Série Ensaios: Bioética Ambiental
Por Roberto
Rohregger e Claudia Nasser
Mestrandos do
Programa de Bioética da Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR
Ele usava a casca de árvore para fazer chá
para sua mulher, que está doente
O ministro José Sarney Filho (Meio Ambiente)
e as entidades ambientalistas Greenpeace e ISA (Instituto Socioambiental)
criticaram a prisão, em flagrante, do lavrador Josias Francisco dos Anjos, 58,
que, durante dois anos, raspou a casca de uma árvore para fazer chá para sua
mulher, que está doente. Josias raspava a casca de uma árvore chamada almesca,
em uma área de preservação permanente que fica às margens do córrego Pindaíba,
em Planaltina (a 44 km de Brasília). O lavrador disse que usava a casca para
fazer chá para a mulher, Erotildes Guimarães. Ela tem Doença de Chagas. Josias
conta que soube que o chá melhorava as condições dos acometidos pela doença. Segunda-feira,
Josias foi surpreendido com um tiro para o alto, dado por soldados da Polícia
Florestal, quando raspava a almesca. Preso em flagrante delito, algemado e
levado para a delegacia, o lavrador foi enquadrado na Lei do Meio Ambiente
(9.605, de 98).Segundo o delegado Ivanilson Severino de Melo, Josias provocou “danos
diretos ao patrimônio ambiental”, crime previsto no artigo 40 da lei. O delito,
inafiançável, é punido com 1 a 5 anos de prisão. Josias foi colocado numa cela
com outros cinco presos, acusados de homicídio e roubo. O ministro Sarney Filho
foi visitar o preso e prestar-lhe solidariedade. Esteve na CPE (Coordenação de
Polícia Especializada) ontem à tarde e mandou, depois, uma equipe do Ibama
(Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) para
estudar providências jurídicas a favor de Josias. “No Brasil, ladrão de galinha
vai preso, mas os grandes criminosos do colarinho branco estão soltos”. Josias
disse que nunca roubou nada. “Eu não sei ler, nem escrever”, afirmou. “Cá na
minha ignorância, eu não sabia que era crime tirar raspa de árvore, que foi
Deus que fez, para dar chá para minha mulher”. O lavrador chorou várias vezes. “Estou
com vergonha até da minha mulher, por ela ser casada com um homem que já foi
preso”. Para Josias, a honra é um patrimônio que a prisão lhe tirou. Os
ambientalistas também protestaram. Desta vez, a favor do acusado. “A gente tem
coisa muito mais relevante como as madeireiras dilapidando o patrimônio
ambiental dentro de áreas indígenas”, disse Délcio Rodrigues, do Greenpeace. Segundo
ele, o governo admite que 70% da madeira que é removida da Amazônia é retirada
de forma ilegal. Rodrigues acredita que é preciso informar às pessoas que
raspam cascas de árvores que não o façam circundando todo o tronco, porque pode
matar a planta. “Essa prisão é um absurdo”, disse André Lima, assessor jurídico
do ISA. Na sua opinião, deveria haver multa, levando-se em conta a situação
financeira do acusado de cometer o crime. “Se não houver nenhum tipo de
punição, pode haver efeito multiplicador que danificaria o ecossistema”,
afirmou.
A
ecologia vem tornando-se a cada dia mais
importante e recebendo maior atenção pela sociedade em geral. Governos,
políticos e empresas têm acenado através de ações práticas a importância deste
tema, culminando na criação de partido político que se fundamenta no
cuidado com a natureza. Porém na prática a realidade tem se mostrado outra,
seja por uma visão distorcida que no afã de cuidar da natureza à coloca acima
do ser humano, distorcendo assim a
harmonia que deve haver entre o homem e o ambiente. Por outro lado, temos
grandes áreas de preservação que são desmatadas
de forma totalmente ilegal, trazendo grande prejuízo, não apenas ecológico mas
social, aliás não há como separar uma tragédia ecológica da tragédia social.
Faz-se necessário que haja, além da letra da lei, sua correta aplicação com a
devida justiça, a conscientização de uma ecologia que inclua o indivíduo em sua
aplicabilidade. Aristóteles já afirmava que para
uma convivência sábia é necessário que o homem tenha virtude.
As ideias gerais da
ecologia social versam que antes de mais nada cumpre enfatizar:
- Não basta, em ecologia, o conservacionismo: conservar as
espécies em extinção, como se a ecologia se restringisse
somente a um setor da natureza, aquele biótico ameaçado. Hoje todo o planeta
deve ser conservado, porque todo ele está ameaçado.
-Não basta o preservacionismo:
preservar, por reservas ou parques naturais, regiões onde se conserva o
equilibro ambiental. Isso propicia apenas o turismo ecológico e
induziria a um comportamento reducionista; somente nestas reservas o ser humano
teria um comportamento de respeito e veneração, em outros lugares obedeceria a
lógica da devastação.
-Não basta o ambientalismo, como se
a ecologia tivesse apenas a ver com ambiente natural, com o verde, as águas e o
ar. Esta perspectiva pode ser até anti-humanista, segundo a qual, o ambiente é
melhor sem o homem/mulher. Estes seriam antes o satã da terra do que o anjo bom
e protetor. Diz-se: onde o ser humano anuncia sua presença revela agressão e
apropriação egoísta dos bens da terra. Essa visão ambientalista é encontradiça
em muitos no hemisfério norte. Depois de haverem dominado política e
economicamente o mundo, o querem, purificado,s omente para si. A realidade é
que o ser humano faz parte do meio-ambiente. Ele é um ser da natureza com
capacidade de modificar a natureza e a si mesmo e assim fazer cultura; ele pode
agir com a natureza expandindo-a, bem como contra a natureza agredindo-a.
Devemos estar atentos a um ambientalismo político que esconde por detrás de
seus projetos, uma atitude de permanente violação ecológica. Este ambientalismo
político quer uma harmonia entre sociedade e ambiente. Mas esta harmonia visa
desenvolver técnicas para saquear o ambiente natural com a menor alteração
possível do habitat humano. Perdura nesta visão a ideia de saquear a terra, de
que o ser humano deve dominar a natureza; então mais que uma harmonia
permanente, se quer, na verdade, uma trégua, para a natureza se refazer das
chagas, para em seguida continuar a ser devastada. O que importa, hoje, é
ultrapassar o paradigma da modernidade, devastador e energívoro e desenvolver
uma nova aliança ser humano-natureza. aAliança que os faz a ambos aliados no
equilíbrio, na conservação, no desenvolvimento e na garantia de um destino e
futuro comum.
- Não basta a
ecologia humana que se ocupa com as ações e reações do ser humano universal,
relacionado com o meio-ambiente. Ela é importante, porque trabalha as
categorias mentais (ecologia mental) que faz com que o ser humano singular seja
mais ou menos benevolente ou mais ou menos agressivo. Mas é ainda uma visão
idealista, pois o ser humano não vive no geral mas nas malhas de relações
sociais. As próprias predisposições mentais e psíquicas possuem uma
característica eminentemente social. Por isso precisamos de uma adequada ecologia
social que saiba articular a justiça social com a justiça
ecológica. É dentro da ecologia social que os temas da pobreza e da miséria
devem ser discutidos. Pobreza e miséria são questões eco-sociais que devem
encontrar uma solução eco-social.
Como futuros Bioeticistas acreditamos que ser humano necessita uma
redefinição da sua relação com a natureza, esta redefinição passa por
reconhecer a natureza como algo próximo a si, somente esta reaproximação com a
natureza pode mudar nosso relacionamento com a vida. Ninguém é virtuoso se não
pratica a virtude, e a prática da virtude passa pelo entendimento de que
devemos tomar decisões justas e requer um posicionamento individual. Mas para
que isso acontece devemos promover a sensibilidade de toda a sociedade em todos
os níveis através da educação e orientação ecológica. Não se pode cobrar de forma igual aqueles que
são desiguais, uma legislação mais justa deve reconhecer isso, uma relação
extrativista individual deve ser orientada para que seja sustentável, isto
aproxima através da educação o indivíduo e a natureza. O extrativismo ilegal
deve ser combatido de forma rígida, pois não somente afasta o ser humano da
natureza, pois seu olhar é apenas mercantilista, como promove a degradação
ambiental de forma extrema. Para o primeiro se pede orientação e educação para
o segundo o rigor e a aplicação da lei. Desta forma estaremos de fato aplicando
a justiça com equidade pois a justa
medida tanto na justiça, quanto na distribuição de bens, as vantagens, os
ganhos e seus contrários, deve ser feita a medida de cada um, conforme a
capacidade de cada um.
“A justiça está na igualdade, porém não para todos, mas para iguais; e a
desigualdade é justa, não, porém, para todos, mas para desiguais.” ( Politica
III, IV) Aristóteles.
O presente ensaio foi elaborado para
disciplina de Fundamentos da Bioética, baseado nas seguintes obras:
Boff, Leonardo; Saber Cuidar; Ética do humano –
Compaixão pela terra; Editora Vozes; 2001; 7ª ed. Petrólis; RJ
Boff, Leonardo; Virtudes para um outro mundo possível
– Hospitalidade ; Editora Vozes; 2005; 1ª ed. Petrólis; RJ
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