitindo um aprendizado de como é possível mudar paradigmas em prol do meio ambiente. Outro ensinamento que a pandemia nos trouxe foi a de como podemos usar a tecnologia para evitar a utilização dispensável de transportes, a partir da utilização de softwares de tecnologia que realizam teleconferências para o âmbito dos estudos e dos negócios, repensando a necessidade de se realizar viagens corriqueiras com esses fins. Essa reflexão permite, ainda, que seja avaliada a utilização global e efetiva de transportes com combustíveis elétricos ou biodiesel, que são mais ecológicos.
No Brasil, entretanto, existe um problema persistente que envolve o tema da poluição: o desmatamento e a exploração de recursos naturais. Dados preocupantes demonstram que foi observado aumento dos índices de desmatamento durante a pandemia, porque os órgãos competentes tiveram dificuldade de manter a fiscalização regular. Concomitantemente, o Ministro do Meio Ambiente do Governo Bolsonaro, Ricardo Salles, exonerou o diretor de proteção ambiental do IBAMA, Olivaldi de Azevedo. Ao que parece, a falta de empenho do governo federal de implantar uma política ambiental séria e técnica colabora para o crescente desmatamento, mesmo durante a pandemia.
Ou seja, no Brasil, ainda que tenhamos tido uma desaceleração das atividades econômicas e industriais, a emissão dos índices de carbono deve subir em razão da elevação das taxas de desmatamento em solo brasileiro.
Esse cenário da poluição por emissão de carbono ainda é agravado pela pecuária, atividade largamente explorada no Brasil, cuja poluição decorre do próprio processo digestivo dos animais, levando a uma maior emissão de carbono. Associado a isso, o impacto financeiro da pandemia nos lares brasileiros fez com que a carne fosse menos consumida e, com isso, houve menor abate de gado para consumo e, consequentemente, mais animais produzindo substratos poluentes ao meio ambiente.
Se a pandemia de COVID-19, a partir de uma visão utilitarista para o enfretamento do problema, exigiu que a população tivesse que abrir mão de sua liberdade em prol da saúde geral e do bem comum, isso não pareceu ser suficiente no Brasil para frear o impacto ambiental e ações ilegais de degradação ao meio ambiente ou mesmo despertar a consciência – ou, ao menos, o interesse – pelo tema.
Na qualidade de mestranda em Bioética, acredito que a discussão quanto à proteção ambiental deveria ser pauta de interesse sobretudo das lideranças políticas nesse momento de crise mundial, na medida em coexistimos num mesmo planeta e somos, inevitavelmente, afetados pela poluição que é produzida não somente no nosso território, mas em todo o mundo. O despertar para uma consciência ambiental é urgente e clama por mudanças de posturas, e esse novo comportamento pode partir de nós, desde ações simples até o engajamento em ações mais importantes em prol do meio ambiente.
O presente ensaio foi elaborado para a disciplina de Bioética Ambiental do Programa de Pós Graduação em Bioética da PUCPR e teve como referências as seguintes obras/sites:
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