sÉRIE eNSAIOS: bIOÉTICA
aMBIENTAL
Por CARMEN LUCIANE
SANSON ABOURIHAN e MARCELO HAPONIUK ROCHA
Mestrandos do Programa de Pós-Graduação
em Bioética - PUCPR
Em dezembro do ano
passado, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) autorizou
as empresas do setor avícola a utilizarem, nos rótulos de seus produtos, a
mensagem “Sem uso de hormônio, como estabelece a legislação brasileira”. A
regra em questão é a Instrução Normativa nº 17, de 18 de junho de 2004.Em
teoria, esse aviso nem precisaria ser colocado nas embalagens. Nenhum frango
criado no Brasil leva hormônios. Nunca levou. Mas a difusão de ideias enganosas
é mais séria do que parece. Uma pesquisa encomendada pela União Brasileira de
Avicultura (Ubabef), em março de 2012, apontou que 72% da população brasileira
acredita que hormônios sejam utilizados na criação de aves. Não há dado sólido
que apoie esse ponto de vista. Experimente fazer uma pesquisa sobre frangos com
hormônios em um site de buscas na internet, e muito provavelmente não vai achar
nem sequer um artigo ou pesquisa séria que sustente essa denúncia. O mito
existe, em grande parte, porque o frango atualmente se desenvolve em ritmo
muito mais acelerado do que há algumas décadas. As aves hoje crescem em um
terço do tempo que levavam nos anos 1950, e consumindo apenas um terço da
quantidade de alimento. Essa evolução trouxe a suspeita de injeção de
hormônios. O frango cresce mais rapidamente por ingerir uma dieta calculada
minuciosamente para satisfazer sua demanda corporal. Além disso, décadas de
seleção genética e evolução no tratamento melhoraram o ritmo de ganho de peso
do animal. Não há nada de estranho nisso; todos os ramos da agropecuária e da
indústria tiveram técnicas aperfeiçoadas ao longo do tempo.
Entendemos como importante expor o
direcionamento oficial do Estado brasileiro através do MAPA (Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento) quanto ao bem-estar animal, basicamente
assim é manifestado2: O Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento é responsável pelo fomento de ações que
garantam o bem-estar animal por meio da Secretaria de Desenvolvimento
Agropecuário e Cooperativismo (SDC). Para tanto foi formalizada uma comissão
para cuidar especialmente das questões relativas a esse tema, que é a Comissão
Técnica Permanente de Bem-Estar Animal – CTBEA (criada pela Portaria nº 185, de
2008).
[...]
Dentre as atribuições da CTBEA estão a divulgação e a proposição de boas
práticas de manejo, o alinhamento da legislação brasileira com os avanços
científicos e os critérios estabelecidos pelos acordos internacionais dos quais
o Brasil é signatário, bem como preparar e estimular o setor agropecuário
brasileiro para o atendimento às novas exigências dos principais mercados
importadores. A
inclusão do termo bem-estar animal em documento oficial do nosso governo nos
colocaria em posição muito avançada se compararmos com outras nações, mais
ainda quando dependemos em muito da agropecuária, com equivalente sistema de
produção de frangos. Todavia, a ilusão é logo desfeita se continuarmos a
pesquisar em outras manifestações governamentais3: Na produção de aves,
o controle automático de temperatura, da umidade e do fornecimento de água e
ração são os principais fatores de aumento da produção. Parceria firmada entre
o governo e indústrias permite excelência técnica em todas as etapas da cadeia
produtiva, o que resulta em um produto saudável, de alta qualidade e que
responde com rapidez às demandas dos consumidores.
Aqui claramente podemos observar que o
controle de temperatura, umidade, líquido e alimentos são voltados não a
proporcionar o bem-estar do animal e sim como “fatores de aumento de produção” isto é, os animais continuam sendo
tratados como produtos e a busca de proporcionar “bem-estar” não é dirigida
para garantir uma existência com alguma qualidade de vida. É o bem estar do
produto para obter uma mercadoria melhor, sem qualquer consideração ao ser
vivo.
Em outra manifestação na página eletrônica do
MAPA é possível ver no mesmo documento o flerte oficial com os dois motivos
(cremos que antagônicos) para o respeito ao bem-estar animal4:
É
necessário ter conceito claro sobre bem-estar animal a fim de permitir medições
científicas precisas, redação de documentos legais e discussões públicas.Dentre
os conceitos mais aceitos no meio científico está a definição de BROOM (1986)
onde o bem-estar de um indivíduo é seu estado em relação às suas tentativas de
adaptar-se ao seu ambiente. Buscando a praticidade para avaliação de sistemas
produtivos, podemos aplicar este conceito entendendo o bem-estar como o grau de
dificuldade que um animal enfrenta (e demonstra) para viver onde está.Também
aceito e utilizado o Conceito das Cinco Liberdades* descrito por BRAMBELL
(1965) são princípios cujos ideais utópicos podem ser utilizados como
diretrizes para avaliação das práticas de manejo.
Percebe-se
uma tendência da sociedade brasileira e dos mercados importadores de produtos
de origem animal em demandar dos governos padrões mínimos de bem-estar animal
nas cadeias produtivas. Isto porque as questões envolvidas possuem forte
presença nos códigos morais e éticos de vários países, sendo que o tratamento
apropriado dos animais não é mais aceito como alternativa de livre escolha. Produtores
e empresas que atendem aos requisitos de bem-estar animal estão em posição
privilegiada nas negociações pois estes requisitos se tornam características
intrínsecas do produto, expressando um valor econômico potencial. Acrescentamos
que pequenas alterações de manejo e instalações, mesmo associadas a baixos
investimentos, podem representar uma elevação importante no padrão de bem-estar
dos animais, minimizando perdas nos sistemas produtivos. *Cinco Liberdades: 1.
Livre de fome e sede; 2. Livre de desconforto; 3. Livre de dor, ferimentos e
doenças; 4. Livre de medo e angústia; 5. Livre para expressar seu comportamento
natural.
Ao mesmo tempo em que discursa pelo bem-estar
animal com a definição de Broom e de Bramell - que são referências diretas ao
bem-estar pelo animal – deixa claro que o “bem-estar” somente como fator de
elevação de produção e satisfação do mercado, citamos “produtores e empresas
que atendem aos requisitos ... expressando valor econômico potencial”. Assim o
Estado flerta com conceitos protetivos e aplica objetivos exclusivamente
econômicos. Surge então a indagação o que seria “bem-estar animal”, novamente
recorremos ao constante na página oficial do MAPA, (Programa Nacional de Abate
Humanitário, pg.11)5:
A
primeira definição elaborada sobre bem-estar pelo Comitê foi: “Bem-estar é um
termo amplo que abrange tanto o estado físico quanto o mental do animal. Por
isso, qualquer tentativa para avaliar o nível de bem-estar em que os animais se
encontram deve levar em conta a evidência científica existente relacionada aos
sentimentos dos animais. Essa evidência deverá descrever e compreender a
estrutura, função e formas comportamentais que expressam o que o animal sente”.
Essa definição, pela primeira vez na história, fez uma referência aos
sentimentos dos animais. Posteriormente, surgiram várias definições sobre o
assunto bem-estar, como a de Barry O. Hughes em 1976: “É um estado de completa
saúde física e mental, em que o animal está em harmonia com o ambiente que o
rodeia”. No entanto, a definição mais utilizada é a de Donald M. Broom (1986):
“O estado de um indivíduo durante suas tentativas de se ajustar ao ambiente”.
Nesta definição, bem-estar significa “estado” ou “qualidade de vida”, que pode
variar entre muito bom a muito ruim. Um animal pode não conseguir, apesar de
várias tentativas, ajustar-se ao ambiente e, portanto, ter um bem-estar ruim,
por exemplo, uma ave com hipertermia por não conseguir se adaptar a um ambiente
com alta temperatura e umidade.
O
presente ensaio foi elaborado para disciplina “Fundamentos da Bioética” tendo
como base as obras:
Muito bem orientado o artigo, de grande serventia para esclarecimentos, obrigado.
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