É imoral continuar o mesmo após a pandemia do Covid-19



Por Marta L Fischer 

Docente PPGB-PUCPR 


É impossível que toda essa situação - singular para nossos dias - presenciada com a pandemia do Covid-19 não toque as pessoas de alguma forma. O impacto na sociedade foi enorme e com certeza essa onda vai deixar marcas no rumo da nossa trajetória, tal como a peste negra no século XIV com seus 200 milhões de mortos. As pessoas mais sensíveis acreditam que o está acontecendo é fruto de inconsciente coletivo que conclamava por uma desaceleração, proximidade com familiares, revisão dos valores e prioridades. Consequentemente, têm a expectativa que após a onda da pandemia passar as pessoas se conscientizarão de que é possível ter uma vida com menos. Outras pessoas acreditam que só aqueles que olham para situação com esse olhar é que de fato almejam essa mudança de vida e que deverão refletir a situação sob a sua ótica e prover essas mudanças pessoais. Embora algumas pessoas concebam o isolamento social como uma boa oportunidade de desfrutar do conforto do seu lar exercendo suas atividades profissionais remotamente, curtindo seu espaço, seus familiares e seus pets e até adotando a medida restritiva antes mesmo de uma determinação legal, um olhar mais atento para sociedade revela muitas vulnerabilidades. 
Ficar em isolamento social não é mesma coisa que ficar em quarentena, enquanto as pessoas ainda podem sair, optar por ficar em casa, pode ser muito confortável, principalmente nos dias de hoje, em que as redes sociais já tem provido esse isolamento físico. Porém, a partir do momento em que uma restrição legal de circulação é imposta, essa situação pode gerar sentimentos negativos, muitas vezes externados nas redes sociais, com expressão de ódio e confronto. Soma-se a sensação de confinamento, a angústia pela indeterminação do fim do confinamento, a ansiedade pela contabilização no aumento do número de infectados e mortos, a insegurança pela possibilidade de faltar alimentos, remédios e até entretenimento e, obviamente, o medo de ser contaminado ou do vírus trazer morte para próximo de si. 
Mas essas não são as únicas vulnerabilidades, o confinamento restringe a percepção a um espectro muito estreito, quase não se fala das populações mais pobres que moram em comunidades em casas muito pequenas com muitos habitantes, não se fala dos moradores de rua, não se fala dos pets que são abandonados, não se fala das pessoas que moram sozinhas... Ser dispensado do trabalho e passar um tempo em casa com seus rendimentos parece bom, mas quantas pessoas não terão condições de arquearem com suas contas por prestarem serviços ou produtos para essas pessoas que estão isoladas. Por outro lado, outro segmento está sobrecarregando alguns profissionais, tais como os da saúde demostram além de uma exaustão imensurável, também uma apreensão por estar tão próximos do perigo. As pessoas que trabalham em farmácias e mercados igualmente continuam sua rígida jornada de trabalho, se expõe ao risco e não desfrutam da oportunidade de refletir sobre o quanto é bom desacelerar, curtir o lar e a família, descobrir o que realmente tem valor na vida, eles estão pagando o maior preço dessa situação apocalítica. Eles e as milhares de vidas que foram interrompidas. Como é possível deixar que todo esse sofrimento e que todas essas mortes tenham sido em vão? 
O momento é de solidariedade, sim! Estamos vivenciando algo que seria improvável, o autocuidado com um intuito comunitário, prestar serviços voluntariados, ser empático com aquele que está sofrendo como eu. Será? Há pessoas que compram o estoque de produtos que todos precisam, há pessoas que aumentam o preço de produtos e serviços, há pessoas que aplicam golpes na internet, há pessoas que produzem pânico e fake News, há pessoas que promovem arrastão se passando por agende de saúde. 
As mudanças são individuais, mas o que impulsionou essa mudança foi a compressão na nossa conexão: é ilusório o bem-estar individual se o coletivo está no caos. É imoral não aprendermos algo com todas essas perdas.