sábado, 17 de maio de 2014

É possível tornar um zoológico ético? Quais são as Questões éticas envolvidas na exposição de animais vivos?


Série Ensaios: Ética no Uso de Animais e Bem-estar Animal

Por Caroline Banach Noga

Pós-graduanda do curso de Conservação da Natureza e Educação Ambiental

Ao longo da história, o homem sempre teve relações com o ambiente natural para poder sobreviver. Com a mentalidade que o ser humano é superior aos demais organismos e com a domesticação, os animais passaram a ser utilizados para outros fins além da própria sobrevivência. Os egípcios, chineses e astecas passaram a manter animais capturados em suas viagens e batalhas presos em seus templos como símbolo social, religioso, de força e poder. Aos poucos outros proprietários, como reis e imperadores, começaram a adotar essa prática (Farias, 2010). Durante os séculos XVIII e XIX, as coleções particulares passaram a ser chamados de jardins zoológicos. O primeiro jardim zoológico aberto ao público foi em Paris, na França. Em Londres, o zoológico começa a utilizar a visitação como fonte de recursos para subsidiar os custos com a manutenção dos animais, e para tornar-se mais atrativo, introduzem espécies capturadas na natureza e projetam recintos para facilitar a visualização dos visitantes, sem haver preocupação com o bem-estar dos animais (Sanders et al., 2007).
Com as mudanças sociais relacionadas às questões ambientais e com o reconhecimento da cognição dos animais vertebrados, a interação animal-homem-meio vem sendo alterada (Saad et al., 2011). Neste sentido, há uma maior preocupação com bem-estar animal, o qual pode ser entendido como o estado de um indivíduo em relação às suas tentativas de adaptar-se ao seu ambiente (Broom et al., 2004).
Assim, os zoológicos passam a se preocupar com o meio, ocasionando o desenvolvimento de atividades voltadas à conservação da fauna (Barrela et al., 2010). Atualmente, possuem funções interligadas de lazer, educação, pesquisa e conservação. São locais que devem fornecer apoio à criação e soltura de espécies ameaçadas, além de terem metas educacionais (Pivelli et al., 2006).
Apesar das funções citadas, os animais mantidos em cativeiro estão sujeitos a diversos fatores que podem prejudicar seu bem-estar, como o tamanho e design dos recintos, presença de visitantes, proximidade com outras espécies, dentre outros fatores. O recinto, por mais que seja configurado de forma mais próxima do hábitat natural, apresenta limitações para o desenvolvimento de todas as atividades e liberdades do animal. Os hábitats geralmente não são estáticos e os animais têm que se adaptar a situações previsíveis e imprevisíveis por meio de modificações fisiológicas e comportamentais (Pizzutto et al., 2009). Já o cativeiro é um ambiente reduzido e estático, portanto, devem ser desenvolvidas técnicas de enriquecimento ambiental como forma de estímulo de novas situações a serem enfrentadas pelo animal.
Outro fator a ser considerado é a presença dos visitantes, os quais em número e com suas atitudes, podem contribuir para o desenvolvimento de comportamentos anormais, estereótipos, dos animais expostos. Há zoológicos que permitem contato direto dos visitantes com os animais. Na Argentina, um zoológico reproduz espécies exóticas para entreterem os visitantes, no qual é permitido tocar nos animais e alimentá-los3. A justificativa dos administradores do parque para os animais aparentemente serem dóceis é que eles são criados desde o nascimento próximos de cachorros. Neste caso, o zoológico tem somente a função de lazer, pois os animais perdem sua capacidade de se adaptar a ambientes naturais e a liberdade de expressarem seu comportamento natural, portanto não poderiam ser reintroduzidos. Além disso, a educação ambiental não se torna efetiva, uma vez que favorece o desenvolvimento da concepção do poder do ser humano sobre os outros organismos ao permitir contato direto com animais selvagens. Apesar dos problemas oriundos do cativeiro, grande parte dos animais nos zoológicos são provenientes de apreensões do tráfico ilegal, de circos e de outras situações em que não há preocupação com seu bem-estar. Isso se reflete no comportamento exibido pelos animais nos zoológicos. Por exemplo, no Zoológico de Varginha, uma leoa ao ser transferida para um novo recinto, preferiu permanecer na área cimentada por ter sido criada em circo2. Macaco-prego também é uma espécie com elevada incidência em zoológicos oriundos do tráfico ilegal, por serem animais sociáveis e usados como estimação (Farias, 2010).
O enriquecimento ambiental em zoológicos preocupa-se principalmente em fornecer um ambiente apropriado ao animal, para que ele possa desenvolver comportamentos positivos. Para isso são desenvolvidas diversas técnicas, como estímulos na alimentação e sociais, pela introdução de novos objetos, pelo enriquecimento social e pela melhoria dos recintos (Claxton, 2011). Diversos zoológicos procuram investir em recintos em que haja uma separação maior entre visitantes e animais expostos. O zoológico de Gramado no Rio Grande do Sul, por exemplo, mantém seus felinos em um recinto com árvores, troncos e piscina, separado dos visitantes por um vidro. No caso, as pessoas observam os animais de perto, mas ruídos e gestos realizados por elas não são percebidas pelos animais. Outro exemplo é o recinto dos gorilas no zoológico de São Francisco, EUA, mantidos em uma área com vários elementos de um ambiente natural (grama, troncos, árvores) que mantém visitantes separados por um vidro. É possível observar pelo vídeo que mesmo com a agitação das pessoas os gorilas não exibem comportamentos agressivos ou direcionados aos visitantes devido à presença de barreiras que impedem esse contato direto. Percebe-se que há diferença no tamanho dos recintos dos dois zoológicos apresentados, mas ambos apresentam elementos favoráveis ao bem-estar dos animais.


Portanto, como bióloga, acredito que atualmente os zoológicos poderiam atingir seus objetivos preservando o bem-estar animal, caso se preocupasse mais com os animais do que com a visitação. Para isso, poderiam ser exibidos somente animais que são resgatados e incapazes de sobreviver ao ambiente natural. Além disso, devem estar em recintos adequados que além de simularem ambientes naturais, devem ser projetados de tal forma que o animal não tenha contato com os visitantes. A educação ambiental também deveria difundir a mentalidade que o ser humano não é superior aos animais de forma concreta, e consequentemente, deve respeitar todos os organismos. Talvez difundindo a concepção de igualdade dos homens em relação aos outros organismos, as pessoas possam efetivamente ter atitudes mais conservacionistas em seu dia-a-dia.


O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Ética e Bem-estar animal e baseado nas seguintes obras:
BARRELLA, W.; PESSUTI, C.; TEIXEIRA, R. H.; MERGULHÃO, M. C. Zoológicos do estado de São Paulo. In: Zoológicos. Disponível em .
BROOM, D. M.; MOLENTO, C. F. M. Bem-estar animal: conceito e questões relacionadas – Revisão. Archives of Veterinary Science, v. 9, n. 2, p. 1-11, 2004. Disponível em < http://www.unb.br/posgraduacao/docs/fav/BEMESTARANIMALCONCEITOQUESTOESRELACIONADAS.pdf>.
BRUNO, M. M. Na Argentina, visitantes alimentam tigres e leões de dentro da jaula. Meio digital. Disponível em .
CLAXTON, A. M. The potential of the human-animal relationship as an environmental enrichment for the welfare of zoo-housed animals. Applied Animal Behaviour Science, v. 133, n. 1, p. 1-10, ago. 2011.
FARIAS, G. C. W. Influência da visitação no comportamento de macacos-prego (Cebus apella) em zoológicos. 2010. 80 f. Dissertação (Mestrado em Agrossistemas) – Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010.
PIVELLI, S. R. P.; KAWASAKI, C. S. Análise do potencial pedagógico de espaços não-formais de ensino para o desenvolvimento da temática da biodiversidade e sua conservação. Atas do V Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, n. 5, 2005. Disponível em .
PIZZUTTO, C. S.; SGAI, M. G. F. G.; GUIMARÃES, M. A. B. V. O enriquecimento ambiental como ferramenta para melhorar a reprodução e o bem-estar de animais cativos. Revista brasileira de Reprodução Animal, Belo Horizonte: v. 33, n. 3, p. 129-138, 2009. Disponível em < http://www.cbra.org.br/pages/publicacoes/rbra/download/pag129-138.pdf>.
SAAD, C. E.; SAAD, F. M. O. B.; FRANÇA, J. Bem estar em animais de zoológicos. Revista Brasileira de Zootecnia, v.40, p.38-43, 2011.  Disponível em < http://www.revista.sbz.org.br/artigo/index.php?artigo=66256>.
SANDERS, A.; FEIJÓ, A. G. S. Uma reflexão sobre animais selvagens cativos em zoológicos na sociedade atual. Revista eletrônica da Sociedade Rio-Grandense de Bioética – SORBI. 2007. Disponível em .

Nenhum comentário:

Postar um comentário