Série Ensaios:
Bioética Ambiental
Por Tania Mara
da Silva e Ubaldino
R. Ferreira Filho
Mestrandos do
Programa de Pós Graduação em Bioética na PUCPR
Jornalista da RBS: “Hoje qualquer miserável pode ter um carro”
publicado
em 16 de novembro de 2010 às 16:49
por Conceição
Lemes
Em São Paulo, há muitos anos existe o rodízio de circulação
de carros, baseado no final das placas. Para driblá-lo, as famílias mais
abastadas logo deram um jeito. Passaram a ter dois, três, quatro carros
na garagem, o que contribuiu, sem dúvida, para o aumento da frota nas ruas.
Engraçado. Ninguém reclamou. Porém, bastou o sonho do veículo próprio
(automóvel ou moto) se tornar realidade para muita gente das camadas populares,
para a chiadeira começar. A culpa? Ora, para a elite inconformada com a
ascensão social dos pobres, é do presidente Lula, graças às
facilidades de crédito. O comentário do jornalista Luis Carlos Prates
(veja o vídeo abaixo) num dos telejornais da RBS, afiliada de TV Globo em Santa
Catarina, é exemplo da intolerância e do preconceito. O que será que
ele disse quando um “mauricinho”, filho de um dos diretores da emissora em que
trabalha, estuprou uma colega adolescente de Florianópolis? Será que o
abafamento do caso pela polícia e mídia locais também é culpa do Lula?
O
último século pode ser caracterizado pelo desenvolvimento
tecnológico, associado a um crescimento sem precedentes na produção e pela
formação de uma sociedade fortemente estimulada ao consumo
de mercadorias e serviços. Para Bittencourt (2011, p.103) “O consumo é uma
atividade básica da vida humana, inalienável de sua própria condição
existencial, caracterizando-se assim pela busca de recursos materiais ou
simbólicos que favoreçam a manutenção saudável do organismo e da própria
existência como um todo”. O ser humano atual modelo da espécie Homo sapiens, que é hábil no pensar,
sentir, amar e manusear com precisão objetos sofisticados, cede lugar a um novo
tipo simbólico de homem, o Homo consumens
o qual personaliza a propensão dos desejos de consumir ansiosamente os bens
materiais disponível no sistema mercadológico (Bittencourt, 2011, p.103). O modo
de ser do Homo consumens reprodução
do pensamento cartesiano: “penso, logo existo” cedendo lugar ao “consumo, logo
existo”.
O
consumo é uma atividade que faz parte do cotidiano em toda e qualquer sociedade
humana. Sendo condição para satisfazer as necessidades biológicas e sociais,
com uma representação simbólica em que o cidadão tende a desejar sempre um novo
modelo de aparelho ou produto sem verificar sua real finalidade. Neste processo
a mídia
e a publicidade, as indústrias criam necessidades desses bens, induzindo o
cidadão ao consumo, muitas vezes desnecessário (Panarotto, 2010). Na sociedade de
consumo que cria desejos instantâneos para a satisfação imediata - produzindo a
cultura
do descartável – encontra-se concepções nas ideias nas palavras de Hannah
Arendt: “Em
nossa necessidade de substituir cada vez mais depressa as coisas mundanas que
nos rodeiam, já não podemos nos dar ao luxo de usá-las, de respeitar e preservar
sua inerente durabilidade[...]”
(Arendt, 1981: 138). Entretanto deve-se
engajar o consumidor como um novo ator social para uma formação de um consumidor-cidadão,
responsável e consciente das implicações dos seus atos de consumo. Contudo,
essa não é uma tarefa simples, pois requer mudanças de comportamento
individuais e coletivas. O grande desafio é o abandono da sociedade do descarte
e do consumo excessivos. Neste sentido deve-se abordar o consumo
sustentável para promover respeito os recursos ambientais, garantindo o
atendimento das necessidades das futuras gerações. Contudo a promoção do
consumo sustentável decorre da conscientização dos indivíduos da relevância de
tornarem-se consumidores responsáveis. O trabalho educativo
é essencialmente político, pois implica ao consumidor mudança de postura e
atitude no seu papel de ator de transformação do modelo econômico em prol de um
novo sistema, para um equilíbrio do ser humano na Terra. Assim, o consumidor
tem em suas mãos o poder de exigir o modelo de desenvolvimento social justo e
um ambiente equilibrado (Furriela, 2001).
Nos
últimos séculos, a justificativa dada para o avanço técnico e para a
industrialização tem sido a elevação do nível de consumo. O consumismo
legitima-se e penetra no consciente coletivo da população, confundindo-se com o
desejo de liberdade. Contudo, esse fenômeno embora seja temporal e local, o
crescimento dos fatos vem provocando uma série de questionamentos, levando a
formulações de novas reflexões éticas. A questão inicial que se levanta é quem
decide o que se consome e o que se produz, quem está tomando as decisões sobre
questões de consumo e quem deveria tomá-las. A questão não é tanto quem
controla, mas quem assume a responsabilidade pelo consumo, pois, sendo todo e
qualquer ser humano consumidor, por menor que seja o consumo, situações, o que
pode-se discutir é a forma de consumir e não o fato em si de fazê-lo.
O
consumidor deverá assumir responsabilidades que vai além dos deveres assumidos
nessa relação contratual, responsabilidades que fazem parte de uma ética do
consumo. Neste cenário de contínua reposição dos bens e consumo origina-se
da necessidade atual da era tecnológica em existir, este fluxo de produção pelo
novo (Bittercurt,2011). Cada cultura atribui a determinados objetos um conjunto
de significados simbólicos numa espécie de sistemas de crenças. Os objetos de
consumo característicos das sociedades consumistas não são os necessários para
a subsistência, mas os que têm um marcado valor simbólico é porque respondem a
um conjunto de motivações psicológicas. Para Cortina (2002), o consumo vai
além de satisfazer necessidades e desejos, mas [...] para compensar os
indivíduos que se sentem inseguros ou inferiores, para simbolizar êxito ou
poder, para comunicar distinções sociais ou reforçar relações de inferioridade
ou superioridade, para expressar atitudes e comunicar mensagens, mas também
para criar o sentido da identidade pessoal ou para confirmá-lo.
No
contexto atual a técnica desenvolvida pelo homem não está primeiramente relacionada
à necessidade, mas a uma busca de superação do próprio destino do homem, no
qual o mesmo acaba produzindo outras necessidades em nome de um desejo que
nunca se realiza. “Hoje
a techne transformou-se em um infinito impulso da espécie para adiante, seu
empreendimento mais significativo”
(Jonas, 1992, p.87). Segundo a literatura consultada, pode-se concluir que o
momento atual exige uma reinvenção da sociedade, da gestão política, do estilo
de vida, das prioridades e, principalmente, em curto prazo, do conceito de
consumo, que se legitima e penetra no consciente coletivo da população e
confunde-se com o desejo individual ou coletivo de liberdade. A
responsabilidade coletiva é fundamental para delimitar a justa medida das ações
humanas na perspectiva de um bem comum e ambiental. O desenvolvimento
sustentável não é um estado de harmonia permanente. Trata-se de um processo
de mudança onde o uso dos recursos, a destinação dos investimentos, os caminhos
do desenvolvimento da tecnologia e a mudança institucional devem estar de
acordo com as necessidades do presente e do futuro. O
princípio da responsabilidade pede que se preserve a condição de existência
da humanidade enfatizando a vulnerabilidade que o agir humano suscita. Assim Jonas,
1979, escreve que: É
urgente incorporar uma definição ética nas ações produtivo-destrutivas,
resultantes dos sistemas produtivos e da cultura de consumo; os cenários
necessitam ser reconstruídos, a lógica necessita ser subordinada aos
imperativos de uma modernidade ética, [...] para dar respostas aos novos
desafios socioambientais. “[...] fundamentar uma modernidade ética apta a
restringir a capacidade humana de agir como destruidor da auto-afirmação do
ser, expressa na continuação da vida”.
Faz-se também necessária a reconstrução dos valores sociais para a readequação
do indivíduo ao senso coletivo, legitimando o bem-estar social. Para tanto, não
cabe mais ao homem o conveniente papel de consumidor do planeta, nesta nova ética
social, é seu dever se associar à qualidade de vida, o que inclui o fator
ambiental.
Nós
como futuros Bioeticistas acreditamos que a responsabilidade humana vai além da
responsabilidade com seu semelhante, a nova ética clama pela responsabilidade
também ambiental, onde o homem inclui-se como mais um elemento do ambiente e
não o único. Como cita Hans Jonas em O Princípio da Liberdade. É fato que, o
rompimento de uma organização social voltada ao consumo demandaria a
reconstrução e adaptação do modo de vida da sociedade como conhecemos.
Entretanto, esse rompimento precisa ser emergencial. A velocidade da devastação
do planeta não permite que a “educação ambiental” seja onerada como único
agente de mudança de comportamento, pois, seu processo apesar de eficiente, é
lento. Torna-se evidente também a necessidade de políticas públicas em todos os
níveis: federal, municipal e local, que tratem a redução do consumo como
elemento estratégico para se atingir o desenvolvimento sustentável, uma vez
que, economia e ecologia estão totalmente integradas no mundo atual.
O
presente ensaio foi elaborado para disciplina de Fundamentos da Bioética,
baseado nas seguintes obras:
ARENDT,
Hannah. A condição humana. Trad. de Alberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense,
1981.
BITTENCOURT,
Renato Nunes. Os dispositivos
existenciais do consumismo. Disponível
em. Acesso em 17 jul. 2014.
CORTINA,
A. Por
una ética del consumo. Madrid: Taurus, 2002.
DIAS,
Reinaldo. Marketing ambiental: ética,
responsabilidade social e competitividade nos negócios. São Paulo: Atlas,
2007.
JONAS,
H. O princípio responsabilidade: ensaio
de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Contraponto,
2006.
FURRIELA,
Rachel Biderman. Educação para o Consumo
Sustentável. Disponível em:
PANAROTTO,
C. O meio ambiente e o consumo
sustentável: alguns hábitos que podem
fazer a diferença.
<
http://www.caxias.rs.gov.br/procon/site/ _uploads/publicacoes/publicacao_5.pdf>
Acesso em: 10 Jun 2014.
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