quinta-feira, 14 de agosto de 2014

As Leis de Crimes ambientais são para todos? A necessidade de uma ecologia social e a aplicação do Princípio da Virtude, da compaixão e da solidariedade.



Série Ensaios: Bioética Ambiental

Por  Roberto Rohregger e Claudia Nasser

Mestrandos do Programa de Bioética da Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR



Ele usava a casca de árvore para fazer chá para sua mulher, que está doente
O ministro José Sarney Filho (Meio Ambiente) e as entidades ambientalistas Greenpeace e ISA (Instituto Socioambiental) criticaram a prisão, em flagrante, do lavrador Josias Francisco dos Anjos, 58, que, durante dois anos, raspou a casca de uma árvore para fazer chá para sua mulher, que está doente. Josias raspava a casca de uma árvore chamada almesca, em uma área de preservação permanente que fica às margens do córrego Pindaíba, em Planaltina (a 44 km de Brasília). O lavrador disse que usava a casca para fazer chá para a mulher, Erotildes Guimarães. Ela tem Doença de Chagas. Josias conta que soube que o chá melhorava as condições dos acometidos pela doença. Segunda-feira, Josias foi surpreendido com um tiro para o alto, dado por soldados da Polícia Florestal, quando raspava a almesca. Preso em flagrante delito, algemado e levado para a delegacia, o lavrador foi enquadrado na Lei do Meio Ambiente (9.605, de 98).Segundo o delegado Ivanilson Severino de Melo, Josias provocou “danos diretos ao patrimônio ambiental”, crime previsto no artigo 40 da lei. O delito, inafiançável, é punido com 1 a 5 anos de prisão. Josias foi colocado numa cela com outros cinco presos, acusados de homicídio e roubo. O ministro Sarney Filho foi visitar o preso e prestar-lhe solidariedade. Esteve na CPE (Coordenação de Polícia Especializada) ontem à tarde e mandou, depois, uma equipe do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) para estudar providências jurídicas a favor de Josias. “No Brasil, ladrão de galinha vai preso, mas os grandes criminosos do colarinho branco estão soltos”. Josias disse que nunca roubou nada. “Eu não sei ler, nem escrever”, afirmou. “Cá na minha ignorância, eu não sabia que era crime tirar raspa de árvore, que foi Deus que fez, para dar chá para minha mulher”. O lavrador chorou várias vezes. “Estou com vergonha até da minha mulher, por ela ser casada com um homem que já foi preso”. Para Josias, a honra é um patrimônio que a prisão lhe tirou. Os ambientalistas também protestaram. Desta vez, a favor do acusado. “A gente tem coisa muito mais relevante como as madeireiras dilapidando o patrimônio ambiental dentro de áreas indígenas”, disse Délcio Rodrigues, do Greenpeace. Segundo ele, o governo admite que 70% da madeira que é removida da Amazônia é retirada de forma ilegal. Rodrigues acredita que é preciso informar às pessoas que raspam cascas de árvores que não o façam circundando todo o tronco, porque pode matar a planta. “Essa prisão é um absurdo”, disse André Lima, assessor jurídico do ISA. Na sua opinião, deveria haver multa, levando-se em conta a situação financeira do acusado de cometer o crime. “Se não houver nenhum tipo de punição, pode haver efeito multiplicador que danificaria o ecossistema”, afirmou.

 
            A ecologia vem tornando-se a cada dia mais importante e recebendo maior atenção pela sociedade em geral. Governos, políticos e empresas têm acenado através de ações práticas a importância deste tema, culminando na criação de partido político que se fundamenta no cuidado com a natureza. Porém na prática a realidade tem se mostrado outra, seja por uma visão distorcida que no afã de cuidar da natureza à coloca acima do ser humano, distorcendo assim a harmonia que deve haver entre o homem e o ambiente. Por outro lado, temos grandes áreas de preservação que são desmatadas de forma totalmente ilegal, trazendo grande prejuízo, não apenas ecológico mas social, aliás não há como separar uma tragédia ecológica da tragédia social. Faz-se necessário que haja, além da letra da lei, sua correta aplicação com a devida justiça, a conscientização de uma ecologia que inclua o indivíduo em sua aplicabilidade. Aristóteles já afirmava que para uma convivência sábia é necessário que o homem tenha virtude.
          
  Através do conceito de Virtude, Aristóteles tinha como objetivo responder a uma necessidade, organizar a vida do homem em sociedade. Logo era preciso trabalhar para formar do indivíduo um cidadão, a meta era o bem e este é a preparação para viver com os outros na polis. O bem estar da polís em geral era a meta última. Uma ecologia social não trata somente dos sistemas ambientais, ou o problema específico de determinada espécie em extinção. Pretende-se aqui ampliar o tema transformando a noção de ecologia e a forma de relacionamento do homem com a natureza. Face da necessidade de uma consciência por parte de toda a sociedade, civil e governamental, encontramos um paradigma uma vez que a inclusão social necessita de desenvolvimento econômico e o desenvolvimento requer avançar no meio ambiente. Parece que estamos em um círculo vicioso, o que requer uma remodelagem dos padrões sociais, baseados mais na distribuição, no repartir do que no acumular, e aqui somos confrontados com o desejo de Deus no relato da criação, o homem e a natureza em harmonia.  Segundo Boff a quebra deste paradigma deve ser o “cuidar”: O cuidado serve de crítica à nossa civilização agonizante e também de princípio inspirador de um novo paradigma de convivialidade. (...) . Há um descuido e um descaso, pela vida inocente das crianças; pela sorte dos desempregados e aposentados; pelos sonhos de generosidade; pela sociabilidade nas cidades; pela dimensão espiritual do ser humano; pela salvaguarda de nossa casa comum, o planeta Terra(...) (BOFF, 2001, p.19)
As ideias gerais da ecologia social versam que antes de mais nada cumpre enfatizar:
            - Não basta, em ecologia, o conservacionismo: conservar as espécies em extinção, como se a ecologia se restringisse somente a um setor da natureza, aquele biótico ameaçado. Hoje todo o planeta deve ser conservado, porque todo ele está ameaçado.
            -Não basta o preservacionismo: preservar, por reservas ou parques naturais, regiões onde se conserva o equilibro ambiental. Isso propicia apenas o turismo ecológico e induziria a um comportamento reducionista; somente nestas reservas o ser humano teria um comportamento de respeito e veneração, em outros lugares obedeceria a lógica da devastação.
            -Não basta o ambientalismo, como se a ecologia tivesse apenas a ver com ambiente natural, com o verde, as águas e o ar. Esta perspectiva pode ser até anti-humanista, segundo a qual, o ambiente é melhor sem o homem/mulher. Estes seriam antes o satã da terra do que o anjo bom e protetor. Diz-se: onde o ser humano anuncia sua presença revela agressão e apropriação egoísta dos bens da terra. Essa visão ambientalista é encontradiça em muitos no hemisfério norte. Depois de haverem dominado política e economicamente o mundo, o querem, purificado,s omente para si. A realidade é que o ser humano faz parte do meio-ambiente. Ele é um ser da natureza com capacidade de modificar a natureza e a si mesmo e assim fazer cultura; ele pode agir com a natureza expandindo-a, bem como contra a natureza agredindo-a. Devemos estar atentos a um ambientalismo político que esconde por detrás de seus projetos, uma atitude de permanente violação ecológica. Este ambientalismo político quer uma harmonia entre sociedade e ambiente. Mas esta harmonia visa desenvolver técnicas para saquear o ambiente natural com a menor alteração possível do habitat humano. Perdura nesta visão a ideia de saquear a terra, de que o ser humano deve dominar a natureza; então mais que uma harmonia permanente, se quer, na verdade, uma trégua, para a natureza se refazer das chagas, para em seguida continuar a ser devastada. O que importa, hoje, é ultrapassar o paradigma da modernidade, devastador e energívoro e desenvolver uma nova aliança ser humano-natureza. aAliança que os faz a ambos aliados no equilíbrio, na conservação, no desenvolvimento e na garantia de um destino e futuro comum.
- Não basta a ecologia humana que se ocupa com as ações e reações do ser humano universal, relacionado com o meio-ambiente. Ela é importante, porque trabalha as categorias mentais (ecologia mental) que faz com que o ser humano singular seja mais ou menos benevolente ou mais ou menos agressivo. Mas é ainda uma visão idealista, pois o ser humano não vive no geral mas nas malhas de relações sociais. As próprias predisposições mentais e psíquicas possuem uma característica eminentemente social. Por isso precisamos de uma adequada ecologia social que saiba articular a justiça social com a justiça ecológica. É dentro da ecologia social que os temas da pobreza e da miséria devem ser discutidos. Pobreza e miséria são questões eco-sociais que devem encontrar uma solução eco-social.
      
      Olhando pelo prisma social a questão ecológica não é apenas uma questão biológica, hoje ela se apresenta como uma questão ética, trata-se das condições de vida e sobrevivência do ser humano neste planeta, e tratando-se de um dilema ético é passível de uma abordagem teológica. Desta forma faz-se urgente uma mudança de paradigma, como afirma Boff em “Virtudes para um outro mundo possível – Hospitalidade” :(...)Este fato suscita lenta e progressivamente um novo estado de consciência. Da consciência de etnia e de classe passamos a consciência de espécie homo sapiens e demens. Descobrimo-nos membros da grande família humana e membros da comunidade de vida, irmãos e irmãs, primos e primas de outros representantes da imensa biodiversidade, plantas e animais, que caracterizam a biosfera, aquela camada fina que cerca a Terra constituindo o sistema-vida. Certamente, é  mais que uma pequena membrana de vida. É apenas a parte mais visível do próprio planeta Terra, entendido como superorganismo vivo, Mãe, Pachamama e Gaia. “ (BOFF, 2005, p. 18). 
 Como futuros Bioeticistas acreditamos que ser humano necessita uma redefinição da sua relação com a natureza, esta redefinição passa por reconhecer a natureza como algo próximo a si, somente esta reaproximação com a natureza pode mudar nosso relacionamento com a vida. Ninguém é virtuoso se não pratica a virtude, e a prática da virtude passa pelo entendimento de que devemos tomar decisões justas e requer um posicionamento individual. Mas para que isso acontece devemos promover a sensibilidade de toda a sociedade em todos os níveis através da educação e orientação ecológica.  Não se pode cobrar de forma igual aqueles que são desiguais, uma legislação mais justa deve reconhecer isso, uma relação extrativista individual deve ser orientada para que seja sustentável, isto aproxima através da educação o indivíduo e a natureza. O extrativismo ilegal deve ser combatido de forma rígida, pois não somente afasta o ser humano da natureza, pois seu olhar é apenas mercantilista, como promove a degradação ambiental de forma extrema. Para o primeiro se pede orientação e educação para o segundo o rigor e a aplicação da lei. Desta forma estaremos de fato aplicando a justiça com equidade pois a  justa medida tanto na justiça, quanto na distribuição de bens, as vantagens, os ganhos e seus contrários, deve ser feita a medida de cada um, conforme a capacidade de cada um.

“A justiça está na igualdade, porém não para todos, mas para iguais; e a desigualdade é justa, não, porém, para todos, mas para desiguais.” ( Politica III, IV) Aristóteles.

O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Fundamentos da Bioética, baseado nas seguintes obras:
 
Boff, Leonardo; Saber Cuidar; Ética do humano – Compaixão pela terra; Editora Vozes; 2001; 7ª ed. Petrólis; RJ
Boff, Leonardo; Virtudes para um outro mundo possível – Hospitalidade ; Editora Vozes; 2005; 1ª ed. Petrólis; RJ

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