Série Ensaios: Bioética Ambiental
Por Claudia Piffero Cavalcanti
médica psiquiatra e mestranda em Bioética
Desde o início da pandemia de Sars-CoV-2 (COVID-19) inúmeras notícias veiculadas pela mídia têm buscado alertar e denunciar a estreita relação desta com a Degradação Ambiental planetária. No artigo "Surto de coronavírus é reflexo da degradação ambiental, afirma PNUMA”, de meados de março último, o autor faz uma análise do que vinha sendo então alertado pelo PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) como muito provável causa dessa pandemia que nesse ponto já havia infectado milhares de pessoas em diferentes países: contato humano com animal portador (pela característica dos coronavírus de serem zoonóticos). A matéria assinala que há um aumento de doenças transmitidas aos seres humanos a partir de animais, com progressivo agravamento diretamente relacionado à destruição de habitats selvagens pela atividade humana, pois a ciência viria apontando um favorecimento da aceleração de processos evolutivos em patógenos e também, portanto, sua multiplicação em termos de diversidade, justamente decorrente da degradação desses ambientes. A hipótese é que os patógenos, em consequência, passariam dos animais selvagens alijados de seus nichos e de sua posição natural na cadeia alimentar, para o contato com rebanhos (fontes de alimento humano) e com os próprios seres humanos, seja na busca de alimento, seja tornando-se alternativas exóticas/não convencionais de alimento.
O artigo cita, ainda, declarações de Doreen Robinson (chefe para a Vida Selvagem no PNUMA):
“Os seres humanos e a natureza fazem parte de um sistema interconectado. A natureza fornece comida, remédios, água, ar e muitos outros benefícios que permitiram às pessoas prosperar.”
“Contudo, como acontece com todos os sistemas, precisamos entender como esse funciona para não exagerarmos e provocarmos consequências cada vez mais negativas.”
Degradação Ambiental é um conceito que refere-se a um processo de remoção ou destruição de uma área de vegetação ou da camada de solo fértil, com consequente (grave) impacto não apenas na flora, mas na fauna (que perde seu habitat). Inclui, também, a diminuição dos recursos renováveis potenciais, advinda de uma ação via de regra multifatorial sobre aquele ambiente, levando à redução das suas condições em promover/sustentar a vida. Lamentavelmente, a história do nosso planeta e do nosso país se mescla com a história da Degradação Ambiental, chegando a níveis atuais de tão extrema gravidade que ameaçam a vida tal como a conhecemos em todo o globo, incluindo a vida humana. Essa situação crítica levou a ONU à determinação de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável como meta a ser alcançada até 2030 para mitigar as devastadoras consequências das ações humanas sobre o Meio Ambiente (e viabilizar nossa sobrevivência).
A Constituição Federal de 1988 determina que medidas de minimização dos impactos e recuperação ambiental sejam instituídas para toda atividade que produz danos ambientais. (Exemplos de atividades com forte potencial de impacto ambiental são incêndios em áreas não-urbanas, construção de rodovias, atividades de mineração e voçorocas).
Na Conferência de Estocolmo (1972), a ONU produziu o Manifesto Ambiental e criou o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Em Nairóbi (1982) uma nova conferência teve o objetivo de avaliar os avanços alcançados nos últimos 10 anos e concluiu pela priorização da criação de unidades de conservação e da recuperação de áreas degradadas.
A relação entre COVID 19 e Degradação Ambiental vem sendo amplamente estudada e documentada, graças aos avanços científicos, à experiência com a ocorrência cada vez mais frequente de doenças zoonóticas e a percepção da associação deste fato com as mudanças comportamentais humanas (e seus impactos ambientais).
Sobre a relação com o Princípio de Justiça, ou Princípio de Equidade (um referencial ético basilar da Bioética, no qual o bem de um indivíduo não pode se sobrepor ao bem dos demais), estaríamos nós impedindo nossos filhos e todas as futuras gerações do direito à vida tal qual buscamos garantir a nós mesmos no momento presente? Estaríamos agendando o assassinato de todos, quer seja a curtíssimo prazo em função da COVID-19; a curto-médio prazo, em consequência de outras pandemias; ou a curto-médio prazo em decorrência dos outros tantos impactos que a Degradação Ambiental tem na determinação da nossa finitude? Pois com a promoção humana da atual pandemia (e das em um futuro próximo já anunciadas pelos cientistas, além de todas as outras mortes causadas em decorrência dos impactos ambientais oriundos da ação humana, como a poluição do ar, responsável por muitas milhões de mortes anuais em todo o mundo, mas que não são assunto deste ensaio) pelo acima apresentado, essas ideias não seriam em nada equivocadas (exceto pelo fato de serem de cunho antropocêntrico e negligenciarem, mais uma vez, a consideração do direito à vida, com dignidade, dos demais seres, não-humanos, também habitantes deste mesmo belo planeta).
Essas reflexões me levam a considerar que, quando um homem se coloca de modo hedônico como aquele que tem um direito (ou vários) supremacista(s) sobre os demais, sejam da sua mesma espécie, ou não, o Princípio de Justiça está clara e violentamente alijado. Quando há tantas formas de produção agrícola (permacutura, agricultura sintrópica, etc), de economia (economia circular, etc.), tecnologia e recursos (com investimentos muitas vezes estratosféricos que as sociedades humanas não consideram imorais de serem feitos para desenvolvimento armamentista, de exploração espacial, de agrotóxicos, de pecuária, de alimentos ultraprocessados). E, ainda, conhecimento científico que demonstre que o ser humano absolutamente não precisa consumir da maneira que consome (nem matérias primas, nem alimentos de origem animal), e que a qualidade de vida e a percepção de felicidade estão relacionados, por outro lado, com a bondade, o altruísmo, o minimalismo, a gratidão pelo que já se tem, e a conexão com a natureza o modus vivendi comum atual é injustificável e indiscutivelmente injusto, a meu ver. O relacionar-se com o meio como um predador de voracidade infinita, o grande creedor do universo, visando, ainda por cima, o próprio prazer, e ignorando todas as evidências contrárias, com desdém, é característico do funcionamento psicopático.
Eu como futura bioeticista acredito ser absolutamente vital o resgate dos valores éticos fundamentais, em que cada um de nós é agente insubstituível de modelo a todos os demais (pois aprendemos, sobretudo, por modelos, e cristalizamos nossos hábitos a partir da convivência e repetição desses padrões aprendidos). Só assim o Princípio de Justiça/Princípio de Equidade pode transbordar de todos os nossos atos (devemos e temos capacidade para tanto) e inundar, lavar toda essa mácula e injustiça que temos perpetrado (gerando os abismos da desigualdade social, das guerras e da destruição da Natureza, com um sofrimento difuso estarrecedor), abrindo mão de conveniências (como as embalagens plásticas e os descartáveis), do consumo de luxo (de artigos dos mais diversos), do desperdício de alimento, da exploração animal (como diversão, como luxo, como alimento), da exploração infantil e do trabalho escravo, da supermedicação humana e animal, do uso de agrotóxicos (ambos causando importante contaminação do Meio Ambiente), e inúmeros tantos outros. A história da humanidade prova que o ser humano não precisa dessas coisas para viver. E a história recente prova que é isto que nos está matando, mais do que qualquer outra coisa (seja biologicamente; seja também, psiquicamente).
A seleção natural nos convida a dar um importante passo evolutivo, para o qual estamos habilitados. Imediatamente — sem elaboradas (e vergonhosas) justificativas para protelarmos. Vamos?
O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Bioética Ambiental tendo como base os textos:
1. https://www.ecycle.com.br/component/content/article/63-meio-ambiente/8286-degradacao-ambiental-aumenta-risco-de-novas-pandemias.html
2. https://ciclovivo.com.br/covid19/surto-de-coronavirus-e-reflexo-da-degradacao-ambiental/
3. https://www.oie.int/en/scientific-expertise/specific-information-and-recommendations/questions-and-answers-on-2019novel-coronavirus/
4. https://www.greenpeace.org/brasil/blog/brasil-em-chamas-negando-as-aparencias-e-disfarcando-as-evidencias/
5. https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/td-43-compensacao-ambiental-os-fundamentos-e-as-normas-a-gestao-e-os-conflitos
6. https://books.google.com.br/books?id=H_HrtgAACAAJ&dq=degrada%C3%A7%C3%A3o+ambiental&hl=pt-BR&sa=X&ved=2ahUKEwj2qdyI_KLtAhWVGbkGHT1CAIkQ6AEwAHoECAAQAQ
7. https://books.google.com.br/books?id=OILLxlrciQsC&pg=PA25&dq=degrada%C3%A7%C3%A3o+ambiental&hl=pt-BR&sa=X&ved=2ahUKEwj2qdyI_KLtAhWVGbkGHT1CAIkQ6AEwBHoECAQQAg#v=onepage&q=degrada%C3%A7%C3%A3o%20ambiental&f=false
8. https://books.google.com.br/books?id=OILLxlrciQsC&pg=PA25&dq=degrada%C3%A7%C3%A3o+ambiental&hl=pt-BR&sa=X&ved=2ahUKEwj2qdyI_KLtAhWVGbkGHT1CAIkQ6AEwBHoECAQQAg#v=onepage&q=degrada%C3%A7%C3%A3o%20ambiental&f=false
9. https://books.google.com.br/books?id=1j1nDwAAQBAJ&pg=PT384&dq=degrada%C3%A7%C3%A3o+ambiental&hl=pt-BR&sa=X&ved=2ahUKEwj2qdyI_KLtAhWVGbkGHT1CAIkQ6AEwB3oECAUQAg#v=onepage&q=degrada%C3%A7%C3%A3o%20ambiental&f=false
10. https://books.google.com.br/books?id=UplYAAAACAAJ&dq=degrada%C3%A7%C3%A3o+ambiental&hl=pt-BR&sa=X&ved=2ahUKEwj2qdyI_KLtAhWVGbkGHT1CAIkQ6AEwCXoECAcQAQ
11. https://repositorio.unb.br/handle/10482/24286
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