domingo, 21 de junho de 2015

Senciência de Plantas como parâmetro moral para Éticas Biocêntricas

Série Ensaios: Ética Animal


por Bianca Kalinowski Canestraro
Acadêmica do Curso de Especialização em Conservação da Natureza e Educação Ambiental

           
Quem já não brincou com uma dormideira (Mimosa sensitiva) só para ver a planta recolher seus folíolos como uma resposta automática ao toque? Mas alguém já suspeitou de que a resposta talvez não seja tão automática assim? Será que planta pode distinguir um predador real de um estímulo inofensivo? E quanto a memorizar a ação da ameaça e responder diferentemente a cada estímulo? Este ensaio pretende sensibilizar e gerar reflexão no leitor sobre um tema bastante curioso: a senciência de plantas.
Notavelmente as plantas reagem a diversos estímulos físicos e biológicos de forma incrível. É possível citar alguns exemplos como a sincronização da fenologia às estações do ano; a diversificação das síndromes de dispersão de propágulos e de polinização; o movimento das plantas em direção à luz; o mimetismo com animais como estratégia reprodutiva ou contra a predação e o desenvolvimento de estruturas de proteção como espinhos, látex e toxicidade; a adaptação extrema de plantas de solos pobres a nutrição através de insetos, protozoários ou qualquer outro animal que fique preso nas armadilhas de plantas “carnívoras” entre outros. Mas vamos voltar à pergunta inicial: plantas tem sentimentos? A primeira impressão esta pergunta soa estranha ou por vezes ilógica para a maioria das pessoas. Contudo, nas últimas cinco décadas estudos vem apresentando resultados positivos a este questionamento.
         
   Tudo começou com um experimento curioso de Cleve Brackster ligando uma dracena a um galvanômetro. Ele registrou que a planta reagiu a ameaças imaginárias como a ideia de Cleve incendiar uma folha e a ameaças reais como o fogo, o corte de uma folha ou a morte. Obviamente, Cleve ficou intrigado com a possibilidade da planta demonstrar medo e detectar ameaças imaginárias. Outro experimento separou fisicamente em duas salas uma dracena ligada a um galvanômetro de um dispositivo contendo camarões vivos e, em baixo deles, água fervendo. Estando o experimento gravado e sincronizado e o Cleve distante do laboratório, em um determinado momento o recipiente dos camarões foi derramado na água fervente. Subitamente a reação da planta foi intensa e chocante, como se houvesse uma ligação entre ela e os crustáceos, que sofreram até a morte. A mesma reação foi relatada quando Cleve comeu iogurte natural com lactobacilos, jogou água quente no ralo matando bactérias. Cleve chamou esta fantástica ligação entre seres de variados grupos evolutivos de “harmonia fundamental entre seres vivos”. Como essa ligação entre seres vivos de diferentes grupos biológicos é possível?
            As Plantas são capazes também de soar um alarme quando ela ou suas vizinhas estão em perigo. Um estudo usou o som de uma lagarta devorando as folhas de uma planta para testar a reação de outra. O resultado foi positivo, a planta foi sensível ao som, assim como diversos processos de morte celular vegetal, humana, animal ou protista. Além disto as plantas apresentam uma ligação emocional e uma percepção mental com seus donos, podendo até ler suas intenções e emoções.
            Um estudo da Universidade de Bonn na Alemanha utilizou um microfone a laser para detectar a liberação do gás etileno pela planta sob estresse. Quando uma planta foi danificada, ela liberou etileno por toda sua superfície, este sinal foi emitido em forma de ondas e captado pelo microfone. A reação foi comparada a um choro. Em geral, quanto maior o estresse, maior o sinal captado pelo dispositivo. Em comunidade, esse gás é uma forma de comunicação com demais plantas. Logo, plantas apresentam vida social e se comunicam através de sinais de alerta, alegria e outras emoções.
      
      Plantas também podem aprender e memorizar. A Mimosa pudica, a sensitiva, foi perturbada diversas vezes com o gotejamento sincronizado de água. No início a planta fechava seus folíolos em resposta a ameaça, mas depois de aprender que o estímulo não era prejudicial, parou de responder às gotas. No entanto isso não foi capaz de deixá-la sem reação aos demais estímulos, pois o pesquisador a sacudiu e ela voltou a se encolher. Um outro experimento muito curioso de Cleve Brackster revolucionou a ciência dos anos 60 e 70. Dentre cinco candidatos ele sorteou apenas um para matar uma dracena. Do lado desta havia outro indivíduo ligado ao galvanômetro. Depois do assassinato, os candidatos passaram em frente à testemunha e ela apontou firmemente qual deles foi o culpado. Isso prova que plantas são inteligentes e capazes de sentir, ouvir,comunicar-se com outros seres, aprender, lembrar e reagir!
Partindo deste princípio, as plantas são seres sencientes, ou seja, são capazes de expressar sensações ou impressões do meio. Elas apresentam percepções primárias que são capazes de sentir e responder a emoções e pensamentos humanos. As plantas são também conscientes, elas sabem o seu lugar no espaço e reagem tanto a ameaças, estímulos positivos quanto a barreiras físicas. A inteligência, dentre seus diversos aspectos, contempla a capacidade de resolução de problemas. Plantas conseguem sentir barreiras mecânicas no solo antes mesmo de suas raízes tocá-las e são capazes de desviar do obstáculo. Assim, não há dúvidas que plantas são seres inteligentes, diferentemente de animais mais derivados, porém em nível mais simples e semelhante a animais mais basais. As correntes éticas biocêntricas pregam o respeito a seres vivos pelo simples fato de serem seres vivos e terem o direito de viverem no mesmo planeta que nós. Então porque não respeitar as plantas também?
            Mas o que o código ético diz respeito à senciência de plantas?! O código é baseado em seres que sentem dor física e mental. Inicialmente apenas mamíferos derivados e humanos estavam incluídos no código, contudo, pesquisas mostraram que invertebrados como crustáceos, insetos e moluscos também são capazes de sentir dor. Mas e quanto aos vegetais? Sabemos que eles são sensíveis a estímulos ambientais e de diversas formas de vida, mas existe fundamentação moral e ética para defendê-los? Até que ponto estamos certos em manipular indiscriminadamente as plantas para o cultivo intensivo, para fins de pesquisa, para a indústria farmacêutica e para a supressão vegetal em larga escala em virtude de um grande empreendimento? Há interesse em criar medidas para reduzir a dor dos vegetais semelhante ao abate humanitário de bovinos?
Como Bióloga e Botânica, eu acredito que dificilmente esse tema é discutido em comitês de ética, pois para pesquisas científicas apenas os animais e humanos são alvo de reflexão. Porque não refletir na dor e senciência vegetal? Porque não expandir os horizontes da bioética para TODOS os seres vivos? Incluo aí desde bactérias, protozoários, algas (grupo polifilético), até animais basais e derivados e, claro, as plantas. Afinal, na história evolutiva, nós somos os recém-chegados, os calouros. Ainda temos muito a aprender sobre suas complexas relações intraespecíficas.
O presente ensaio foi elaborado para a disciplina de Ética no uso de animais e bem estar animal do curso de especialização em Conservação da Natureza e Educação Ambiental da PUCPR, tendo como base as obras:

Experimento de CleveBrackster com a dracena e camarões
Pesquisa da Universidade da Alemanha sobre uso de microfone a laser para captar gás etileno exalado pelas plantas em estresse.
CleveBrackster e a senciência de plantas, bactérias, lactobacilos e leucócitos isolados do corpo humano.
Cleve Brackster e Discovery Science.
Vídeos do Smithsonian sobre senciência e demais temas vegetais.

Matéria da veja sobre senciência das plantas.

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