quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Bem-Estar Dos Animais De Produção Sob O Enfoque Governamental E À Luz Da Bioética



sÉRIE eNSAIOS: bIOÉTICA aMBIENTAL

Por CARMEN LUCIANE SANSON ABOURIHAN e MARCELO HAPONIUK ROCHA
Mestrandos do Programa de Pós-Graduação em Bioética - PUCPR

Em dezembro do ano passado, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) autorizou as empresas do setor avícola a utilizarem, nos rótulos de seus produtos, a mensagem “Sem uso de hormônio, como estabelece a legislação brasileira”. A regra em questão é a Instrução Normativa nº 17, de 18 de junho de 2004.Em teoria, esse aviso nem precisaria ser colocado nas embalagens. Nenhum frango criado no Brasil leva hormônios. Nunca levou. Mas a difusão de ideias enganosas é mais séria do que parece. Uma pesquisa encomendada pela União Brasileira de Avicultura (Ubabef), em março de 2012, apontou que 72% da população brasileira acredita que hormônios sejam utilizados na criação de aves. Não há dado sólido que apoie esse ponto de vista. Experimente fazer uma pesquisa sobre frangos com hormônios em um site de buscas na internet, e muito provavelmente não vai achar nem sequer um artigo ou pesquisa séria que sustente essa denúncia. O mito existe, em grande parte, porque o frango atualmente se desenvolve em ritmo muito mais acelerado do que há algumas décadas. As aves hoje crescem em um terço do tempo que levavam nos anos 1950, e consumindo apenas um terço da quantidade de alimento. Essa evolução trouxe a suspeita de injeção de hormônios. O frango cresce mais rapidamente por ingerir uma dieta calculada minuciosamente para satisfazer sua demanda corporal. Além disso, décadas de seleção genética e evolução no tratamento melhoraram o ritmo de ganho de peso do animal. Não há nada de estranho nisso; todos os ramos da agropecuária e da indústria tiveram técnicas aperfeiçoadas ao longo do tempo.


Entendemos como importante expor o direcionamento oficial do Estado brasileiro através do MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) quanto ao bem-estar animal, basicamente assim é manifestado2: O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento é responsável pelo fomento de ações que garantam o bem-estar animal por meio da Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo (SDC). Para tanto foi formalizada uma comissão para cuidar especialmente das questões relativas a esse tema, que é a Comissão Técnica Permanente de Bem-Estar Animal – CTBEA (criada pela Portaria nº 185, de 2008).
[...] Dentre as atribuições da CTBEA estão a divulgação e a proposição de boas práticas de manejo, o alinhamento da legislação brasileira com os avanços científicos e os critérios estabelecidos pelos acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário, bem como preparar e estimular o setor agropecuário brasileiro para o atendimento às novas exigências dos principais mercados importadores. A inclusão do termo bem-estar animal em documento oficial do nosso governo nos colocaria em posição muito avançada se compararmos com outras nações, mais ainda quando dependemos em muito da agropecuária, com equivalente sistema de produção de frangos. Todavia, a ilusão é logo desfeita se continuarmos a pesquisar em outras manifestações governamentais3: Na produção de aves, o controle automático de temperatura, da umidade e do fornecimento de água e ração são os principais fatores de aumento da produção. Parceria firmada entre o governo e indústrias permite excelência técnica em todas as etapas da cadeia produtiva, o que resulta em um produto saudável, de alta qualidade e que responde com rapidez às demandas dos consumidores.
 Aqui claramente podemos observar que o controle de temperatura, umidade, líquido e alimentos são voltados não a proporcionar o bem-estar do animal e sim como “fatores de aumento de produção” isto é, os animais continuam sendo tratados como produtos e a busca de proporcionar “bem-estar” não é dirigida para garantir uma existência com alguma qualidade de vida. É o bem estar do produto para obter uma mercadoria melhor, sem qualquer consideração ao ser vivo.
Em outra manifestação na página eletrônica do MAPA é possível ver no mesmo documento o flerte oficial com os dois motivos (cremos que antagônicos) para o respeito ao bem-estar animal4: É necessário ter conceito claro sobre bem-estar animal a fim de permitir medições científicas precisas, redação de documentos legais e discussões públicas.Dentre os conceitos mais aceitos no meio científico está a definição de BROOM (1986) onde o bem-estar de um indivíduo é seu estado em relação às suas tentativas de adaptar-se ao seu ambiente. Buscando a praticidade para avaliação de sistemas produtivos, podemos aplicar este conceito entendendo o bem-estar como o grau de dificuldade que um animal enfrenta (e demonstra) para viver onde está.Também aceito e utilizado o Conceito das Cinco Liberdades* descrito por BRAMBELL (1965) são princípios cujos ideais utópicos podem ser utilizados como diretrizes para avaliação das práticas de manejo.
Percebe-se uma tendência da sociedade brasileira e dos mercados importadores de produtos de origem animal em demandar dos governos padrões mínimos de bem-estar animal nas cadeias produtivas. Isto porque as questões envolvidas possuem forte presença nos códigos morais e éticos de vários países, sendo que o tratamento apropriado dos animais não é mais aceito como alternativa de livre escolha. Produtores e empresas que atendem aos requisitos de bem-estar animal estão em posição privilegiada nas negociações pois estes requisitos se tornam características intrínsecas do produto, expressando um valor econômico potencial. Acrescentamos que pequenas alterações de manejo e instalações, mesmo associadas a baixos investimentos, podem representar uma elevação importante no padrão de bem-estar dos animais, minimizando perdas nos sistemas produtivos. *Cinco Liberdades: 1. Livre de fome e sede; 2. Livre de desconforto; 3. Livre de dor, ferimentos e doenças; 4. Livre de medo e angústia; 5. Livre para expressar seu comportamento natural.
 Ao mesmo tempo em que discursa pelo bem-estar animal com a definição de Broom e de Bramell - que são referências diretas ao bem-estar pelo animal – deixa claro que o “bem-estar” somente como fator de elevação de produção e satisfação do mercado, citamos “produtores e empresas que atendem aos requisitos ... expressando valor econômico potencial”. Assim o Estado flerta com conceitos protetivos e aplica objetivos exclusivamente econômicos. Surge então a indagação o que seria “bem-estar animal”, novamente recorremos ao constante na página oficial do MAPA, (Programa Nacional de Abate Humanitário, pg.11)5: A primeira definição elaborada sobre bem-estar pelo Comitê foi: “Bem-estar é um termo amplo que abrange tanto o estado físico quanto o mental do animal. Por isso, qualquer tentativa para avaliar o nível de bem-estar em que os animais se encontram deve levar em conta a evidência científica existente relacionada aos sentimentos dos animais. Essa evidência deverá descrever e compreender a estrutura, função e formas comportamentais que expressam o que o animal sente”. Essa definição, pela primeira vez na história, fez uma referência aos sentimentos dos animais. Posteriormente, surgiram várias definições sobre o assunto bem-estar, como a de Barry O. Hughes em 1976: “É um estado de completa saúde física e mental, em que o animal está em harmonia com o ambiente que o rodeia”. No entanto, a definição mais utilizada é a de Donald M. Broom (1986): “O estado de um indivíduo durante suas tentativas de se ajustar ao ambiente”. Nesta definição, bem-estar significa “estado” ou “qualidade de vida”, que pode variar entre muito bom a muito ruim. Um animal pode não conseguir, apesar de várias tentativas, ajustar-se ao ambiente e, portanto, ter um bem-estar ruim, por exemplo, uma ave com hipertermia por não conseguir se adaptar a um ambiente com alta temperatura e umidade.

Considerando o princípio da proporcionalidade do mal menor face a inegável a dependência humana, ao menos no estágio social que vivemos, de consumir carne originária de produções em grande escala – considerando como correta a premissa que grandes sistemas de produção geraram diminuição de custos e barateamento do “produto” – sendo de difícil visualização alguma forma substitutiva que sacie, com a mesma eficiência, tal necessidade. Acreditamos que o bem-estar animal deve ser incluído como elemento a ser considerado na estrutura de “produção de carne” ainda que, por mais contraditório que possa ser, o objetivo final seja o abate, com consideração do princípio da proporcionalidade do mal menor. Em poucas palavras seria necessário adequar o “sistema de produção” no sentido de buscar sempre causar o menor prejuízo possível aos animais, sendo considerada uma real vantagem o aumento do bem-estar, não pelo ganho dado ao “produto”, mas ao propiciado à existência do animal. Concluindo, os estudos de Bioética aplicados ao bem-estar animal de um lado tenderiam a ter como importante fator que no momento atual é praticamente inviável pensarmos em dispensar o consumo de carne animal de nossa dieta. De outro lado, ainda que beire a hipocrisia trabalhar com o caminho do bem-estar animal aos que são gerados e criados com o fim específico de abate, deveríamos ter como contraponto (limitador do agir) o respeito à existência desses seres estar incluída na rotina de “produção”, sendo que pequenas e constantes alterações de pensamento podem, de forma acumulada, criar um futuro mais promissor.

O presente ensaio foi elaborado para disciplina “Fundamentos da Bioética” tendo como base as obras:

5 - http://www.agricultura.gov.br/arq_editor/Abate%20H_%20de%20Aves%20-%20WSPA%20Brasil.pdf

Um comentário:

  1. Muito bem orientado o artigo, de grande serventia para esclarecimentos, obrigado.

    ResponderExcluir