segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Amor pelo Filhote: Rejeição, Abandono e Adoção - uma ligação com a Maternagem




Série Ensaios: Sociobiologia

Por Larissa Pimentel, Luana Good, Maria Luiza Antunes e Stephanie Prohnii
Acadêmicas do curso de Ciências Biológicas da PUCPR

Uma menina recém nascida foi encontrada por um cachorro em um terreno baldio em Fazenda Rio Grande, região metropolitana de Curitiba. O cachorro começou a latir no local e os vizinhos encontraram a recém-nascida. A mãe era Franciele Barbosa, de 20 anos, confessou ter abandonado a filha logo após o nascimento dentro de uma mala de viagem e disse não ter arrependimentos. A jovem Franciele disse que como já tinha um filho, não tinha condições de cuidar da menina recém-nascida, então, abandonou a criança no matagal, afirmando que “sabia que alguém ia achar e cuidar”. Em um vídeo ela afirma “Meu outro filho é tudo para mim, mas essa não teria como cuidar”. “Ela não ter condições de cuidar, não justifica esse ato cruel, ela vai ser interrogada, mas infelizmente não podemos mantê-la presa por não possuirmos o flagrante e nem mandado” disse o delegado responsável pelo caso.

O comportamento social é definido como qualquer interação direta entre indivíduos da mesma espécie, geralmente aparentados e vivendo em um grupo organizados de maneira cooperativa (DEL CLARO, 2004). A motivação para que animais se mantenham em um mesmo espaço baseia-se nas vantagens que esse comportamento traz como, por exemplo, a de garantir proteção, alimentação e reprodução, facilitando a sua sobrevivência (KARKOW, 2013), estes fatores determinam a formação de um grupo. O grupo é definido como, organismos que vivem juntos com uma comunicação interativa, sendo que os principais grupos sociais são: os formados pelas mães e seus filhotes, pais e filhotes, um par que se une durante um período do ano ou por toda a vida, assim como grupos mistos, familiares ou não (SOUTO, 2003). Existem diversas vantagens de viver em grupo estando relacionadas com a proteção, manutenção do ambiente em que vivem, reprodução, e alimentação dos indivíduos. Entretanto as desvantagens também existem, bem como a falta de liberdade, maior proliferação de doenças e parasitas, ampla concorrência e fácil detecção pelos predadores.
O tema do presente ensaio é o amor pelos filhotes, visando uma abordagem da rejeição e da adoção. O cuidado à prole requer um certo investimento por parte dos pais, esta tarefa de é imprescindível para a sobrevivência dos filhotes nos primeiros dias de vida, denominada de cuidado parental (materno e paterno) sendo definido como qualquer forma de comportamento parental que aparece provavelmente para aumentar a aptidão dos descendentes (BOTTEGA, 2003). Os filhotes de mamíferos nascem quase que completamente dependentes do comportamento parental, principalmente do comportamento maternal, que visa nutrir, aquecer e prover contato físico para a maturação completa dos filhotes até que eles possam sobreviver sozinhos (TODESCHIN, 2008). Estudos demonstram que o cuidado parental pode ter várias origens como gravidez psicológica, comportamento cooperativo ou alta produção de ocitocina, hipótese mais viável que justifica um gasto alto de energia a um filhote não biológico (MASSON, 1998).
A maternidade e maternagem são termos que apresentam semelhanças em suas descrições, mas possuem a maior diferença em sua essência. A maternidade é classificada como a qualidade ou condição de ser mãe, é o laço de parentesco que une mãe e filho. Já a maternagem é classificada como os cuidados próprios de mãe, o cuidado materno, afetuoso, dedicado, carinhoso e maternal (MAGALDI, 2014). A maternagem seria um cuidado materno independente do laço sanguíneo. Atualmente, muitas notícias evidenciam esse cuidado sem a ligação de sangue e mostram o amor passado de mãe para filho de animais que adotam até mesmo filhotes de outras espécies é cada vez mais comum, sendo vários casos bastante repercutidos, questionados e admirados - Animais adotam e amamentam filhotes de outras espécies; Tigresa adota filhotes de porco; Galinha adota filhotes de cachorro.
A adoção entre espécies diferentes ou entre uma mesma espécie pode ser proveniente de vários fatores regidos pelo cuidado parental, motivados por estímulos de proteção, afeto e atenção às necessidades do filhote abandonado (MASSON, 1998). Este cuidado pode ultrapassar barreiras, podendo ocorrer entre grupos distintos, por exemplo, aves e mamíferos. Como o caso de uma leoa no Quênia que adotou sua maior presa natural, um filhote de antílope que perdeu sua mãe. A leoa protegeu o filhote por semanas, para que outros leões não o atacassem, passava horas observando-o e lambendo como se fosse seu próprio filhote, porém ficou muito tempo sem caçar e ambos estavam muito fracos e com sede, por um descuido o filhote acabou sendo devorado por um outro leão, e a mãe leoa não pode ajuda-lo pois estava fraca. Ela tentou adotar outros filhotes de antílopes porém tiveram o mesmo fim (REDERECORD, 2012). Essa é uma de muitas histórias (Gata adota e amamenta filhotes de pato; Chimpanzé adota filhote de Puma) que atualmente ouvimos falar sobre adoção entre diferentes espécies.
O surgimento do “instinto materno” em fêmeas de mamíferos, tem ligação com os hormônios produzidos pela hipófise, sendo eles a ocitocina e prolactina (CAMARGO, 2013). Esses hormônios têm como principal função a produção e secreção de leite, que são estimulados pela sucção do bebê (NASCIMENTO & COSTA, 2010). A ocitocina é descrita como “o hormônio do amor” (DACOME & GARCIA, 2008), considerado como facilitador da motivação social e o comportamento de aproximação, e parece ser fundamental para o estabelecimento de vínculos sociais (YOUNG, 1999), incluindo cuidados maternos e paternos, ligação em pares, investigação social e comportamento sexual (KARKOW, 2013). O desenvolvimento da relação entre mãe e filho e do comportamento maternal é estabelecido pela ocitocina, pois é transmitida ao bebé através do aleitamento materno. Muitos casos de mães adotivas que conseguem amamentar já foram registrados e para muitas o que seria um sonho pode se tornar realidade, sendo o processo de produção do leite materno fruto de um estímulo repetido; onde ao sugar o seio, o bebê ajuda a mandar uma mensagem para a hipófise, no cérebro, que avisa que é preciso começar a produção do leite (LARA, 2012). Assim, o organismo da mãe libera a prolactina, que aciona as glândulas mamárias para fabricar o leite, e a ocitocina, o hormônio responsável pela liberação do líquido. Como vários fatores podem influenciar na amamentação adotiva, como a idade da criança, hormônios e fatores psicológicos, na maioria dos casos se é utilizado medicamentos que atuam na hipófise e aumentam a produção da prolactina (LARA, 2012). A mãe perto da data do parto, inicia uma sequência de mudanças comportamentais que visam receber adequadamente os filhotes (BENETTI, 2005). Durante o período pós-parto é alterado em função dos cuidados da prole, como a hipervigilância, e obsessividade que pode melhorar e garantir a saúde e sobrevivência do recém-nascido (KARKOW, 2013). Por esse amor ao filhote, a mãe renuncia muitas vezes às necessidades próprias para cuidar do recém-nascido, perdoa sua irracionalidade, sendo fiel ao seu objetivo de cuidar da prole (AMARO, 2006).

A inserção de ocitocina no cérebro de animais virgem facilita o surgimento do comportamento maternal, enquanto que o bloqueio dos receptores de ocitocina evita esses comportamentos (YOUNG, 1999). O abandono de filhotes pode ter relação com a baixa produção de ocitocina gerando pouco interesse pelo cuidado parental, afeto e proteção da cria (HRDY, 2001). Entre animais a rejeição pode ocorrer por pressão de sobrevivência causada por um ambiente alterado desencadeando comportamentos agressivos ou pela competição que o filhote pode significar para a fêmea (HRDY, 2001).
Um ambiente livre de estresse é vital para o bem-estar da mãe e seus filhotes, se incidentes perturbadores ocorrem frequentemente durante esta importante fase da vida, a mãe pode interpretar os fatores de estresse como uma ameaça e como resultado, ela pode simplesmente abandonar sua prole, ou em uma tentativa mais drásticas para proteger seus filhotes de distrações que ela interpreta como perigo, a relação dela  com o ambiente é importante pois ela pode abandonar, abortar ou matar se perceber que a cria não terá sucesso (PET, 2003).
Embora a proteção e os cuidados da mãe “estranha” ajudem o filhote a sobreviver, por terem características, necessidades e hábitos diferentes, ambos podem ter problemas e confusão comportamental ao notar as diferenças presentes (ANDA, 2011). Podendo ocorrer um estresse psicológico, tanto na mãe adotiva quanto no filhote. Isso acontece quando eles passam a agir conforme os instintos pertinentes a suas espécies (PIRES, 2011). Portanto, a história do “Patinho Feio”, que fica triste ao perceber as diferenças físicas e comportamentais existentes entre ele e sua família adotiva, também pode facilmente acontecer na vida real dos animais (ANDA, 2011).
          
  Em humanos o ato de abandono de um bebê ou uma criança pode ter inúmeras origens: instabilidade hormonal causando depressão pós-parto, desequilíbrio emocional, por causas econômicas e sócio-culturais. Mesmo havendo estas origens, a atitude de abandono de incapaz sempre gera estranhamento e reprovação por parte da sociedade (BECKER, 1994). E com isso se gera vários questionamentos como; a mulher tem o direito de abortar se sentir que não tem condições de criar aquela criança? A mulher tem direito de não querer criar o filho? Questionamentos esses que geram grandes discussões e diferentes opiniões na atualidade, envolvendo paradigmas éticos, religiosos, sociais, econômicos e de interesses individuais, que estão longe de entrarem em acordo.
            Nós acadêmicas de biologia acreditamos que esse “amor” a prole está relacionado aos fatores biológicos, como a produção da ocitocina no organismo da mãe, gerando esse apego para a proteção do filhote, já que evolutivamente falando, essa proteção está relacionada com o sucesso da passagem de seus genes. Portanto, acreditamos que os comportamentos de cuidado parental estão ligados aos níveis hormonais, nas ações de afetividade, proteção e cooperação, onde essas são desencadeadas por estímulos interiores e exteriores interligados. Sendo assim, excede até mesmo interesses de sobrevivência e propagação de espécies e barreiras de grupos distintos. Porém, esses comportamentos podem apresentar reações contrárias quando os hormônios e a afetividade se encontram em baixos níveis ou em deficiência, podendo assim causar reações que não envolvam aqueles sentimentos que normalmente uma mãe demonstraria a sua prole. Sendo estas reações atualmente discutidas e de motivo para inúmeros estudos.

  


O Presente ensaio foi elaborado para disciplina de Etologia, tendo como base as obras:
AMARO, J. W. F. Discomfort and love. Revista de Psiquiatria Clínica, v. 33, n. 6, p. 337-341, 2006.
ANDA - AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DE DIREITOS ANIMAIS. Adoção entre animais: um gesto de amor incondicional. Bauru, São Paulo, 2011. Disponível em Acesso em 08 de setembro de 2014.
BECKER, M. J. A ruptura dos vínculos: quando a tragédia acontece. Em S. Kaloustian (Org.), Família, 1994.
Brasileira: a Base de Tudo (pp. 60-76). São Paulo: Cortez
BENETTI, F. Intervenções na relação mãe-filhote e seus efeitos nas respostas comportamentais e endócrinas na vida adulta. Tese (Mestrado em Fisiologia), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005.
BOTTEGA, M. Influência do ambiente social e da experiência sobre o comportamento de cuidade à prole em gerbilos da mongólia (Meriones unguiculatus). Tese (Mestrado em Neurociências), Universidade Federal De Santa Catarina, 2003.
CAMARGO, M. F. Maternidade: simples assim?. Sapere Aude-Revista de Filosofia, v. 4, n. 7, p. 477-482, 2013.
DACOME, O. A.; GARCIA, R. F. Efeito Modulador da Ocitocina sobre o PrazerSaúde e Pesquisa, v. 1, n. 2, p. 193-200, 2008.
DEL-CLARO, K. Comportamento Animal: uma introdução à ecologia comportamental. Livraria Conceito, São Paulo, 2004.
HRDY, S. B. Mãe Natureza: uma visão feminina da evolução. Maternidade, filhos e seleção natural (A. Cabral, Trad.) Rio de Janeiro: Campus, 2001.
KARKOW, A. R. M. Efeitos da manipulação neonatal sobre comportamentos sociais e a expressão de receptores de ocitocina em ratos neonatos e juvenis. Tese (Doutorado em Neurociências), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2013.
LARA, M. L. Mães Adotivas Podem Amamentar. Revista Abril. São Paulo, 2012. Disponível em Acesso em 12 de 2014.
MASSON, J.F. Quando os elefantes choram. Editora Geração, 1998.
NASCIMENTO, B. I. C. D.; & COSTA, T. R. A importância da Enfermagem no incentivo ao aleitamento. Monografia (Graduação em Enfermagem), Faculdade do Vale do Ipojuca, Caruaru, 2010.
PIRES, L. Adoção faz parte do instinto dos animais. Jornal da Cidade, Bauru, São Paulo, 2011. Disponível em Acesso em 08 de setembro de 2014.
PET. Por que um cão mãe rejeita um filhote de cachorro recém-nascido. Portugal, 2003. Disponível em Acesso em 08 de setembro de 2014.
TODESCHIN, A. S. Manipulação neonatal, ocitocina, vasopressina e comportamentos sociais em ratos. Tese (Doutorado em Ciências Biológicas: Fisiologia), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2010.
SOUTO, A. Etologia: princípios e reflexões. Editora Universitária UFPE, 2003.

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