Série
Ensaios: Bioética Ambiental
Por: Fabiana Francielle Culau Leite e Rafael Reinaldo Novinski
Mestrandos do Programa de Pós-Graduação em Bioética
Zooterapia: o que é? MOTTI
(2007) refere terapias que se utilizam de animais como: Pet
Therapy, Zooterapia, Atividades com o Auxílio de Animais (AAA), Terapia
desenvolvida com uso de animais e Terapia Assistida por Animais (TAA).Define-se
a zooterapia como uma metodologia que
inclui animais como co-terapeutas no tratamento das patologias humanas, tanto
físicas quanto psíquicas (TURNER, 2009).Tendo em vista tais considerações, pode-se
considerar a zooterapia tanto como
sinônimo de TAA – onde o contato com animais domésticos e domesticados é
empregado concomitantemente às terapias tradicionais para patologias diversas –
bem como quando se utiliza partes do corpo de animais, produtos metabólicos,
secreções, excrementos ou materiais construídos por ele (ninhos e casulos, por
exemplo) (COSTA NETO, 2011; FISCHER, 2011). “A
TAA deve ser conduzida e orientada por profissionais da saúde devidamente
capacitados, e as ações devem ser registradas para possibilitar avaliações
periódicas, configurando-se como uma intervenção direcionada, individualizada e
com critérios específicos na qual o animal é fundamental no processo de
tratamento, e tem por finalidade melhorar aspectos como a função física,
social, emocional, e/ou cognitiva de pacientes humanos. (DELTA SOCIETY, 1996
apud MOTTI, 2007)”.O emprego de animais como forma terapêutica tem
registros a partir do século XVII e no Brasil a TAA aparece de forma expressiva
a partir da década de 1980. Porém, somente por volta dos anos 1990, são
fundados os primeiros Centros de Atendimento de TAA, onde se iniciaram as
pesquisas científicas sobre o tema (TURNER, 2006 apud MOTTI, 2007).A zooterapia atinge representação significativa
dentro de algumas realidades brasileiras, sobretudo em sociedades tradicionais,
devido às heranças indígenas, africanas e europeias (MOURA; MARQUES, 2008)
(COSTA NETO, 2011) (BARBOSA; ALVES, 2012) e tem sido empregada em diferentes
situações para auxiliar no melhoramento da situação clínica dos pacientes. Implantado pela Professora Maria de Fátima Martins da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da
USP, o projeto zooterápico “Desenvolvendo
a afetividade de idosos institucionalizados através dos animais” existe
desde 2006 e tem repercutido positivamente na saúde dos idosos, trazendo benefícios significativos na melhoria da qualidade de vida. O
contato com animais como cães, peixes, tartarugas, pássaros e até escargots vem proporcionando um aumento da afetividade, do
ânimo e da socialização dessas pessoas (DIAS, 2010). Em Santa Maria/RS,
o relacionamento com cães da raça pastor
alemão demonstrou melhora na qualidade de vida de idosas em instituição de
longa permanência (STUMM, et al,
2012), assim como em Botucatu-SP, a terapia com equinos tem ajudado crianças com “dificuldades de aprendizagem, hiperatividade, dislexia,
déficit de atenção e problemas de comportamento” (G1, 2012). “Algumas terapias podem ser nomeadas de acordo com o animal utilizado
tais como Equoterapia, terapia que utiliza o cavalo; Terapias com pequenos
animais: terapia que utiliza de coelho, gato, hamster, chinchila, periquito
(Calopsita); Cinoterapia, terapia com cães (TURNER, 2006 apud MOTTI, 2007)”Klinger (2004), afirma que o contato com os animais está além
do simples convívio com os humanos, além disso, existe a preocupação de
comprovar-se a eficácia da zooterapia, e assim, futuramente, esta pode vir a
ser uma disciplina acadêmica. “La zooterapia no tiene um margen limitado de
funcionamiento pues como toda terapia se mantiene em constante estudio y se van
descubriendo nuevas habilidades, sin embargo actualmente es utilizada em:
problemas de fobias, desordenes de personalidade, depresión, autismo,
alzhéimer, niños com síndrome de Down, personas con complicaciones y riesgos
cardíacos, y problemas de hiperactividad” (CRUZ, 2012.)
Princípio
da Igual Consideração de Interesses Semelhantes (PICIS) - Peter Singer postulou o Princípio de Igual
Consideração de Interesses Semelhantes (PICIS), onde o julgamento moral precisa
levar em consideração os interesses de todos aqueles que serão afetados por uma
conduta determinada, sem que se pesem as diferenças entre os sujeitos, sejam elas
de sexo, etnia, inteligência ou mesmo espécie, estando na capacidade de sentir
dor ou prazer o fundamento para determinar que o ser detenha interesses a serem
considerados (OLIVEIRA, 2011). Para
teoria ética tradicional: “Todos os seres
racionais e, por consequência, sujeitos morais encerram valor intrínseco em si
mesmo e devem ser tratados como fins: ao sujeito moral é vedado usar outro ser
humano como um meio para realizar suas vontades particulares. Por outro lado,
os seres não racionais, em especial os animais, não encerram valor em si e o
possuem somente de modo indireto e relativo, condicionado por uma vontade
exterior: eles são meios para a realização da vontade dos seres racionais e, se
existe um interesse em protegê-los, esse depende de deveres indiretos de
respeito”. (OLIVEIRA, 2001). Para Peter Singer, filósofo crítico da teoria
tradicional, é necessário redefinir a comunidade moral a partir de novas bases,
através do PICIS, para com isso incluir os seres não humanos sencientes e os
seres humanos não racionais sencientes no âmbito da comunidade moral (OLIVEIRA,
2011).Assim, se o homem tem razões para desejar o contato com os animais
durante a TAA, há que se pensar que o animal também tenha o interesse de não
ser desrespeitado ou submetido a estresse. Mais ainda quando se objetiva o uso
de animais, de suas partes ou excrementos como medida terapêutica. Aqui, o
questionamento de que, se a par do bem que traz
para o homem, existe respaldo ético para as práticas da TAA ou do uso
terapêutico da fauna.Oliveira (2011) ressalta ainda que não podemos justificar
a exploração dos animais ou de outros seres não humanos simplesmente por eles
não pertencerem à nossa espécie.
Zooterapia: Bom para quem? Um estudo publicado em 2012 (YAMAMOTO,
et al, 2012) demonstrou que
participar de atividades
de TAA não provocava nenhum prejuízo aos cães, que não foram acometidos por
estresse ou outras moléstias em decorrência das sessões, embora estas fossem
benéficas aos seres humanos. Ademais, como ressalta Machado et al (2008), tais sessões devem ser
sempre supervisionadas por profissionais de saúde habilitados e com o
acompanhamento de médico veterinário, a fim de resguardar o bem estar físico e
emocional dos animais envolvidos, sendo este mesmo um requisito para o bom
andamento da terapia. Igualmente, a melhora na qualidade de vida humana através
da TAA se fundamenta nos benefícios trazidos pelo envolvimento emocional com o
animal (RIBEIRO, 2011). No entanto, o uso de animais para fins terapêuticos
envolve questões deveras mais profundas. Não há como dizer que determinado
animal não humano sofre menos do que este frente à mesma situação, sem que seja
uma mera especulação mental. Sobretudo, se considerarmos que em determinados
quesitos os animais sejam dotados de sentidos muito mais apurados, há indícios
de que nas sensações de dor ou prazer não seja diferente (TAVARES, 2011). Soma-se
ainda o fato de que em muitas situações, o uso zooterápico envolve espécies em
extinção, o que em certos casos nem é de conhecimento das populações que os
emprega (COSTA NETO, 2011).
É ético utiliza-los? Pontua Tavares (2011), que em
situações em que a vida humana esteja em perigo, é possível que se encontre uma
justificativa aceitável para o sacrifício animal. Resta, no entanto estabelecer
se este recurso é o único disponível, ou se as comunidades são levadas a
procurar na fauna alívio para seus males apenas por costume herdado,
impulsionado pela falta de outro tipo de assistência. Premente, é que tal
questão não pode ser abordada de forma leviana, sendo que não existe
fundamentação ética nem científica, para justificar a separação entre animais humanos
e não humanos, que devem também ser incluídos na sociedade moral (BRUGGER, 2009). Singer (2003) sustenta que os agentes morais
possuem obrigação moral direta de consideração para com todos os seres
sencientes e o dever de reconhecer que eles são dignos de realização de seus
fins específicos e não para servir aos interesses dos seres humanos.
Nós como
futuros bioticistas acreditamos que a diferença atribuída ao valor da vida de
um ser autoconsciente em relação ao valor de vida de um ser senciente resulta
do fato de o primeiro apresentar uma gama de interesses mais refinados, além de
fazer de sua ação um tipo de investimento para garantir a vida para além do
momento presente.
O
presente ensaio foi elaborado para a disciplina de Fundamentos de Bioética do
Programa de Bioética da PUCPR baseado nas seguintes obras:
BARBOSA, JAA; ALVES,RRN.
“Um chá de que?” – animais utilizados
no preparo tradicional de bebids medicinais no agreste paraibano. Biofar –
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.
Acesso em: 13 de julho de 2014.
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