Algumas ideias sobre a complexa conexão entre consumo e vulnerabilidade

Série Ensaios: Bioética Ambiental

Por Ronaldo Lobo Gonçalves
Engenheiro Civil e Mestrando em Bioética PUCPR



ONG pede que Grande SP pague por poluição do Rio Tietê no interior - Poluição no rio Tietê causada por depósitos de produtos derivados do consumo humano (veja aqui


            Nesse ensaio procuraremos mostrar algumas relações introdutórias na complexa conexão entre consumo e vulnerabilidade. O ser humano é um agente moral na complexidade das relações sociais e ambientais. Como agente ativo afeta todas as interações com outros seres humanos e com o meio ambiente. Por outro lado, o ser humano é afetado pelas ações, atitudes ou falta de atitudes de outros seres humanos, das instituições sociais constituídas pelos agrupamentos sociais, bem como pelos efeitos dos fluxos dos ciclos dinâmicos da natureza (sem intervenção humana) ou das reações da natureza às alterações nessa dinâmica natural provocadas por ações humanas.
            Os seres humanos são diferentes nos seus interesses, nas suas capacidades pessoais de assimilar, de reagir, de enfrentar, quando afetados pelas demandas de outros seres humanos e da natureza. Nesse sentido são seres vulneráveis em diferentes graus. Podemos, em geral, considerar essa vulnerabilidade em duas dimensões:

- Vulnerabilidade primária: aquela que decorre da dimensão antropológica da existência humana. A vida é frágil. O ser humano, na constituição biológica, está predisposto à perturbações diversas, orgânicas, inclusive à morte.

- Vulnerabilidade secundária: decorrente da dimensão cultural e contingências da existência humana. Onde é afetado por circunstâncias desfavoráveis, adversas, como: pobreza, falta de recursos mínimos à sua sobrevivência, falta de educação, dificuldades geográficas, doenças crônicas, e outras.

            Na complexidade dessas relações talvez se possa incluir a questão do consumo na medida em que é uma necessidade natural para suprir a sobrevivência orgânica do ser humano, bem como um produto cultural ampliado pelo desenvolvimento do comércio, da revolução industrial, conhecimento científico-tecnológico e dos meios de comunicação e propaganda.

            O ser humano é afetado pela escassez de água e alimentos (vide reportagem 2 abaixo) e essa falta de um consumo mínimo acarreta graves consequências para sua saúde e sobrevivência. Por outro lado, o excesso de consumo, sensibilizado pelo excesso de produção e indução ao consumo, também pode afetar a sua saúde, ampliar as desigualdades sociais e acarretar prejuízos à natureza, tanto pelos meios de produção que são utilizados atualmente, acarretando poluição ao meio ambiente (vide reportagem 1, como pelo uso acelerado de recursos naturais não renováveis e o desmatamento de florestas e áreas de reservas naturais para a exploração agropecuária e madeireira.

            A visão da natureza não é mais de uma fonte inesgotável de recursos e que não pode ser afetada pela ação humana, mas ao contrário, pela escala que o ser humano alcançou culturalmente, pode afetar significativamente o fluxo dinâmico da natureza. Assim, a vulnerabilidade da natureza, deve ser incluída cada vez mais nas reflexões, discussões a respeito das ações humanas sobre a vida animal, vegetal e sobre os demais integrantes da natureza como os minerais, a água, o ar.

            Como se observa no ensaio acima, as relações dos agentes morais são bidirecionais, complexas, afetam e são afetados pelo consumo, e em cada contexto, dentro do princípio da vulnerabilidade. Na figura abaixo indicamos esquematicamente as relações propostas acima:


            Eu como engenheiro e futuro bioeticista acredito que o consumo consciente é a chave para equilibrar essa ação prática humana e o princípio da vulnerabilidade. Ou seja, é possível consumir buscando a sustentação básica da vida e o conforto social. A natureza é mentora. A principal fonte de conhecimento e recursos necessários à nossa sobrevivência e bem-estar. Nós temos um dever para com a natureza e os outros seres humanos, portanto uma obrigação moral. Quanto mais compreendermos e nos conscientizarmos dessa conexão e interdependência entre o ser humano e a natureza, mais harmônica será a prática do consumo. Quanto compreendermos nosso pertencimento à humanidade, maior a nossa consciência planetária. Alcançar esse estágio, passa pela educação, não de apenas decorar dados, conceitos e definições, mas uma educação que promova a reflexão crítica e que sensibilize ao agir consciente. A bioética ambiental, nesse sentido tem uma grande contribuição a fazer.   

  O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Bioética Ambiental do programa PPGB, tendo como base nas obras:

FISCHER, Marta Luciane, SGANZERLA, Anor, CUNHA, Thiago, SANTOS, Juliana Zacarkin dos, RENK, Valquíria. Da ética ambiental à bioética ambiental: antecedentes, trajetórias e perspectivas.  Revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Rio de janeiro. V. 24. N.2, abr.-jun. 2017, p.391-409. Acesso em: 24 set 2017.

 SGANZERLA, Anor, ROSANELI, Caroline Filla, CINI, Ricardo de Amorim. Categorização dos sujeitos em condição de vulnerabilidade: uma revisão na perspectiva da bioética. Revista Iberoamericana de Bioética, nº 05, p.01-16, 2017. Acesso em: 09 nov 2017.



SGANZERLA, Anor. SCHRAMM. Fermin Roland. Fundamentos da Bioética: Série Bioética. Vol.3. Curitiba: Editora CRV, 2016

SANCHES, Mario Antonio; GUBERT, Ida Cristina (Org.). Bioética e Vulnerabilidades. Curitiba: Editora UFPR, 2012.