quinta-feira, 14 de agosto de 2014

ZOOTERAPIA SOB A ÓTICA DA IGUAL CONSIDERAÇÃO DE INTERESSES



Série Ensaios: Bioética Ambiental

Por: Fabiana Francielle Culau Leite e Rafael Reinaldo Novinski  

Mestrandos do Programa de Pós-Graduação em Bioética

Zooterapia: o que é? MOTTI (2007) refere terapias que se utilizam de animais como: Pet Therapy, Zooterapia, Atividades com o Auxílio de Animais (AAA), Terapia desenvolvida com uso de animais e Terapia Assistida por Animais (TAA).Define-se a zooterapia como uma metodologia que inclui animais como co-terapeutas no tratamento das patologias humanas, tanto físicas quanto psíquicas (TURNER, 2009).Tendo em vista tais considerações, pode-se considerar a zooterapia tanto como sinônimo de TAA – onde o contato com animais domésticos e domesticados é empregado concomitantemente às terapias tradicionais para patologias diversas – bem como quando se utiliza partes do corpo de animais, produtos metabólicos, secreções, excrementos ou materiais construídos por ele (ninhos e casulos, por exemplo) (COSTA NETO, 2011; FISCHER, 2011). “A TAA deve ser conduzida e orientada por profissionais da saúde devidamente capacitados, e as ações devem ser registradas para possibilitar avaliações periódicas, configurando-se como uma intervenção direcionada, individualizada e com critérios específicos na qual o animal é fundamental no processo de tratamento, e tem por finalidade melhorar aspectos como a função física, social, emocional, e/ou cognitiva de pacientes humanos. (DELTA SOCIETY, 1996 apud MOTTI, 2007)”.O emprego de animais como forma terapêutica tem registros a partir do século XVII e no Brasil a TAA aparece de forma expressiva a partir da década de 1980. Porém, somente por volta dos anos 1990, são fundados os primeiros Centros de Atendimento de TAA, onde se iniciaram as pesquisas científicas sobre o tema (TURNER, 2006 apud MOTTI, 2007).A zooterapia atinge representação significativa dentro de algumas realidades brasileiras, sobretudo em sociedades tradicionais, devido às heranças indígenas, africanas e europeias (MOURA; MARQUES, 2008) (COSTA NETO, 2011) (BARBOSA; ALVES, 2012) e tem sido empregada em diferentes situações para auxiliar no melhoramento da situação clínica dos pacientes. Implantado pela Professora Maria de Fátima Martins da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, o projeto zooterápico “Desenvolvendo a afetividade de idosos institucionalizados através dos animais” existe desde 2006 e tem repercutido positivamente na saúde dos idosos, trazendo benefícios significativos na melhoria da qualidade de vida. O contato com animais como cães, peixes, tartarugas, pássaros e até escargots vem proporcionando um aumento da afetividade, do ânimo e da socialização dessas pessoas (DIAS, 2010). Em Santa Maria/RS, o relacionamento com cães da raça pastor alemão demonstrou melhora na qualidade de vida de idosas em instituição de longa permanência (STUMM, et al, 2012), assim como em Botucatu-SP, a terapia com equinos tem ajudado crianças com “dificuldades de aprendizagem, hiperatividade, dislexia, déficit de atenção e problemas de comportamento” (G1, 2012). “Algumas terapias podem ser nomeadas de acordo com o animal utilizado tais como Equoterapia, terapia que utiliza o cavalo; Terapias com pequenos animais: terapia que utiliza de coelho, gato, hamster, chinchila, periquito (Calopsita); Cinoterapia, terapia com cães (TURNER, 2006 apud MOTTI, 2007)”Klinger (2004), afirma que o contato com os animais está além do simples convívio com os humanos, além disso, existe a preocupação de comprovar-se a eficácia da zooterapia, e assim, futuramente, esta pode vir a ser uma disciplina acadêmica. “La zooterapia no tiene um margen limitado de funcionamiento pues como toda terapia se mantiene em constante estudio y se van descubriendo nuevas habilidades, sin embargo actualmente es utilizada em: problemas de fobias, desordenes de personalidade, depresión, autismo, alzhéimer, niños com síndrome de Down, personas con complicaciones y riesgos cardíacos, y problemas de hiperactividad” (CRUZ, 2012.)
Princípio da Igual Consideração de Interesses Semelhantes (PICIS) - Peter Singer postulou o Princípio de Igual Consideração de Interesses Semelhantes (PICIS), onde o julgamento moral precisa levar em consideração os interesses de todos aqueles que serão afetados por uma conduta determinada, sem que se pesem as diferenças entre os sujeitos, sejam elas de sexo, etnia, inteligência ou mesmo espécie, estando na capacidade de sentir dor ou prazer o fundamento para determinar que o ser detenha interesses a serem considerados (OLIVEIRA, 2011).  Para teoria ética tradicional: “Todos os seres racionais e, por consequência, sujeitos morais encerram valor intrínseco em si mesmo e devem ser tratados como fins: ao sujeito moral é vedado usar outro ser humano como um meio para realizar suas vontades particulares. Por outro lado, os seres não racionais, em especial os animais, não encerram valor em si e o possuem somente de modo indireto e relativo, condicionado por uma vontade exterior: eles são meios para a realização da vontade dos seres racionais e, se existe um interesse em protegê-los, esse depende de deveres indiretos de respeito”. (OLIVEIRA, 2001). Para Peter Singer, filósofo crítico da teoria tradicional, é necessário redefinir a comunidade moral a partir de novas bases, através do PICIS, para com isso incluir os seres não humanos sencientes e os seres humanos não racionais sencientes no âmbito da comunidade moral (OLIVEIRA, 2011).Assim, se o homem tem razões para desejar o contato com os animais durante a TAA, há que se pensar que o animal também tenha o interesse de não ser desrespeitado ou submetido a estresse. Mais ainda quando se objetiva o uso de animais, de suas partes ou excrementos como medida terapêutica. Aqui, o questionamento de que, se a par do bem que traz para o homem, existe respaldo ético para as práticas da TAA ou do uso terapêutico da fauna.Oliveira (2011) ressalta ainda que não podemos justificar a exploração dos animais ou de outros seres não humanos simplesmente por eles não pertencerem à nossa espécie.
Zooterapia: Bom para quem? Um estudo publicado em 2012 (YAMAMOTO, et al, 2012) demonstrou que participar de atividades de TAA não provocava nenhum prejuízo aos cães, que não foram acometidos por estresse ou outras moléstias em decorrência das sessões, embora estas fossem benéficas aos seres humanos. Ademais, como ressalta Machado et al (2008), tais sessões devem ser sempre supervisionadas por profissionais de saúde habilitados e com o acompanhamento de médico veterinário, a fim de resguardar o bem estar físico e emocional dos animais envolvidos, sendo este mesmo um requisito para o bom andamento da terapia. Igualmente, a melhora na qualidade de vida humana através da TAA se fundamenta nos benefícios trazidos pelo envolvimento emocional com o animal (RIBEIRO, 2011). No entanto, o uso de animais para fins terapêuticos envolve questões deveras mais profundas. Não há como dizer que determinado animal não humano sofre menos do que este frente à mesma situação, sem que seja uma mera especulação mental. Sobretudo, se considerarmos que em determinados quesitos os animais sejam dotados de sentidos muito mais apurados, há indícios de que nas sensações de dor ou prazer não seja diferente (TAVARES, 2011). Soma-se ainda o fato de que em muitas situações, o uso zooterápico envolve espécies em extinção, o que em certos casos nem é de conhecimento das populações que os emprega (COSTA NETO, 2011).
É ético utiliza-los? Pontua Tavares (2011), que em situações em que a vida humana esteja em perigo, é possível que se encontre uma justificativa aceitável para o sacrifício animal. Resta, no entanto estabelecer se este recurso é o único disponível, ou se as comunidades são levadas a procurar na fauna alívio para seus males apenas por costume herdado, impulsionado pela falta de outro tipo de assistência. Premente, é que tal questão não pode ser abordada de forma leviana, sendo que não existe fundamentação ética nem científica, para justificar a separação entre animais humanos e não humanos, que devem também ser incluídos na sociedade moral (BRUGGER, 2009). Singer (2003) sustenta que os agentes morais possuem obrigação moral direta de consideração para com todos os seres sencientes e o dever de reconhecer que eles são dignos de realização de seus fins específicos e não para servir aos interesses dos seres humanos.
Nós como futuros bioticistas acreditamos que a diferença atribuída ao valor da vida de um ser autoconsciente em relação ao valor de vida de um ser senciente resulta do fato de o primeiro apresentar uma gama de interesses mais refinados, além de fazer de sua ação um tipo de investimento para garantir a vida para além do momento presente.
           
O presente ensaio foi elaborado para a disciplina de Fundamentos de Bioética do Programa de Bioética da PUCPR baseado nas seguintes obras:
BARBOSA, JAA; ALVES,RRN. “Um chá de que?” – animais utilizados no preparo tradicional de bebids medicinais no agreste paraibano. Biofar – Rev.de biologia e farmácia, v. 4, n. 2, p. 1-12. Disponível em: . Acesso em: 13 de julho de 2014.
BRUGGER, P. Nós e os outros animais: especismo, veganismo e educação ambiental. Linhas Críticas, v. 15, n. 29, p. 197-214, 2009. Disponivel em: < http://seer.bce.unb.br/index.php/linhascriticas/article/viewArticle/6409>. Acesso em: 28 de julho de 2014.
COSTA NETO, EM. A zooterapia popular no Estado da Bahia: registro de novas espécies animais utilizadas como recursos medicinais. Ciência e Saúde Coletiva, n. 16, v. 1, p. 1639-1650, 2011. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/csc/v16s1/100v16s1.pdf>. Acesso em 10 de julho de 2014.
CRUZ, A. Zooterapia | Mascotes que ayudan a sanar. Animales Mascotas. 2012. Disponível em < http://animalesmascotas.com/zooterapia-mascotas-que-ayudan-a-sanar/> Acesso em 25 de julho de 2014.
DIAS, V. Zooterapia melhora qualidade de vida de idosos em asilo. Agência USP de Notícias, 2010. Disponível em < http://www.usp.br/agen/?p=28303> Acesso em 25 de julho de 2010.
FELIPE, Sônia T. Por uma questão de princípios: Alcance e limites da ética de Peter Singer em defesa dos animais. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2003, p. 85.
FISCHER, M. Zooterapia: uma relação de simbiose ou parasitismo? Etologia no dia-a-dia. 2011. Disponível em <http://etologia-no-dia-a-dia.blogspot.com.br/2011/10/zooterapia-uma-relacao-de-simbiose-ou.html>. Acesso em 10 de julho de 2014.

G1, Zooterapia ajuda no tratamento de crianças e adultos no interior de SP. 2012. Disponivel em: < http://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/2012/04/zooterapia-ajuda-no-tratamento-de-criancas-e-adultos-no-interior-de-sp.html>. Acesso em: 10 de julho de 2014.

KLINGER, K. Pesquisas mostram benefícios do convívio com animais. Folha de S. Paulo online, 2004. Disponível em . Acesso em: 20 julho 2014

MACHADO, JAC. Terapia Assistida por Animais (TAA). Rev. Cient. Elet. De Med. Veterinária, n. 6, v. 10, 2008. Disponível em: < https://xa.yimg.com/kq/groups/28220099/789003163/name/Terapia+com+animais.pdf>. Acesso em 20 de julho de 2014.
MOURA, FBP; MARQUES, JGW. Zooterapia popular na Chapada Diamantina:
uma medicina incidental?. Ciencia e Saúde Coletiva, n. 13, v. 2, p. 2179-2188, 2008. Disponível em: < http://www.scielosp.org/pdf/csc/v13s2/v13s2a23.pdf>. Acesso em 10 de julho de 2014.
MOTTI, GC. A prática de Ecoterapia como tratamento para pessoas com ansiedade. UCDB, 2007. Disponível em < http://www.livrosgratis.com.br/arquivos_livros/cp037822.pdf> Acesso em 25 junho de 2014
OLIVEIRA, AC. O princípio da igual consideração de interesses semelhantes na ética prática de Peter Singer. Barbarói, n. 34, 2011. Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/pdf/barbaroi/n34/n34a13.pdf >. Acesso em: 15 de julho de 2014.
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STUMM, KE et al. Terapia assistida por animais como facilitadora no cuidado a mulheres idosas institucionalizadas. Rev. Enferm UFSM, v. 2, n. 1, p. 205-212, 2012. Disponível em: . Acesso em 15 de julho de 2014.
TAVARES, R. O princípio da igualdade na relação do homem com os animais. Rev. Bras. de Direito Animal, n. 6, v. 8, p. 221-248, 2011. Disponível em: < http://www.animallaw.info/journals/jo_pdf/brazilvol8_2.pdf>. Acesso em 10 de julho de 2014.
TURNER, D. C. Animais são a cura do século XXI. Meu Animal Amigo. 2009. Disponível em: < http://meuanimalamigo.blogspot.com.br/2009/03/animais-sao-cura-do-seculo-xxi.html>. Acesso em: 20 de julho de 2014.
YAMAMOTO, KCM et al. Avaliação fisiológica e comportamental de cães utilizados em terapia assistida por animais (TAA). Arq. Bras. Med. Vet. Zootec., v.64, n.3, p.568-576, 2012. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/abmvz/v64n3/07.pdf>. Acesso em 20 de julho de 2014.

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