Covid 19, Turismo Ecológico e a Bioética da Compaixão

 

Série Ensaios: Bioética Ambiental

Por Adriana Oliveira Andrade Batistella

Médica pediatra e mestranda em bioética



A Pandemia de COVID 19 trouxe inúmeros impactos para diferentes setores da economia, sendo o setor do turismo, um dos primeiros a sofrer com as medidas restritivas de circulação de pessoas, impostas em caráter global, porém o turismo ecológico ou ecoturismo é uma das apostas para o setor, pós pandemia, ao redor do mundo. Segundo a definição dada pelo Ministério do Meio Ambiente em conjunto com o EMBRATUR – Instituto Brasileiro de Turismo e que segue aquela criada pela Sociedade Internacional de Ecoturismo (TIES ou The International Ecotourism Society) Ecoturismo ou turismo ecológico é o “segmento da atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista por meio da interpretação do ambiente, promovendo o bem-estar das populações”.



Em reportagem para NOSSA VIAGEM, Marcel Vincenti em 16/07/2020 relata que ar livre e pouca aglomeração são duas das principais características de destinos brasileiros de ecoturismo que foram reabertos recentemente para o público, após passarem meses fechados por causa da pandemia de corona vírus.

Entre eles estão o Parque Nacional de Aparados da Serra (RS), o Parque Nacional da Serra Geral (RS), o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses (MA), o Parque Nacional de Brasília (DF) e o Parque Nacional da Tijuca (RJ)....

que oferecem, em seus milhares de hectares, contato abundante com a natureza onde é possível vivenciar uma prática que, no exterior, está sendo chamada de "isolationist travel" (algo como "viagem isolacionista" em português), uma tendência que, em época de covid-19, pode fazer com que as pessoas busquem, cada vez mais, lugares remotos e vazios como recantos de férias.

Como mitigar os impactos ao meio ambiente com a prática do turismo ecológico? De um lado a importância econômica e a sustentabilidade, como muito bem abordado na reportagem “Impacto do COVID-19 ao ecoturismo atinge vida selvagem e comunidades”, de 20 de maio de 2020, onde o diretor e coordenador do Programa “Great Apes Survival Partnership” da ONU, Johannes Refischcom relata a preocupação com o futuro do ecoturismo, referindo que, muitas áreas protegidas usam o valor gerado pelo turismo para financiar a aplicação de leis de proteção animal, o biomonitoramento de espécies e os salários dos funcionários das organizações. Sem a receita oriunda do turismo, muitas áreas protegidas entraram em crise financeira. A liberação dos funcionários e a suspensão da aplicação das leis de proteção podem facilmente promover a caça furtiva e a invasão de habitats – primeiro porque há pouca aplicação de leis, segundo porque os membros das comunidades perdendo suas fontes de renda, em alguns casos, possuem poucas alternativas de subsistência, e do outro as consequências de uma exploração sem planejamento adequado uma vez que as tendências do setor turístico, no período pós pandemia a busca de segurança, a fuga das multidões e a corrida para destinos menos procurados.

Na avaliação da ecóloga Helena de Godoy Bergallo, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), esse tipo de atividade pode causar impactos consideráveis à fauna e flora, que precisam ser mais bem compreendidos pela ciência e minimizados por meio de uma gestão mais eficaz, como diminuir a mortalidade dos animais, as alterações no habitat, as perdas de espécies nativas, a distorção do hábito alimentar dos animais, entre outros.

O turismo é prática complexa e transdisciplinar, que exige ser observado como fenômeno econômico, social e também ambiental. Educadores ambientais têm buscado no apelo ético a possibilidade de construção de novas relações do ser humano com o ambiente.


Quais as questões éticas envolvidas? Segundo o artigo de Marta Luciane Fischer e colaboradores “Interfaces entre Bioética Ambiental e o ecoturismo”, as questões éticas envolvem dilemas para economia, para os turistas, para a comunidade anfitriã e para o meio ambiente, sendo alguns destacados a seguir. Embora todos os cidadãos tenham o direito de desfrutar do contato com a natureza, a abrangência do ecoturismo, inicialmente praticado por adeptos de esportes radicais ou apreciadores da natureza, tem se ampliado para o cidadão geralmente desinformado sobre as demandas dessa modalidade de turismo. O turista dito convencional, quer em primeiro lugar relaxar e descobrir lugares diferentes e novas paisagens. Ele não é um militante do meio ambiente, quer aproveitar a natureza, mas não quer sacrificar o seu conforto e sua segurança. Esse novo turista, aguardado, pós pandemia, ao se deparar com os inerentes desafios naturais e limitações de infraestrutura, pode se sentir frustrado por não alcançar a satisfação, descanso e reequilíbrio almejados. O trade turístico, mais interessado em satisfazer o consumidor do que buscar inseri-lo no segmento, tem levado o conforto do ambiente urbano ao cenário do ambiente natural, descaracterizando a intenção original do ecoturismo, resultando em impactos em todos os setores envolvidos.

O senso ético inerente ao capitalismo que difunde a visão de valores e estilos de vida, atrelando a felicidade à capacidade de detenção de comodidades materiais da modernidade, interfere nas relações sociais levando à mercantilização de todos aspectos da vida revelando-se o utilitarismo como elemento ideológico moral. As paisagens são transformadas em produtos a serem consumidos resultando em ganhos que não se sobrepõem aos custos de degradação ambiental, injustiças, instabilidades econômicas, mudanças socioculturais negativas, além de não estarem contextualizadas nas estratégias de sobrevivência dos habitantes locais.


A intermediação das questões éticas e tomada de decisões em diferentes níveis pelos atores envolvidos podem ser norteadas por diferentes princípios éticos, endossando a utilização do pluralismo ético, incluindo aqui a ética de compaixão. Neste momento onde o mundo faz uma pausa e a natureza desabrocha talvez seja o momento ideal para trabalhar esta ética.

Eu como médica pediatra e futura bioeticista, encontrei na ética da compaixão, referida no artigo de Andreia Aparecida Marin, intitulado “A natureza e o outro: ética da compaixão e educação Ambiental”, a reflexão sobre a ética de compaixão de Lévinas. “A visão do sofrimento no rosto do outro é o que nos encaminha para a ética, uma ética baseada também na responsabilidade e na caridade. O que eu percebo ao olhar o outro não é algo somente dele, mas a revelação da dimensão do divino, que, em lugar de me incutir o imperativo do dever, me inspira à prática de uma compaixão que não espera nada em troca.” Este rosto que sofre é a própria natureza, que deve ser enxergada com empatia, respeito e compaixão, valores estes que nos levariam a considerar o direito intrínseco de cada ser vivo.



O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Bioética Ambienta, tendo como base as conteúdos:

Alves, V. J. R. (2018). A relação sociedade-natureza e a ética do cuidado desde o turista. PatryTer – Revista Latinoamericana e Caribenha de Geografia e Humanidades, 1 (2), 58-71. DOI: https://doi.org/10.26512/patryter.v1i2.7149
https://conexaoplaneta.com.br/blog/impacto-do-ecoturismo-a-fauna-silvestre-precisa-ser-mais-bem-investigado/
https://www.oeco.org.br/dicionario-ambiental/28936-o-que-e-ecoturismo/
https://www.otempo.com.br/economia/ecoturismo-e-aposta-para-se-reinventar-na-crise-no-periodo-pos-pandemia-1.2356415
https://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/pesquisa/article/view/6140/4500
https://saocamilo-sp.br/assets/artigo/bioethikos/155567/A05.pdf
https://www.unenvironment.org/pt-br/noticias-e-reportagens/reportagem/impacto-do-covid-19-ao-ecoturismo-atinge-vida-selvagem-e
https://www.uol.com.br/nossa/noticias/redacao/2020/07/16/com-destinos-reabertos-ecoturismo-e-a-opcao-mais-segura-para-viajar-agora.htm?cmpid= copiaecola