segunda-feira, 19 de maio de 2014

Um vislumbre sobre métodos em levantamento de animais em ambiente terrestre


Série Ensaios: Ética no Uso de Animais e Bem-estar Animal

 Por Bruna Cecília Ribeiro de Jesus

Pós-graduanda em Conservação da Natureza e Educação Ambiental

Desde antigamente, os animais já eram usados para pesquisas, a fim de obter avanços nos conhecimentos científicos e tecnológicos, e, assim, possibilitar melhoria na área da saúde, influenciando o desenvolvimento de vacinas, antibióticos e anestésicos no último século. Porém, por mais que haja uma legislação, nem sempre esta é respeitada. Dessa forma, há uma reflexão acerca da conduta ética do homem diante dos animais, surgindo um questionamento do porquê e em que condições é necessário ser ético diante do sofrimento e do bem-estar dos animais. A bioética surge então, desafiando a ética contemporânea no sentido de providenciar um estudo sistemático da conduta humana na área das ciências da vida e cuidados com a saúde do homem e dos animais. O termo bem-estar animal é utilizado em investigações científicas, documentos legais e declarações públicas. O termo refere-se ao estado de um indivíduo em relação ao seu meio ambiente. Também está relacionado às características individuais de um animal, mais que a alguma coisa fornecida pelo homem ao animal. A definição de bem-estar animal relaciona-se ainda a outros conceitos como os de necessidade, liberdade, felicidade, competição, controle, sensações, sofrimento, dor, ansiedade, medo, estresse, saúde, tédio. As sensações subjetivas de um animal são parte integrante da complexidade dos aspectos que envolvem o seu bem-estar e devem ser consideradas (BROOM, 1991). Muitos fatores associados às necessidades individuais, vida em cativeiro, eventos ameaçadores e/ou estímulos aversivos podem acarretar desequilíbrio físico e psicológico e ameaçar a homeostasia do organismo. O bem-estar dos animais depende fortemente das sensações, percepções, cognição e motivação individuais (CLARK, RAGER & CALPIN, 1997).
Para se conhecer a fauna de um determinado bioma ou localidade a fim de manejá-la ou monitorá-la, faz-se necessário utilizar-se de técnicas de levantamentos por métodos de amostragem. O conhecimento da dinâmica natural e da estrutura do ecossistema com o auxílio de levantamentos é fundamental no desenvolvimento de modelos de recuperação. O termo amostragem é a obtenção de uma parte que represente, de forma adequada, o todo do objeto de estudo, visto que jamais será possível amostrar todos os componentes dessa diversidade. Um método indireto e não invasivo é o de observação indireta que ocorre através de algumas evidências ou vestígios deixados por animais, podendo confirmar a ocorrência de animais em uma determinada área. É chamado método indireto, pois possibilita comprovar a presença de alguns indivíduos, sem a observação dos animais. Entre essas evidências temos algumas que ocorrem com mais frequência: pegadas ou rastros, zoofonia (vocalização ou canto dos animais), fezes, tocas ou abrigos, marcas olfativas, marcas visuais. Métodos baseados na identificação de  pegadas, visualizações ao longo de transectos lineares e o uso de armadilhas fotográficas têm sido tradicionalmente utilizados no estudo dos mamíferos de médio e grande porte (PARDINI et al. 2003).


A busca ativa e procura visual é um método bastante generalista para amostragem de vertebrados nos períodos diurno e noturno. É realizada por duas ou mais pessoas, que se deslocam a pé, lentamente, á procura da fauna em todos os microhabitats visualmente acessíveis, incluindo troncos, tocas, etc.  Um dos métodos não invasivos na identificação de mamíferos consiste na ánalise da morfologia interna dos pêlos (QUADROS &; MONTEIRO-FILHO, 2006). Diversos autores já desenvolveram chaves de identificação de espécies baseadas exclusivamente em características tricológicas (OLI, 1993; PERRIN &; CAMPBEL, 1979; WALLIS, 1993; INGBERMAN & MONTEIRO-FILHO, 2006). Através de visualização e/ou coleta é possível confirmar se esses animais vivem em uma determinada área. É o chamado método direto, pois comprova a presença de alguns indivíduos, com a observação do animal in loco. Os sistemas podem ser: avistamentos ou captura.
O estabelecimento em campo de armadilhas (manual, live trap, alçapão/pitfall, rede de neblina, snap trap) aliadas a diferentes iscas (sardinha, milho, banana, linguiça, peixe, mel, carne, pasta de amendoim, glucose de milho) também produz resultados satisfatórios em trabalhos com mamíferos, aves e répteis. No entanto, neste caso, deve-se atentar ao formato e tamanho da armadilha, além do tipo de recurso utilizado como atrativo, pois estes influenciam de maneira variável na captura das diferentes espécies.  
Um problema dos levantamentos de aves é a alta variação na detecção dos animais ao longo do dia (GUTZWEILLER, 1993), em diferentes estações do ano (ROLLFINKE &; YAHNER, 1990) e condições climáticas. Em métodos que se utilizam trajetos, o observador é móvel e registra todos os indivíduos detectados em cada lado do caminho percorrido em velocidade constante. No caso de pontos, o observador é fixo e permanece na estação (ponto) por um período de tempo pré-determinado, registrando todos os indivíduos detectados ao seu redor, para depois se mover em direção ao próximo ponto de amostragem. Também existe o método de captura e marcação, onde as aves são capturadas, identificadas e marcadas, pela técnica de anilhagem. Através deste método de levantamento é possível a coleta de dados morfológicos e biológicos, importante no monitoramento e manejo da avifauna. O método de captura e marcação também é utilizada para mamíferos de médio e pequeno porte.
O levantamento da herpetofauna é realizado através do uso de armadilhas de interceptação e queda "pitfall traps", utilizando-se baldes de plástico de 40 litros enterrados no solo, para captura (CECHIN & MARTINS, 2000). Por mais que a legislação permita a coleta de animais para fins científicos (Lei nº 5197-67, Art.14), eu como bióloga, jurei de acordo com os princípios éticos defender a vida, dessa forma, acredito que sempre há um método alternativo de identificação a se escolher, que seja de preferência não invasivo e pensando no bem-estar dos animais. Tais métodos podem contribuir para a confirmação da ocorrência das espécies ou na identificação desses animais como presas de outros vertebrados. O manejo e a conservação dos animais dependem fundamentalmente de decisões racionais e bem embasadas, e o respeito às diferentes formas de vida que compartilham esse tempo e espaços com o ser humano devem nortear essa relação.  


O presente ensaio foi elaborado para a disciplina Ética no uso de animais e Bem-estar animal e baseado nas fontes citadas ao longo do texto, na forma de hiperlinks, e nas seguintes obras:

BROOM, D.M. Animal welfare: concepts and measurement. Journal of Animal Science, U.S.A., v.68, p.4167-4175, 1991.
CECHIN, S.Z. & MARTINS, M. Eficiência de armadilhas de queda (pitfall traps) em amostragens de anfíbios e répteis no Brasil. Rev. Bras. Zool. 17:729-740, 2000.
CLARK, J.D.; RAGER, D.R.; CALPIN, J.P. Animal well-being II. Stress and Distress.
Laboratorial Animal Science, U.S.A., v.47, n.6, p.571-579, 1997.
GUTZWILLER, K. J. Refining the use of point counts for winter study of individual species. Wilson Bulletin, v. 105, p. 612-627, 1993.
INGBERMAN, B. & MONTEIRO-FILHO, E.L.A. Identificação microscópica dos pelos das espécies brasileiras de Alouatta Lacépède, 1799 (Primates, Atelidae, Alouattinae). Arq. Mus. Nac. Rio de Janeiro 61(1):61-71, 2006.
OLI, M.K. A key for the identification of the hair of mammals of a snow leopard (Panthera uncia) habitat in Nepal. J. Zool. 231:71-93. http://dx.doi.org/10.1111/j.1469-7998.1993.tb05354.x, 1993.
PARDINI, R.; E.H. DITT; L. CULLEN JR; C. BASSI & R. RUDRAN. Levantamento rápido de mamíferos terrestres de médio e grande porte, p. 181-201. In: L. Cullen Jr; R., 2003.
PERRIN, M.R. & CAMPBELL, B.S. Key to the mammals of the Andries Vosloo Kudu Reserve (eastern Cape), based on their hair morphology, for use in predator scat analysis. S. Afr. J. Wildl. Res 10(1):1-14, 1979.
QUADROS, J. & MONTEIRO-FILHO, E.L.A. Coleta e preparo de pelos de mamíferos para identificação em microscopia óptica. Rev. Bras. Zool. 23(1):274-278. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-81752006000100022, 2006.
 RUDRAN & C. VALLADARES-PADUA (EDs). Métodos de estudo em biologia da conservação e manejo da vida silvestre. Curitiba, Editora UFPR, 667p, 2003.
ROLFINKE, B. F. & YAHNER, R. H. Effects of time of day and season on winter bird counts. The Condor, v. 92, p. 215-219, 1990.
WALLIS, R.L. A key for the identification of guard hairs of some Ontario mammals. Can. J. Zool. 71(3):587-591. http://dx.doi.org/10.1139/z93-080, 1993.

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