Série Ensaios: Ética no Uso de Animais e Bem-estar Animal
Por Daiane Priscila Simão-Silva e Gabriela
Santos Rodrigues
Pós-doutoranda e Mestranda do Programa de Mestrado em
Bioética – PUCPR
Quando o assunto é uso de animais em pesquisa vem logo à
questão da aplicabilidade dos resultados das pesquisas no tratamento de muitas
doenças e da possibilidade de cura para pessoas com deficiências. No dia Internacional
da Pessoa com Deficiência (03/12) o tema foi
abordado por alguns programas televisivos como Encontro com Fátima Bernardes, que discutiu a questão de
acessibilidade conversando com Katya Hemelrijk da
Silva,
a cadeirante que precisou arrastar-se por uma escada para conseguir entrar
no avião no Aeroporto em Foz do Iguaçu - PR. Além das discussões e comemorações
referentes à data, a presidente da República, Dilma Rousseff, assinou o Decreto do Autismo que agora segue
para aprovação do Congresso Nacional. Surpreendentemente a pessoa com espectro autista ainda não tinha
garantido o atendimento no âmbito de SUS. O decreto 12.764
determinou, só agora, que “a pessoa autista é considerada pessoa com
deficiência para todos os efeitos legais.”
A falta de amparo, acessibilidade e leis em favor das pessoas
com deficiência são apenas algumasdas dificuldades pelas quais elas passam.
Quando olhamos para as formas de tratamento das deficiências nos deparamos com
uma realidade também inóspita. Uma das dificuldades enfrentadas nessa área,
principalmente em deficiências de ordem neurológica, como o autismo, é a forma
de obtenção de modelos
de pesquisa.
Muitas desordens neurológicas são pesquisadas através do
desenvolvimento da doença em questão, em modelos animais, principalmente em ratos
de laboratório. Para o autismo um dos primeiros
modelos animal foi obtido em 2006.
Porém, os estudos com animais não tem gerado muitos avanços na forma de
tratamento para as desordens
neurológicas. Para a doença
de Alzheimer, a publicação na revista Nature Neuroscience, em 2002, foi de enorme
repercussão,
pois, revelava uma expectativa de cura para doença, a partir da descoberta da reversão de alguns déficits de memória em ratos com
a demência. Estes animais haviam sido tratados com anticorpos
monoclonais. A partir de então muitos ensaios clínicos
foram realizados no mundo todo com idosos portadores de Alzheimer. No ano
passado (2013) foi encerrado o último ensaio, ainda em fase 2, sem nenhum
resultado positivo. Mas por que a pesquisa deu certo com os ratos e não com
humanos? A resposta para essa questão desdobra em uma série de outras questões:
Quais eram as condições das pesquisas com os ratos? Como os ratos estavam fisicamente
e cognitivamente? Sim, ratos são seres vivos, com funções cognitivas, demandas
físicas e comportamentais. São animais gregários (que vivem em grupos ou em bandos)
com organização social própria da espécie. Possuem hábito noturno, com fobia de
luz, altura, isso das que conhecemos, eles podem ter outras que não
compreendemos. Quando estamos tratando de compreender as respostas das funções
cognitivas como déficits de memória, comportamento, entre outras, a saúde cognitiva
do indivíduo em estudo precisa ser priorizada para que as respostas sejam
confiáveis. O que observamos em muitos artigos
científicos é que essas questões não têm sido devidamente consideradas.
O pesquisador solicita os animais, que vem em gaiolas para o local de
experimento, e ali se segue o protocolo estipulado para os testes. Cuidados
como posição da gaiola, luminosidade, vínculos sociais e elementos da gaiola que
causam bem estar ao animal, pouco importam. Digamos que os resultados não
fossem afetados por essas variáveis, podemos extrapolar o conhecimento sobre o
cérebro de um rato para o de um cérebro humano?
É incontável o número de animais atualmente que são
submetidos à experimentação sem antes termos as respostas básicas e primordiais
para o sucesso
da pesquisa. Podemos afirmar veemente que a causa pela qual se sacrifica
estes animais, o tratamento para as desordens neurológicas, é nobre. Mas a
nobreza da causa deve trazer a responsabilidade com a forma com que se conduz a
pesquisa também. A reflexão conduzida pela bioética é no sentido de deliberar (Habermas)
a fim de que o uso de animais na pesquisa atinja com qualidade os fins
objetivados, mas para isso é imprescindível que tenha em vista o bem estar animal.
Hughes (1976) definiu bem-estar animal como um estado de completa saúde física e
mental, em que o animal está em harmonia com o ambiente que o rodeia. Broom
(1986) acrescenta que o
bem-estar de um indivíduo é seu estado em relação às suas tentativas de
adaptar-se ao seu ambiente. O filósofo
Bernard Rollin (1981), tem uma visão ampla de bem-estar animal, pois ele inclui
a satisfação das necessidades, vontades, desejos e objetivos na categoria de
interesses. O bem estar-animal aceita a utilização de animais, mas
defende a utilização adequada de animais reconhecendo as orientações trazidas
na Teoria dos 3Rs de
Russell e Burch (1959). Braga (2010) ressalta que a corrente do bem estar
animal também se preocupa com as condições ambientais adequadas para os
animais, o que levará o pesquisador a obter resultados confiáveis e
reproduzíveis. Para Broom (2004) as alterações fisiológicas e comportamentais
se alteradas podem indicar um bem estar pobre. O Enriquecimento Ambiental surge
como um manejo que visa melhorar a qualidade de vida dos animais auxiliando,
consequentemente, seu bem estar. O Enriqucimento Ambiental consiste em aumentar
e estimular o ambiente cativo, geralmente pela introdução de objetos com os
quais os animais possam se entreter (COSTA e PINTO, 2006).
Um ótimo
exemplo de possibilidade de substituição de modelo animal em estudos
neurológicos é a pesquisa que vem sendo conduzido pelo neuroscientista
brasileiro Alysson
Muotri. O seu grupo de pesquisa, na Universidade da Califórnia,
já conseguiu avançar muito no estudo
em autismo utilizando células tronco adultas. O grupo
conseguiu reprogramar
células da pele e de poupa de dente, de pacientes com
autismo, em neurônios. O estudo comparativo dos neurônios de laboratório (Para
ver o vídeo clique
aqui) com e sem o espectro autista permitiu avançar
na compreensão da doença. Muotri aponta que a reprogramação de células tronco
adultas pode ser aplicada para outros tipos de doenças neurológicas. Esse é um
exemplo de avanço no conhecimento que permite a aplicação dos três erres, sendo
neste caso a substituição (replacement), avançando na pesquisa de forma
eficiente e sem comprometimento animal.
O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Bem Estar
Animal tendo como base as obras:
BRAGA
LMGM. Animal como um modelo experimental: noções básicas de genética, sanidade, alojamento e manutenção de animais
de laboratório. In: Feijó AGS, Braga
LMGM, Pitrez PMC, organizadoras. Animais
na pesquisa e no ensino: aspectos éticos e
técnicos. Porto Alegre: EDIPUCRS; 2010. p.171-86.
BROOM DM, MOLENTO
CFM. Bem-estar animal: conceito e
questões relacionadas – revisão. Arch Vet Sci. 2004;9(2):1-11
COSTA MJRP, PINTO
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p. 105-30
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ROLLIN, B. E. Animal rights and human
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