Série Ensaios:
Sociobiologia
Por Thiago Faria dos Santos.
Acadêmico do curso de Bacharelado
em Biologia da PUCPR.
No dia 27 de julho de
2014, a russa Karina
Chikitova de apenas 3 anos se perdeu com seu cachorro no interior de
uma floresta siberiana, após 9 dias o cachorro retorna para a casa e guia o
resgate até o encontro da menina. O cão a manteve viva por mais de uma semana,
esquentando seu corpo nas noites frias da Sibéria, e também posteriormente foi
o responsável pelo seu resgate.
O
caso descrito acima, apresentado pelo portal globo.com, aparentemente demonstra apenas o
amor puro do cão pelo seu dono, mas na verdade esconde algo mais profundo e
complexo. Os cães, que vivem em matilhas, possuem uma estrutura social
semelhante a nossa e tendem ao apego de um indivíduo pelo outro para auxiliarem
em sua sobrevivência.
O
apego começa em estímulos que se espalham através das vias metabólicas a nível
bioquímico. Atualmente sabemos que o contato íntimo, “pele-a-pele”, libera uma
quantidade de hormônios chamados de ocitocina, responsáveis pela sensação de
bem-estar, diminuição de dor e quebra do stress que o toque no parceiro
proporciona. A ocitocina também é responsável pelas conexões emocionais que
possuímos com os animais de estimação, já que o vínculo que criamos com eles
está relacionado à liberação deste hormônio e aos receptores que se localizam
na área de recompensa do cérebro (tegmental ventral e núcleo
acumbente), locais estimulados por situações positivas que acontecem ou estão
para acontecer. Por isso nos sentimos bem ao estarmos próximos a nossos animais,
e temos a necessidade de sempre retornarmos a eles.
O
comportamento de apego está associado - em termos
evolutivos – à proteção contra predadores, obtenção de alimentos, calor nas
noites frias, facilidade para encontrar parceiros reprodutivos, e outros
fatores que dão vantagem adaptativa para a sobrevivência de uma espécie em
relação ao seu meio.
O
homem e o cão,
apesar de espécies diferentes, há milhares de anos possuem uma relação interespecífica vantajosa. O homem primitivo
proporcionava alimento abundante ao ancestral do cão, que ficava ao redor das
sociedades humanas servindo como protetor contra possíveis predadores. Aos
poucos o indivíduo que se tornava mais dócil, recebia alimentos em maior
quantidade, e muitas vezes era inserido na estrutura familiar dos grupos
humanos, recebendo cuidados e sendo tratado como membro da família. Esta
relação deu vantagem adaptativa para ambas as espécies do ponto de vista evolutivo
(proteção e alimentação).
Atualmente
chamamos este processo que ocorreu com o cão de domesticação, que consiste na seleção para
sobrevivência de uma espécie em função de sua utilidade nas atividades humanas.
Podemos afirmar, portanto, que o altruísmo que ocorre entre estes dois grupos
distintos de mamíferos é na verdade uma ferramenta poderosa de sobrevivência
destas espécies.
Auguste Comte, filósofo criador do Positivismo -
linha de pensamento que acredita que a sociedade e o indivíduo devem
desenvolver-se conforme critérios das ciências exatas e biológicas - foi o pai
do termo “altruísmo”, o designando como o grupo de
disposições humanas, que inclinam os seres humanos a se dedicarem aos outros,
de maneira individual ou coletiva. Porém Comte nunca avaliou como o altruísmo acontece
em outros grupos de animais, e só recentemente estudos são capazes de demonstrar
que ele também ocorre.
Frans de Waal do Yerkes National Primate
Research Center
descobriu que os chipanzés fêmeas optam por ganhar recompensas junto ao
companheiro quando é viável, demonstrando altruísmo ao invés do egoísmo, amor excessivo e não moderado que
uma pessoa sente por ela mesma, que a leva olhar exclusivamente apenas para si.
Outro exemplo de altruísmo animal é a reprodução cooperativa em aves, observado
pela primeira vez pelo naturalista Alexander Skutch na década de 1930. Ao
estudar as aves de seu jardim na Costa Rica, percebeu que um ou mais indivíduos
de um mesmo grupo que não eram os pais, tomavam partido no cuidado parental. Isto
gerou o chamado “paradoxo do altruísmo”, comumente usado em trabalhos que
tentaram refutar a teoria da evolução de Darwin, já que os indivíduos que
cuidam de filhos que não os pertencem não se beneficiam desta relação, por não
levarem vantagens ao deixar descendentes férteis de outros pais. Porém
atualmente com as ferramentas de análise molecular, sabe-se que os ajudantes
possuem certo grau de parentesco com os ajudados, obtendo vantagens indiretas
do ponto de vista genético, ao perpetuarem genes semelhantes aos seus para as
próximas gerações (Carrara, L. 2002).
O
altruísmo quando exagerado também pode se tornar prejudicial. O “colecionismo animal” pode muitas vezes se tornar um
“Transtorno Obsessivo Compulsivo”, em que o indivíduo adquire a necessidade de
constantemente aumentar o número de animais em sua coleção. Isto é extremamente
danoso a saúde, tanto do dono quanto dos animais. Muitas vezes os “pets” não
recebem cuidados adequados dos donos, ficando sem alimentação correta ou sendo
aglomerados em espaços inadequados. Esses animais acabam ficando doentes,
muitas vezes acarretando em óbito. Outro risco é o da saúde do dono, que muitas
vezes troca a vida social pela necessidade de estar constantemente com seus
animais de estimação.
Eu
como formando em biologia entendo o altruísmo como uma ferramenta evolutiva,
utilizada por diversas espécies com características de vida em sociedade, de
maneira intra ou interespecífica, como uma forma de aumentar suas chances de
sobrevivência em relação às adversidades impostas pelo meio. Porém com o desvio
do padrão de comportamento natural do ser humano, imposto pela modernidade;
urbanismo; capitalismo como sistema de produção, que tornando o indivíduo
apenas uma ferramenta para a sobrevivência da máquina econômica, o inibe da
possibilidade de uma vida social saudável e de relação harmônica entre homem e
natureza, acarretando que a vida urbana possa transformar o altruísmo em um interespecifismo
negativo, levando ao óbito ou degradação na relação da sobrevivência harmônica
do homem com outros animais.
O presente ensaio foi elaborado
para a disciplina de Etologia II baseando-se nas seguintes obras:
Carrana,
L. 2002. A Sociedade das Aves e o
Paradoxo do Altruísmo. Departamento de Zoologia da Universidade Federal.
Belo Horizonte. Minas Gerais. Univerciência.Pg 12.
Ferrari.
Márcio. Pedagogia, Auguste Comte.
Disponível em: http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/auguste-comte-307040.shtml.
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Rosângela. Sobre o Individualismo, o
egoísmo e o altruísmo.disponível em:
http://caminhoscomplementares.blogspot.com.br/2012/03/sobre-o-individualismo-o-egoismo-e-o.html.
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Saúde. Estudo revela que chipanzés são
animais altruístas. Disponível em: http://saude.estadao.com.br/noticias/geral,estudo-revela-que-chimpanzes-sao-animais-altruistas,755993.
Acesso em: 8 de setembro de 2015.
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http://conceito.de/egoismo. Acesso em: 9 de setembro de 2015.
Agenda pet. Disponível em: http://www.agendapet.com.br/2012/12/acumuladores-de-animais-altruismo-ou-doenca-.html.
Acesso em: 10 de setembro de 2015.
G1.
Cachorro salva menina que ficou 11 dias
perdida em floresta na Sibéria. Disponível em: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/08/cachorro-salva-menina-que-ficou-11-dias-perdida-em-floresta-na-siberia.html. Acesso em: 15 de
setembro de 2015.
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M. Vida em matilha, digo família.
Disponível em: http://www.pet.vet.br/social.html. Acesso em: 15 de
setembro de 2015.
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Domesticação. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Domestica%C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 15 de
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ARAGUAIA, Mariana. Relações interespecíficas. Brasil Escola. Disponível em
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15 de setembro de 2015.
Ocitocina-A
verdadeira droga do amor. Disponível em: http://www.farmapotheka.com.br/noticias/ocitocina_a_verdadeira_droga_do_amor_4e2d. Acesso em: 15 de
setembro de 2015.
Hennemann, A.L. Sistema de Recompensa. Disponível em: http://neuropsicopedagogianasaladeaula.blogspot.com.br/2013/04/sistema-de-recompensa.html.
Acesso em: 15 de setembro de 2015.
Nossa muito bom o conteúdo, aprendi muita coisa ae, mesmo não tendo formação as vezes suficiente para entender.
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