Por THAÍS TULESKI
Bióloga e discente do curso de
especialização em Conservação da Natureza e Educação Ambiental
A
revista Superinteressante publicou em abril de 2016 a nova onda do universo
pet, os foodtrucks
especializados em lanches para os animais de estimação. Agora, os tutores que
levarem seus pets para passear nos parque de Seattle e Chicago (EUA) podem parar
e desfrutar de um lanche elaborado especialmente para seus bichinhos.
Em 2013, o IBGE incluiu, pela primeira vez, perguntas sobre os animais
domésticos na Pesquisa Nacional de Saúde. Os resultados dessa pesquisa revelaram
que há 52 milhões de cães e 22 milhões de gatos nos lares brasileiros. Esses
valores aumentaram no decorrer dos anos e, consequentemente, aqueceram o mercado
de produtos voltados aos pets. De acordo com dados das indústrias de produtos veterinários, houve um crescimento significativo em 2015,
com relação ao ano de 2014, na procura de produtos para os animais de
estimação. Nem mesmo a crise em que o país se encontra interferiu nesse
aumento. Há dois fatores que explicam esse crescimento: a elevada população de
animais de estimação nos lares e os avanços da vida moderna com novas
tendências demográficas que favorecem os animais assumirem o status de
“filhos”. Atualmente, os animais de companhia são reconhecidos como membros
significativos do núcleo familiar.
De acordo com Leonardo Brandão, médico veterinário e coordenador do Info
Pet da Comac (Comissão de Animais de Companhia), boa parte dos tutores de animais estão
mais preocupados em cuidar da beleza e da estética de seus pets do que com a
manutenção da saúde deles. Em entrevista para a revista do Conselho Regional de
Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (2015, p. 10), a médica veterinária
Mitika Hagiwara relatou que quando iniciou sua
carreira, a 50 anos atrás, os cães eram considerados como animais de guarda e
eram mantidos no quintal. Já os gatos entravam em casa e muitos deles ficavam
soltos, andando livremente até mesmo pela vizinhança. Hoje em dia, segundo
Hagiwara, os tutores mudaram seu comportamento diante dos animais de companhia,
a humanização deles veio junto com as alterações das relações familiares como
um todo.
A prova desta mudança na configuração
das famílias ficou visível na pesquisa feita pelo IBGE, também em 2013,
indicando que a população de cães e gatos nos lares brasileiros esta maior que
a de crianças de até 14 anos.
Renata Cortez, mestranda em antropologia na Universidade
de São Paulo (USP),
estuda a relação entre o homem e animais desde 2012. Em seu estudo com tutores
de animais que frequentam pet shop Cortez (2015, p. 13) constatou que “o que é
muito evidente na pesquisa de campo é o afeto dos donos por seus animais. Quem
deixa o animal dentro de casa, dividindo o espaço e a alimentação com a
família, considera que o animal tem moral, personalidade e inteligência.” Este
modo de ver os animais de companhia resulta em melhor comida, cuidados com a
higiene e em altas doses de carinho.
Para Karime Cury Scarpell, presidente da Comissão de Bem-Estar
Animal do CRMV-SP (Conselho Regional de Medicina
Veterinária do Estado de São Paulo),
esse modo de ver os animais já esta fundamentado. Através do olfato aguçado,
cães e gatos conseguem diferenciar os cheiros que exalamos em situações de
medo, ansiedade e estresse. Além disso, são capazes de identificar quando
estamos tristes por meio de nossa postura corporal, mostrando, neste momento,
sua amizade e fidelidade, que é real e não uma mera projeção humana.
Ao longo de sua carreira, Mitika
Hagiwara acompanhou de perto a transição dos animais dos quintais para dentro
das residências. Na opinião de Hagiwara (2015, p. 15) essa mudança de
comportamento das pessoas com relação aos animais de companhia se deve à
reestruturação das famílias. Toda a atenção e cuidado que antes era dado a um
filho, atualmente os casais sem filhos transferem para os animais. O que muitas
pessoas alegam é que um cachorro, por exemplo, não reclama, não briga, não pede
mesada e não faz malcriação. Nem mesmo o fato de arranhar ou morder uma mobília
é considerado algo muito grave. Idosos, casais sem filhos e solitários estão
transferindo seu afeto e atenção para os pets. A “justificativa” para isso é a
de que o animal será um eterno dependente, ao contrário de um filho que, quando
adulto, pode ir embora. A humanização dos cães e gatos esta ligada a mudanças
sociais.
Para o médico-veterinário e psicólogo da PUCSP (Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo) Mauro Lantzman
(2015, p. 15) o amor de pai/mãe para filho que alguns tutores têm com seus
animais tem um vinculo diferente. Isso se deve ao fato de que não há uma
palavra que demonstre o sentimento real que as pessoas têm com relação aos seus
pets. De acordo com Lantzman (2015, p. 15) as pessoas não tratam os animais
como se eles fossem humanos, elas tratam como sabem tratar outro ser vivo. Como
a nossa referência é o ser humano, é dessa maneira que nos relacionamos com os
demais seres vivos, como indivíduos totalmente dependentes de cuidado e
atenção.
Nosso estilo de vida atribulado somado ao crescimento das cidades (mais
edifícios, menos casas com áreas verdes) resulta em relacionamentos
deficitários entre as pessoas trazendo os animais cada vez mais próximos do ser
humano. Entretanto, nossos hábitos e
comportamentos, sejam eles positivos ou negativos, estão interferindo na saúde
e bem-estar dos animais de companhia. Antigamente os problemas mais comuns
entre os pets eram doenças por parasita ou infecções,
problemas com deficiência nutricional, uma vez que se alimentavam do que
sobrava dos humanos e traumas por atropelamento. Hoje os animais estão ficando
cada vez mais parecidos conosco, inclusive física e psicologicamente. Houve um
aumento de cães e gatos com obesidade, pois com o
desenvolvimento das rações a alimentação deles ficou balanceada, entretanto os
animais não gastam tudo o que comem, devido a restrição de espaço físico das
residências. Além dos altos números de casos de diabetes, crise de ansiedade e depressão entre
os animais de companhia.
De acordo com Vânia de Fátima Plaza Nunes, presidente da Comissão de
Médicos-Veterinários de ONG’s do CRMV-SP, bem-estar animal é uma ciência e não
uma forma de agir. Promover o bem-estar é entender o animal bem como suas
necessidades para sobreviver, isto a partir do ponto de vista do animal.
Eu como bióloga acredito que, com o
passar do tempo e com o modelo de vida adotado pelo homem, nós deixamos de nos
relacionar com outras pessoas. Hoje vivemos em um mundo onde tudo é virtual ou
mecânico, inclusive os relacionamentos (observar a infinidade de sites de
relacionamentos, chats, aplicativos de celular e entre outros para esta
finalidade). Isso abriu caminho para um aumento do número de animais de
companhia nos lares do mundo todo. Todas as nossas angustias, frustações,
alegrias, tristezas, afeto e atenção são direcionados aos animais. Contudo, o
que não estamos querendo enxergar é o quão prejudicial esse modo de viver e
agir esta afetando não só o homem como os animais. É preciso rever nossa forma
de agir com os animais, entender que muitas vezes o que nós consideramos ser a
melhor escolha, não quer dizer que seja boa para nossos pets. Entender suas
necessidades e respeitá-las é fundamental para a continuidade da relação
estabelecida entre o homem e o animal. Adquirir novos hábitos é essencial para
o bem-estar de ambos (homem e demais animais). Acredito que reestabelecer
nossas relações sociais bem como respeitar as reais necessidades dos nossos
pets é o primeiro passo para o bem-estar animal.
Este ensaio foi elaborado para a disciplina de
Ética no Uso de Animais e Bem-Estar Animal tendo como base as obras:
FISCHER, M. L; TAMIOSO, P. R. Bioética ambiental: concepção de estudantes universitários sobre o uso de animais para consumo, trabalho, entretenimento e companhia. Ciência & Educação, Bauru, v. 22, n. 1, p. 163-182, 2016. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/1516-731320160010011
PASTORI, É. O. Perto e longe do coração selvagem: um estudo antropológico sobre animais de estimação em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 2012, 107 . Dissertação (pós-graduação) Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, 2012.
PESQUISA NACIONAL DE SAÚDE 2013: acesso e utilização dos serviços de saúde, acidentes e violências : Brasil, grandes regiões e unidades da federação. Rio de Janeiro : IBGE, 2015. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv94074.pdf> Acesso em: 08/08/2016.
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