sexta-feira, 26 de setembro de 2014

"Unidos para quê?"



Série Ensaios: Sociobiologia

Por: Camila L. Beghetto; Maísa O. Souza; Renata L. O. Halila
Acadêmicas do Curso de Ciências Biológicas

O desafio do balde de gelo - iniciado na metade do mês de julho deste ano - foi criado para arrecadar recursos e disseminar o entendimento sobre a Esclerose lateral amiotrófica (E.L.A), uma doença neurodegenerativa que causa a perda progressiva dos movimentos. Neste desafio, os indivíduos deveriam além de fazer uma doação para a entidade responsável, deveria tomar um banho de balde de gelo e depois desafiar outras pessoas a fazerem o mesmo. O movimento foi popularizando-se devido, principalmente ao envolvimento de grandes celebridades ao redor do mundo e suas diferentes maneiras de realiza-lo incluindo suas gafes.

 Este desafio se espalhou como um vírus pela mídia, mas, apesar de representar uma causa nobre, também se tornou um exemplo clássico de uma das características da cultura humana: a memética. Esta teoria, proposta por Richard Dawkins em 1976, se dedica a estudar questões comportamentais humanas consideradas inexplicáveis, aplicando conceitos da Teoria da Evolução à nossa cultura. Todos os comportamentos obtidos através da imitação de outra pessoa (como o banho de balde de gelo) são denominados pela memética como memes. Ou seja, toda vez que imitamos a ação de uma pessoa, esta ação se torna um meme, e, assim como os genes, sua replicação sofre uma seleção dependendo de sua utilidade. Enquanto os genes são unidades replicadoras que representam características biológicas, os memes são unidades replicadoras que representam ideias da cultura humana, como por exemplo, nossas formas de comportamento. A memética vem sendo utilizada junto à sociobiologia para explicar certos comportamentos humanos e outros assuntos através de modelos matemáticos.
O meme do balde de gelo é bastante controverso, uma vez que muitas pessoas o fazem apenas para se autopromover ou sentirem-se inseridas neste grupo, sem necessariamente fazerem doações. Dessa forma, o sentido da campanha se perde. Outro fato importante é que, o objetivo de divulgar a doença não é alcançado, uma vez que nos vídeos postados nas redes sociais, não se fala o real motivo de estar tomando um banho de gelo. O simples fato de imitar uma ação nobre pode fazê-la perder o sentido, porque o que passa a ser importante é fazer parte de um grupo, e divulgar isto em redes sociais.
O comportamento social caracterizado pela interação de um indivíduo com os outros organismos presentes em um ambiente, sendo dividido em dois tipos: comportamento operante e respondente, onde este passa a ser expresso a partir das consequências de ações de outro individuo ou de suas próprias ações (Sampaio, 2010). Na natureza este comportamento existe sob diferentes formas: comportamento de agregação (onde os indivíduos são influenciados por estímulos externos que os estimulam a manter algum tipo de laço sejam eles emocionais ou práticos); comportamento em sociedades (a organização é mais complexa) e comportamento agrupado (comportamento é controlado através de uma identidade do grupo), o conjunto de ações comportamentais, relacionadas à vida em sociedade, pode ser explicada como uma das consequências herdadas de ancestrais por exemplo devido ao longo período de dependência dos filhotes em diversas espécies, surgiu a necessidade de participação do pai, irmãos e de outros indivíduos para cuidado e preservação da espécie, esse entre outros estímulos biológicos/ambientais, como ocultação o período fértil da fêmea, escassez de alimento em savanas, contribuíram para a formação de grupos sociais em diferentes espécies incluindo a nossa (Carvalho, 1988).
                A formação de grupos é normal na natureza e trouxe muitas vantagens para os animais (reprodutivas, alimentares e de proteção). Os neurônios espelhos, foram descobertos acidentalmente em 1994 por Giacomo Rizzolatti durante um experimento em que, ao observar a atividade cerebral de um macaco (através de eletrodos no cérebro) constatou-se que a observação de uma ação (pegar comida) ativava as áreas do cérebro estimuladas durante a ação do próprio indivíduo, ou seja, para o cérebro do macaco, era como se ele mesmo estivesse pegando a comida. O que ocorre é que a percepção visual é capaz de gerar uma estimulação interna do ato de outros animais através dos neurônios espelhos. Esta informação parece não ser tão óbvia quando pensamos em formação de grupos e comportamento social, porém, os neurônios espelho foram selecionados positivamente durante o processo evolutivo em diversos animais, uma vez que apresentam duas funções essenciais: a imitação e a empatia entre os membros de um grupo. A ativação dos neurônios espelhos pode (ou não) ser seguida por um processamento consciente que conduz a uma compreensão mais abrangente dos eventos através de mecanismos cognitivos mais sofisticados. Assim, estes neurônios possibilitam a compreensão da ação e/ou da intenção de outro animal pela ativação subliminar desta ação nos circuitos fronto-parietais. Em outras palavras, isto significa dizer que, uma vez que um animal consegue compreender o comportamento dos outros indivíduos ao seu redor, é possível apoiá-los em diversas situações, e dessa forma o grupo se torna coeso no sentido de proteger e cuidar uns dos outros, assim como dos filhotes do grupo. Além disso, a imitação proporcionada pela ativação dos neurônios espelhos permite que os integrantes de um grupo aprendam uns com os outros, como por exemplo, filhotes de macacos que aprendem a quebrar sementes, pegar frutos e outras coisas observando e imitando seus pais ou outros membros do grupo. Os neurônios espelho foram associados a várias modalidades do comportamento humano: imitação (onde – para os humanos - se encaixa a memética), teoria da mente, aprendizado de novas habilidades e leitura da intenção em outros humanos. A sua disfunção poderia estar envolvida com a gênese do autismo. O conceito de memética surgiu pela primeira vez em 1976 no livro “O gene egoísta” de Richard Dawkins, onde o comportamento imitativo é descrito como mecanismo de aprendizagem e adaptação do individuo dentro de um grupo, até a década de 90, com a descoberta dos neurônios espelho, este tipo de comportamento não tinha um embasamento biológico esclarecido (Dawkins, 1976). Esse desafio tornou-se popular devido principalmente á influência que celebridades que dele participaram o que gerou identificação por uma grande parte da população a esta iniciativa ajudando-a a se propagar, entretanto também foi usado como mecanismo de promoção pessoal.
Como futuras biólogas, entendemos a importância de “imitar” certas ações de outras pessoas, como é o caso do meme do desafio do balde de gelo, em certas situações. A questão é que, em muitos casos, nos sentimos induzidos a fazê-las, não porque consideramos importante, mas porque nos sentiríamos desconfortáveis se não o fizéssemos. Esse sentimento de obrigação é o que ofusca causas nobres como o que tem ocorrido com o desafio do balde de gelo, onde a finalidade é válida, mas foi em muitos casos deturpada por pessoas que apenas buscaram se promover, e não ajudar no financiamento de estudos e divulgação da E.L.A .


O presente ensaio foi realizado para a disciplina de Etologia II, tendo como base as seguintes obras:

O que é isto, Comportamento Social? Disponível em: http://criticacomportamental.blogspot.com.br/2011/04/o-que-e-isto- comportamento-social.html . Acessado dia: 06/09/2014 ás 20:30.
O Desafio do balde de gelo deu certo; Fábio Bibancos. Disponível em: http://www.brasilpost.com.br/fabio-bibancos/o-desafio-do-balde-de-gelo-deu-certo_b_5738654.html?utm_hp_ref=brazil  . Acessado em 21/08/ 2014.
O que é Memética. Disponível em: https://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20060810072119AARoM6o  Acessado em 21/08/ 2014.
Formação de grupos: vantagens para alguns, dor para outros. Disponível em: http://etologia-no-dia-a-dia.blogspot.com.br/2012/05/formacao-de-grupos-vantagens-para.html.  Acessado em 06/09/2014 ás 20:15.
Branco, R. (2010). Múltiplas dimensões do conceito “adaptação”. Disponível em: http://www.iicm.pt/MDI_Artigos_Finais/Ricardo_Branco_MDI.pdf Recuperado em: 09/09/2014.
Neurônios espelho, sociobiologia e reciprocidade. Disponível em: http://sociedadeprimata.wordpress.com/2012/11/26/nueronios-espelho-sociobiologia-e-macacos/ . Acessado em 22/09/2014 às 00:40.
Clais, F. & Torrens, G. (2012). Formação de grupos: vantagens para alguns, dor para outros. Blog etologia no dia –a-dia. Recuperado em: 09/08/2014.
Gawryszewski, L., D., Jr, A., P., Lameira, A., P. (2007). Neurônios Espelho. Disponível em: http://www.sbpcnet.org.br/livro/59ra/pdf/Gawryszewski.pdf. Acessado em: 22/09/14 às 00:45.
Martins, C. (2013). Em defesa do conceito de sociedade. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 28, 229-234.
Qual é o conceito de obrigação? www.jurisway.org.br. Recuperado em: 08/09/2014 as 20:30.
Dawkin, R. (1976). O gene egoísta. Disponível em: http://www.projetovemser.com.br/blog/wp-includes/downloads/Richard%20Dawkins%20-%20O%20Gene%20Ego%EDsta.pdf. Recuperado em: 22/09/2014 as 19:55.


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