Por
Alexandre Szabô
Biomédico e aluno do Mestrado em Bioética
Há um
total 1 bilhão de pessoas (uma em cada seis pessoas no mundo) afetadas pelo que
a Organização
Mundial da Saúde (OMS) qualifica como enfermidades tropicais
negligenciadas. É um grupo de 17 infecções bacterianas, parasitárias e
virais que se instalam em pessoas com escassos recursos financeiros, sanitários
e médicos e as afeta a nível físico de maneira severa. Essas infecções são as
mais comuns entre as pessoas que vivem com menos de dois dólares por dia, se
estima que as Doenças Negligenciadas (DNs) causem a morte de 1 milhão de
pessoas a cada ano e forçam a muitas outras a dedicar enormes quantidades de
tempo, dinheiro e energia para manter-se com algo que se pareça com uma vida
normal e ativa. As pessoas que sofrem com as DNs infelizmente não recebem a
atenção, os recursos, a investigação e os cuidados que necessitam e entram num estado
de profunda marginalização, são vulneráveis sociais, os “desempoderados” de
acordo com Amartya Sem ou dos “excluídos e
condenados da terra” no dizer de Paulo Freire, fazem parte de uma
população tão desatendida e negligenciada como a própria enfermidade. As
doenças negligenciadas continuam sendo um índice preocupante do descaso para
com os cidadãos excluídos do sistema. Essas pessoas estão principalmente no
campo, em áreas urbanas de pobreza extrema e em regiões de conflito. Sofrem de
todo tipo de carência - água potável, escolaridade, saneamento básico, moradia
e acesso a tratamentos de saúde.
Os
avanços que a ciências biomédicas tem alcançado para melhoria da qualidade de
vida são notórios, porém enquanto uma pequena parte da população mundial tem
direito à qualidade de vida e bem estar , a grande maioria fica privada disso,
essas diferenças evidenciam ainda mais o quão desigual e contraditório a
sociedade é, pois enquanto alguns se beneficiam dos frutos do desenvolvimento
tecnológico na área médica, tem a oportunidade de ampliar suas expectativas de
vida e de ter acesso a tratamentos de última
geração
para suas enfermidades, outras vivem como se estivessem três séculos atrás,
quando epidemias por falta de saneamento básico se
alastravam e dizimavam populações, essas disparidades e inacessibilidade da
maioria da população mundial a uma existência digna revelam absoluta ausência
de ética.
Para
entendermos porque o sistema global
capitalista
gera tantas desigualdade, pessoas negligenciadas e doenças negligenciadas, é
necessário entender que poderes e privilégios pertencem a uma elite global, controladora de
99% do capital e que representam somente 1% da população mundial, essa elite
detém o capital em diversas formas, mas principalmente nos setores de
industrias, exemplo a farmacêutica e têxtil, no setor bancário, e também o
setor extrativista , esse poder está sendo usados para distorcer o sistema
econômico, aumentando ainda mais a desigualdade social. Devemos questionar a
ordem estabelecida pela sociedade, existem ideias dominantes que distorcem o
que olhos veem e escondem o que não deve ser visto, mas qual o motivo para se
distorcer a realidade? Porque em vez de estabelecer uma economia que promove
prosperidade para todos e as gerações futuras, temos uma economia que favorece
somente 1% da população mundial? Max Weber diria que os ricos querem
ter direito a riqueza e a felicidade, isso significa que aqueles que tem
privilégio e direitos a qualidade de vida, necessitam ser legitimado e aceito
por aqueles que foram excluídos de todos os privilégios, mesmo que para
defender a ordem estabelecida seja necessário a expropriação de seus corpos e
suas vidas. Em 1970 a classe dominante o 1 % mais rico detinha 50% da riqueza
mundial, enquanto que as classes populares 50% mais pobres ficavam com meros 5%
do capital mundial. Em 2015 o banco Credit Suisse publicou
o relatório Global Wealth Report (Relatório da Riqueza Global) e o 1% mais rico
da população mundial acumula mais riqueza atualmente que o resto do mundo
junto, 62 indivíduos detinham a mesma riqueza que 3,6 bilhões de pessoas, essas
62 pessoas tiveram um aumento de 45% desde de 2010 o que represente um aumento
de mais de meio trilhão de dólares, de 542 bilhões de US$ para 1,76 trilhões de
US$, do outro lada da balança os 50% mais pobres da população mundial
obviamente tiveram uma queda nesse mesmo período de 38% um pouco mais de 1 trilhão
de US$, é simples assim, em cinco anos subtraiu 38% dos mais pobres para
aumentar a fortuna dos mais ricos. Ao analisar a fatia dos 50% mais pobres e desse
grupo separar os 10 % que tem o menor rendimento médio anual chegaremos ao
alarmante aumente de menos de US$ 3 em quase 25 anos. Essa crescente
desigualdade econômica é ruim para todos nós, afetando de forma direta a coesão
e o crescimento, e se torna mais crítico para os 50% mais pobres da população
mundial.
É
inegável que os beneficiários da economia mundial são os que estão no topo do
sistema econômico, a política é manipulada e corrompida para garantir que o
dinheiro se mantenha nessa posição, essa garantia se mantém através de
articulações políticas, gestores, controle governamental e paraísos fiscais,
mantendo toda essa riqueza longe dos excluídos. A tendência de gerar esse
abismo entre o 1% mais rico e os 50% mais pobres tem como base alguns fatores
como a diminuição da parcela de renda dos trabalhadores, ou seja, os
trabalhadores estão ficando com uma parcela cada vez menor dos ganhos
resultantes do crescimento econômico, enquanto que as elites globais viram sua
fortuna crescer vigorosamente a uma taxa muito maior que o crescimento da
economia.
Outro
fator importante foi que nas últimas décadas aumentou consideravelmente a rede
de paraísos fiscais e as indústrias de evasão
fiscal,
o que demostra claramente um sistema econômico manipulado para favorecer os
donos do capital. Através da visão fundamentalista de especialistas do mercado
é possível legitimar de forma espúria a necessidade de baixar ou burlar a tributação
de indivíduos e empresas multimilionárias para estimular o crescimento
econômico, quando na verdade são os que deveriam pagar mais impostos. A
consequência desse sistema desonesto traz sérios problemas e cortes ao serviço
público essencial, pois, os impostos não são pagos em decorrência de uma evasão
fiscal generalizada. O governo sofre a pressão de ficar dependente de tributos
indiretos, como o imposto sobre o valor agregado, recaindo sobre a população
que mais precisa. A Oxfam analisou as 200
maiores empresas do mundo, e verificou que a cada 10 empresas 9 estão com
capital em paraíso fiscal. Toda essa arquitetura capitalista drena a qualidade
de vida da população pobre, os países ficam sem recursos para combater a
pobreza, colocar e manter as crianças na escola e impedir que seus cidadãos
faleçam em decorrência de doenças negligenciadas. Na África 30% da riqueza,
cerca de US$ 500 bilhões são mantidos em offshore (paraíso fiscais), isso
representa uma perda de 14 bilhões por ano em receita fiscais. Esses valores
seriam suficientes para oferecer serviço de saúde para salvar a vida de 4
milhões de crianças e empregar professores o suficiente para manter todas as
crianças africanas nas escolas.
Eu como biomédico e futuro bioeticista acredito que a Bioética de Intervenção
ou Bioética Dura de acordo com Volnei Garrafa deve sustentar em qual direção as lutas
sociais devem seguir para assegurar a tomada de consciência e libertação dos
excluídos das forças que os oprimem, a bioética deve reforçar o lado mais
frágil, a falta do conhecimento serve aos interesses dos que lucram com o
sistema desigual, utilizando o dinheiro na vida social para comprar
reconhecimento e legitimar privilégios, já que a alienação evita possíveis
mudanças, existem possibilidades de reduzirmos essa abismo que gera a
desigualdade social, é necessário uma cooperação global e assim poderemos
combater paraísos fiscais corporativos e regimes fiscais nocivos e
improdutivos, aumentar a transparência fiscal e reanalisar o acordo sobre
Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio
(TRIPS, na sua sigla em inglês).
O
presente ensaio foi elaborado para disciplina Bioética e Biologia tendo como
apoio as obras:
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