quarta-feira, 15 de abril de 2015

Etologia e Ética... rumos futuros



Série Ensaios:  Aplicação da Etologia

 Por Aline Cristine Cavichia, Aline de Andrade Batista, Amanda Deconto Mileo




       
     Quem não se lembra do escândalo ocorrido há quase dois anos com um laboratório de pesquisa do Instituto Royal de São Roque? Após denuncia anônima, um grupo de ativistas foi salvar os cães da raça beagle que estavam sendo mal tratados. Apesar de o Instituto afirmar que realizava todos os testes com animais dentro das normas e exigências da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), vários animais foram encontrados em modo degradante e ate mesmo mortos congelados e cerca de 200 animais foram resgatados.
                Segundo a definição clássica, experimentação animal é qualquer prática que faz uso de animais não humanos para fins didáticos e/ou científicos (pesquisa), abrangendo a dissecação e a vivissecção. A utilização de animais na experimentação já vem datada desde os séculos XVII e XVIII. René Descartes descartava a possibilidade de que os animais eram seres conscientes, mas sim máquinas naturais. A partir dessa linha de pensamento, começaram a utilizar práticas como a vivissecção e a realização de experimentos cruéis com animais. Voltaire discordava dos pensamentos de Descartes, pois acreditava que os animais eram sencientes. Kant defendia o antropocentrismo débil, onde o homem tinha obrigações para com os animais. Jeremy Bentham defendia a igualdade de condições a todos os seres sensíveis em virtude de sua capacidade de sofrimento. Após a Revolução Intelectual, Iluminista, dos séculos XVII e XVIII veio a Revolução Industrial dos séculos XIX e XX, que possibilitou o desenvolvimento da ciência e da técnica. No século XX, surgiram correntes filosóficas em defesa da causa animal. Peter Singer (corrente utilitarista) fundou a filosofia com as preocupações éticas atuais em relação aos animais. Já o filósofo americano Tom Regan (corrente deontologista) um expoente na questão dos direitos dos animais. Ambos defendiam que as espécies sensíveis possuem status moral, que as diferenças entre animais e humanos não justificam a forma como são tratados e por isso os costumes devem ser reformulados.
Atualmente, as pesquisas em animais têm como propósitos a pesquisa como meio, aquela envolvendo o uso de modelos animais para a geração de conhecimento que seja transponível aos seres humanos, caso das pesquisas nas fases pré-clínicas ou básicas, ou, ainda a pesquisa como fim, na qual é estudado o animal e suas características. Hoje em dia existe uma necessidade global da redução do uso de animais na experimentação. A obra “The Principles of Humane Experimental Tecnique”, publicada em 1959 pelo zoólogo William Russell e o microbiologista Rex Burch estabelece princípios conhecidos como o princípio dos “3Rs”, “Reduce”, “Replace” e “Refine”. “Reduce” (redução) determina o mínimo de utilização de animais em um experimento. “Refine” (refinamento) orienta para a o emprego de métodos adequados de analgesia, sedação e eutanásia. “Replace” (substituição) orienta para ao uso de métodos alternativos, sempre que possível. Estamos ainda longe de atingir os 3 Rs. As farmacopéias estão cheias de anomalias sobre o uso de animais empregados em testes. Richomond (2002) alega que os estudos com animais devem ser conduzidos somente quando: 1) o objetivo é de importância justificável; 2) não existem métodos alternativos válidos; 3) todas as estratégias relevantes de redução e refinamento já foram identificadas e implementadas; 4) o desenho e a condução do estudo minimizem o prejuízo causado ao bem estar animal, não somente com relação ao número de animais utilizados, mas também em relação à dor e ao sofrimento causado e 5) exista benefício científico máximo.      Os países da União Europeia já não fazem testes de experimentação cosmética e produtos de higiene pessoal em animais desde 2009. No Brasil, o estado pioneiro nessa atitude foi São Paulo, quando em janeiro de 2014, Geraldo Alckmin sancionou a lei que proíbe o uso de animais para esta finalidade. Hoje em dia métodos alternativos estão sendo cada vez mais buscados, como vídeos demonstrativos e programas de computador, produtos e modelos sintéticos: do sistema circulatório, ósseo, do globo ocular e das diferentes partes do corpo dos animais para prática de punções venosas e cirurgias. Os testes convencionais podem ser substituídos por organismos desenvolvidos in vitro, como por exemplo, a pele artificial desenvolvida pela equipe da professora Silvya Stuchi na USP em 2009, onde podem substituir a utilização de animais em testes de produtos cosméticos. Nas instalações das empresas do Grupo Boticário, todas as atividades são monitoradas regularmente com o propósito de diminuir ou eliminar desperdícios e impactos ambientais. As empresas também não realizam testes em animais, por integrar a sustentabilidade em sua estratégia de negócio.
           
  Qualquer alteração nos procedimentos ou protocolos experimentais para minimizar a dor e o estresse deve ser considerada para aumentar o bem estar animal, como por exemplo, o uso de analgésicos e de agulhas hipodérmicas de calibre apropriado ao tamanho do animal e a realização da contenção física adequada. Outra forma de contribuição para o aumento do bem-estar é a utilização de enriquecimento ambiental, que consiste na exposição de animais a ambientes ricos em estimulação sensorial (Hessler, J.R, Chamove, A.S, Zimmermann, A et al.). Por exemplo, ratos e camundongos têm hábitos noturnos, porém no laboratório eles passam o dia expostos à luz sem condições de proteger-se. Qualquer modificação que altere de forma benéfica o ambiente ou a rotina do animal pode ser considerada um enriquecimento ambiental. O conhecimento da biologia, fisiologia, comportamento e necessidades das espécies fazem com que saibamos como tratá-los de forma correta e que tenhamos atitudes de respeito para com os animais, diminuindo o estresse causado por um manejo inadequado e proporcionando-lhes maior bem-estar (Riveira, E.A.B, 2006). Etologia não é uma teoria, mas sim uma abordagem ao estudo do comportamento que se caracteriza por determinado enfoque ou perspectiva, como qualquer área de trabalho cientifico, utiliza modelos e conceitos teóricos para a interpretação de seus fenômenos. Em sua perspectiva, a compreensão do comportamento não se limita na compreensão de sua ocorrência no indivíduo, mas envolve o conhecimento de seu significado funcional e de sua história evolutiva.
Existem alguns recursos alternativos simuladores na área de farmacologia:
LAL (Limulus Amoebocyte Lysate) – capaz de substituir o ensaio de pirogênio em coelhos. O método é baseado na reação entre a endotoxina e o substrado de LAL. Dependendo do método utilizado, quando a endotoxina está presente ocorre coagulação (método gel-clot) ou liberação de cor (método cromogênico).
HET-CAM (Membana cório-alantóide de embrião de galinha) – método capaz de substituir o método de irritação ocular e de mucosas Os vasos da membrana cório-alantóide apresentam reações às substâncias irritantes.
Citotoxicidade – compreende técnicas que usam parâmetros de morte ou alterações fisiológicas de diferentes linhagens celulares. 
Pele reconstituída – utiliza fragmentos de pele humana com os quais podem ser utilizados em estudos para observar alterações histológicas e de liberação de mediadores inflamatórios
Nós como formandas em Biologia acreditamos que a substituição de animais em nosso país, além da ética, também é questão legal. A lei federal 9.605/98 prevê penalidades (três meses a um ano de prisão, além de multa) para o uso de animais em experimentos que envolvam dor, sempre que houver métodos alternativos. Além disso, a objeção de consciência, assegurada pela Constituição, pode ser utilizada para garantir os direitos individuais dos alunos que se negam a assistir ou participar de aulas que utilizam animais. A utilização dos animais nas investigações científicas deve ser vista sob três aspectos: científico, ético e legal. Se o pesquisador mantiver a sua atividade equilibrada nesse tripé, terá maiores chances de progredir sem comprometer o seu trabalho e o seu nome.

O presente ensaio foi realizado para a disciplina de Etologia 1, tendo como base as seguintes obras:

ANDRADE, A., PINTO, SC., OLIVEIRA, RS. (2002). Animais de Laboratório: criação e experimentação. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ. 388 p. ISBN: 85-7541-015-6. Avail able from SciELO Books

 CARVALHO, A. M. A. Etologia e Comportamento Social. Disponível em: Acessado em: 12 abr 2015

 FAPESP (2009). Pele recriada. Disponível em: Acesso em: 23 mar 2015.

 FRANBLAT, M, AMARAL, V. L. A & RIVERA, E. A, B (2008). Ciência em Animais de Laboratório. Ciência e Cultura. São Paulo: v.60 ISSN 2317-6660

 G1 (2013). Após denúncia de maus tratos, grupo invade laboratório e leva cães beagle. Disponível em: Acesso em: 23 mar 2015.

 RICHMOND, J. (2002). Refinement, reduction, and replacement of animal use for regulatory testing: future improvements and implementation within the regulatory framework. ILAR Journal, 43(Suppl 1), S63-S68.

 RIVERA, E. A. B.; Amaral, M.H.; Pinheiro, V.(Org.). (2006).  Ética e Bioética Aplicadas à Medicina Veterinária. 1 Ed. Goiânia: Ed/orgs.v.1, p.159-186.

 UFPR. Ministério da Educação. Treinamento em manipulação na experimentação animal (2012). Disponível em: Acesso em: 12 abr 2015

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