Como a Bioética pode ajudar na pandemia pelo COVID 19? Na perspectiva de uma médica que está na linha de frente da Atenção Primária a Saúde (APS)




Série Ensaios: Bioética Ambiental
Por Cassia Guimarães
Especialista em Pediatria e Medicina do adolescente, mestranda em Bioética


Diante da realidade de uma pandemia que afeta a todos indistintamente, podemos concluir que bem-estar seletivo não existe e que estamos todos vulneráveis. Ledo engano acharmos que uma sociedade que com imensas desigualdades, onde os modelos econômicos estimulam a competição, o consumo e o individualismo, seria capaz de garantir a sobrevivência a qualquer um de seus segmentos.
Os desafios éticos nos cuidados de saúde são inúmeros em condições normais, visto que buscam atender ao sofrimento humano.
Trabalhando com pediatria e medicina do adolescente há mais de 30 anos, pude me deparar com inúmeras situações conflituosas, onde embora o paciente seja soberano, precisamos estar preparados e prepará-lo para a tomada da melhor ou mais prudente e respeitosa decisão. Mas quando não há tempo para refletirmos? Com velocidade da difusão do coronavírus e de tantas emergências que surgem, respostas rápidas passam a ser exigidas, para as quais, apesar de tanta tecnologia e informação, não estávamos preparados.
É nesse sentido podemos lançar mão de uma ferramenta chamada Bioética (grego: bios, vida e ethos, relativo à ética). A Bioética é um campo de estudo transdisciplinar e sua aplicação prática faz a ponte entre as ciências biológicas, ciências da saúde, filosofia, e direito, entre outras, que busca encontrar as condições necessárias para uma administração responsável da vida humana, animal e do meio ambiente. Em um momento atípico com o qual a humanidade se depara, a Bioética pode e deve ajudar a estruturar a discussão em andamento das preocupações éticas, previsíveis ou não, que surgem sob situações de contingência de atendimento em situação de crise.
Muitos questionamentos têm sido levantados diante da pandemia, sendo grande parte deles de caráter ético, onde os agentes de saúde necessitam apresentar respostas na atenção prestada às pessoas em situação de sofrimento e incertezas.
Cabe aos envolvidos responder muitas perguntas:

- Como garantir o acesso ao serviço de saúde de forma justa e equitativa?
- Como proteger as populações mais vulneráveis ​​, devido a fatores como idade ou condições de saúde subjacentes? E aquelas com barreiras ao acesso à assistência médica, como por exemplo, os imigrantes ?
- Qual a responsabilidade moral do agente de saúde diante do paciente quando o foco no momento de crise se descola do indivíduo para a coletividade?
- Como minimizar danos e maximizar os benefícios para a comunidade?
- Os agentes de saúde estão preparados para essas respostas rápidas que a pandemia exige?
- Como proteger a dignidade do ser humano? O respeito as preferências individuais na condução terapêutica?
- Os ensaio clínicos? Técnicas experimentais? Medidas de compassivas?
- Quando iniciar os cuidados paliativos?
- Como garantir a segurança e a proteção a vida dos profissionais de saúde que tem por juramento defender a vida do seu paciente?
- E os direitos e o conforto as família enlutadas? E os rituais simbólicos do fim da vida?
- Decisões de caráter organizacional de serviços e alocação de recursos?
- Em um momento de sofrimento global como deve ser feita a distribuição de recursos?
- Como as relações de poder e capital influenciam os critérios distributivos?

É considerando essas e outras questões, que várias Instituições de Bioética, tem se manifestado em relação à preocupante pandemia de COVID-19. Dentre elas, por exemplo, a Rede de Bioética da América Latina e do Caribe – UNESCO e o The Hasting Center, que abordam através de produção de protocolos de orientação e diretrizes detalhadas, cujo intensão é ajudar os comitês de ética hospitalar e os serviços de consulta de ética clínica a se prepararem rapidamente para apoiar os médicos e outros agentes que cuidam de pacientes sob alto nível de tensão de atendimento e contingenciamento.
Em uma situação crítica, onde muitos adoecem ao mesmo tempo e ocorre uma mudança da prática clínica, antes centrada no paciente e agora para a assistência guiada por considerações de saúde pública, gera um grande estresse , especialmente para os médicos não acostumados a trabalhar em condições de emergência com recursos escassos. As orientações e diretrizes tem o objetivo de levantar questões práticas que os administradores e profissionais de saúde ainda não tenham considerado e apoiar a reflexão e a revisão em tempo real de políticas e processos de tomada de decisão.
Os serviços de consulta de ética clínica, consultores de ética clínica e comitês de ética devem atuar no sentido de promover a igualdade de pessoas e a equidade na distribuição de riscos e benefícios na sociedade e apoiar a prática clínica durante uma emergência de saúde pública. Nessas situações, os protocolos de triagem, por exemplo, podem ajudar a priorizar rapidamente os pacientes para diferentes níveis de atendimento, com base em suas necessidades e em sua capacidade de responder ao tratamento, devido às restrições de recursos,causando menor sofrimento e angústia aos pacientes e profissionais.
Em circunstâncias onde haja um provável sofrimento moral , a Bioética pode ser fundamental ajuda na promoção da integridade do paciente e o bem-estar da força de trabalho.
Quanto as lideranças, compete aos Estados, de acordo com a Declaração de Bioética e Direitos Humanos (UNESCO,2005), “garantir que toda a população possa contar com o necessário para garantir o acesso aos cuidados de saúde que certifiquem o bem-estar individual e coletivo”, sendo que, a falta de uma política nacional de segurança, implicam em uma violação de direitos fundamentais.
Aos líderes da assistência cabe então a função de planejar, proteger e orientar aos profissionais e à comunidade durante uma emergência de saúde pública.
E quanto ao caminho a seguir para a que humanidade venha a superar esse desafio e outros que possam surgir? Seria a solidariedade uma importante estratégia para a sobrevivência do planeta?
Várias palavras emergem nesse momento,como: ciência, prudência, cooperação, solidariedade, transparência, equidade e justiça.
Quais seriam suas as palavras para esse momento?

https://www.thehastingscenter.org/ethicalframeworkcovid19
https://www.thehastingscenter.org/guidancetoolsresourcescovid19/
https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000146180_por