Francine Milenkovich Belinetti
Médica dermatologista em Londrina formada pela UEL, residência médica na UEL. Professora do curso de medicina da PUC, Mestranda em Bioética
“Somos todos culpados de tudo e de todos perante todos, e eu mais do que os outros”. Esta é uma frase de Dostoievsky muito pertinente para essa situação de pandemia que estamos vivendo. Ela fala da irrecusável tarefa ética que temos perante os outros. Da tarefa de colocar o centro de gravidade de nossas ações fora de nós e de assumir o protagonismo do enfrentamento desta crise. Infelizmente, muitas pessoas ainda estão presas na intriga entre o seu egoísmo e a sua responsabilidade perante a sociedade como um todo.
A cada dia surgem novas estimativas negativas em relação ao impacto da pandemia do novo coronavírus. As projeções matemáticas construídas de acordo com o que sabemos sobre a doença (contagiosidade, suposta mortalidade etc.) apontam para cenários que podem chegar a milhões de mortes. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (IOT), ela poderá resultar em até 25 milhões de novos desempregados no mundo, além de trazer mais pobreza e prejuízos bilionários que afetarão o consumo globalmente.
Esses dados, muito além de escancarar a nossa interconexão com o nosso sistema ecológico, ora, tudo partiu da mutação de um vírus de outro animal para nós, também demostra a nossa conexão com todas as pessoas, além do próprio relacionamento entre saúde, doença e a conduta humana. Frente a esse cenário, é preciso aumentar a conscientização das pessoas, estimular a sua sabedoria prática que, como expôs Aristóteles, é aquele “estado racional e verdadeiro da capacidade de agir em relação ao bem humano”. A dinâmica da pandemia suprime as fronteiras do perigo. Todos, de alguma forma, serão afetados, como um castelo de cartas que desmorona.
Para Emmanuel Levinas, quanto mais as situações se expõe em precariedade, mais elas impõe obediência e obrigação perante as pessoas. Todos somos sujeitos livres, mas essa liberdade implica em responsabilidade. O eu, no exercício de sua liberdade, nunca pode desconsiderar o outro! Hans Jonas desenvolveu especialmente bem esse conceito de responsabilidade. Argumenta que ela “é algo que pertence tão indissociavelmente ao ser do homem que... há de incorporá-lo à sua definição.” Portanto, mediante o exercício de responsabilidade pelo próximo, o ser humano se enobrece e assume plenamente a sua humanidade.
Nessa perspectiva, observamos muitas pessoas estocando alimentos, buscando lucrar com a situação e tocando suas vidas normalmente, sem as devidas medidas sanitárias preventivas. São pobres almas que ainda não tiveram a sua subjetividade tocada pelo rosto das outras pessoas. Não devemos nos espelhar nelas! Mesmo que esses muitos não estejam tomando as devidas precauções para proteger o próximo, o Eu tem sempre uma responsabilidade a mais do que todos os outros. De dar o exemplo, de cuidar daqueles em que a vulnerabilidade se expressa, de propagar boas ações, como ondas na água. Onde há responsabilidade, onde há cuidado, há, enfim, humanidade.