Série Ensaios: Ética no Uso de Animais e Bem-estar Animal
Por Caroline Banach Noga
Pós-graduanda do curso de Conservação da Natureza e Educação Ambiental
Ao
longo da história, o homem sempre teve relações com o ambiente natural para
poder sobreviver. Com a mentalidade que o ser humano é superior aos demais
organismos e com a domesticação, os animais passaram a ser utilizados para
outros fins além da própria sobrevivência. Os egípcios, chineses e astecas passaram
a manter animais capturados em suas viagens e batalhas presos em seus templos como
símbolo social, religioso, de força e poder. Aos poucos outros proprietários,
como reis e imperadores, começaram a adotar essa prática (Farias, 2010). Durante
os séculos XVIII e XIX, as coleções particulares passaram a ser chamados de
jardins zoológicos. O primeiro jardim zoológico aberto ao público foi em Paris,
na França. Em Londres, o zoológico começa a utilizar a visitação como fonte de
recursos para subsidiar os custos com a manutenção dos animais, e para
tornar-se mais atrativo, introduzem espécies capturadas na natureza e projetam
recintos para facilitar a visualização dos visitantes, sem haver preocupação
com o bem-estar dos animais (Sanders et al., 2007).
Com
as mudanças sociais relacionadas às questões ambientais e com o reconhecimento
da cognição dos animais vertebrados, a interação animal-homem-meio vem sendo alterada (Saad et al., 2011).
Neste sentido, há uma maior preocupação com bem-estar animal, o qual pode ser entendido como o estado
de um indivíduo em relação às suas tentativas de adaptar-se ao seu ambiente
(Broom et al., 2004).
Assim,
os zoológicos passam a se preocupar com o meio,
ocasionando o desenvolvimento de atividades voltadas à conservação da fauna
(Barrela et al., 2010). Atualmente, possuem funções interligadas de lazer,
educação, pesquisa e conservação. São locais que devem fornecer apoio à criação
e soltura de espécies ameaçadas, além de terem metas educacionais (Pivelli et al., 2006).
Apesar
das funções citadas, os animais mantidos em cativeiro estão sujeitos a diversos
fatores que podem prejudicar seu bem-estar, como o tamanho e design dos
recintos, presença de visitantes, proximidade com outras espécies, dentre
outros fatores. O recinto, por mais que seja configurado de forma mais próxima
do hábitat natural, apresenta limitações para o desenvolvimento de todas as
atividades e liberdades do animal. Os hábitats geralmente não são estáticos e
os animais têm que se adaptar a situações previsíveis e imprevisíveis por meio
de modificações fisiológicas e comportamentais (Pizzutto et al., 2009). Já o
cativeiro é um ambiente reduzido e estático, portanto, devem ser desenvolvidas
técnicas de enriquecimento ambiental como forma de estímulo de novas
situações a serem enfrentadas pelo animal.
Outro
fator a ser considerado é a presença dos visitantes, os quais em número e com
suas atitudes, podem contribuir para o desenvolvimento de comportamentos
anormais, estereótipos, dos animais expostos. Há zoológicos que permitem
contato direto dos visitantes com os animais. Na Argentina, um zoológico reproduz espécies
exóticas para entreterem os visitantes, no qual é permitido tocar nos animais e
alimentá-los3. A justificativa dos administradores do parque para os
animais aparentemente serem dóceis é que eles são criados desde o nascimento
próximos de cachorros. Neste caso, o zoológico tem somente a função de lazer,
pois os animais perdem sua capacidade de se adaptar a ambientes naturais e a
liberdade de expressarem seu comportamento natural, portanto não poderiam ser
reintroduzidos. Além disso, a educação ambiental não se torna efetiva, uma vez
que favorece o desenvolvimento da concepção do poder do ser humano sobre os
outros organismos ao permitir contato direto com animais selvagens. Apesar
dos problemas oriundos do cativeiro, grande parte dos animais nos zoológicos
são provenientes de apreensões do tráfico ilegal, de circos e de outras
situações em que não há preocupação com seu bem-estar. Isso se reflete no
comportamento exibido pelos animais nos zoológicos. Por exemplo, no Zoológico de Varginha, uma leoa ao ser transferida para um
novo recinto, preferiu permanecer na área cimentada por ter sido criada em
circo2. Macaco-prego também é uma espécie com elevada incidência em
zoológicos oriundos do tráfico ilegal, por serem animais sociáveis e usados
como estimação (Farias, 2010).
O
enriquecimento ambiental em zoológicos preocupa-se principalmente em fornecer
um ambiente apropriado ao animal, para que ele possa desenvolver comportamentos
positivos. Para isso são desenvolvidas diversas técnicas, como estímulos na alimentação
e sociais, pela introdução de novos objetos, pelo enriquecimento social e pela
melhoria dos recintos (Claxton, 2011). Diversos zoológicos procuram investir em
recintos em que haja uma separação maior entre visitantes e animais expostos. O
zoológico de Gramado no Rio Grande do Sul, por exemplo,
mantém seus felinos em um recinto com árvores, troncos e piscina, separado dos
visitantes por um vidro. No caso, as pessoas observam os animais de perto, mas
ruídos e gestos realizados por elas não são percebidas pelos animais. Outro
exemplo é o recinto dos gorilas no zoológico de São Francisco, EUA, mantidos em uma área com vários
elementos de um ambiente natural (grama, troncos, árvores) que mantém
visitantes separados por um vidro. É possível observar pelo vídeo que mesmo com
a agitação das pessoas os gorilas não exibem comportamentos agressivos ou
direcionados aos visitantes devido à presença de barreiras que impedem esse
contato direto. Percebe-se que há diferença no tamanho dos recintos dos dois
zoológicos apresentados, mas ambos apresentam elementos favoráveis ao bem-estar
dos animais.
Portanto,
como bióloga, acredito que atualmente os zoológicos poderiam atingir seus
objetivos preservando o bem-estar animal, caso se preocupasse mais com os
animais do que com a visitação. Para isso, poderiam ser exibidos somente animais
que são resgatados e incapazes de sobreviver ao ambiente natural. Além disso,
devem estar em recintos adequados que além de simularem ambientes naturais,
devem ser projetados de tal forma que o animal não tenha contato com os
visitantes. A educação ambiental também deveria difundir a mentalidade que o
ser humano não é superior aos animais de forma concreta, e consequentemente, deve
respeitar todos os organismos. Talvez difundindo a concepção de igualdade dos
homens em relação aos outros organismos, as pessoas possam efetivamente ter
atitudes mais conservacionistas em seu dia-a-dia.
O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Ética e
Bem-estar animal e baseado nas seguintes obras:
BARRELLA,
W.; PESSUTI, C.; TEIXEIRA, R. H.; MERGULHÃO, M. C. Zoológicos do estado de São
Paulo. In: Zoológicos. Disponível em .
BROOM,
D. M.; MOLENTO, C. F. M. Bem-estar animal: conceito e questões relacionadas –
Revisão. Archives of Veterinary Science,
v. 9, n. 2, p. 1-11, 2004. Disponível em < http://www.unb.br/posgraduacao/docs/fav/BEMESTARANIMALCONCEITOQUESTOESRELACIONADAS.pdf>.
BRUNO,
M. M. Na Argentina, visitantes alimentam tigres e leões de dentro da jaula. Meio digital. Disponível em .
CLAXTON, A. M. The potential of the human-animal
relationship as an environmental enrichment for the welfare of zoo-housed
animals. Applied Animal
Behaviour Science, v. 133, n. 1, p. 1-10, ago. 2011.
FARIAS,
G. C. W. Influência da visitação no
comportamento de macacos-prego (Cebus
apella) em zoológicos. 2010. 80 f . Dissertação (Mestrado em Agrossistemas) –
Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 2010.
PIVELLI,
S. R. P.; KAWASAKI, C. S. Análise do potencial pedagógico de espaços
não-formais de ensino para o desenvolvimento da temática da biodiversidade e
sua conservação. Atas do V Encontro
Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, n. 5, 2005. Disponível em
.
PIZZUTTO, C. S.; SGAI, M. G. F. G.;
GUIMARÃES, M. A. B. V. O enriquecimento ambiental como ferramenta para melhorar
a reprodução e o bem-estar de animais cativos. Revista brasileira de Reprodução Animal, Belo Horizonte: v. 33, n.
3, p. 129-138, 2009. Disponível em < http://www.cbra.org.br/pages/publicacoes/rbra/download/pag129-138.pdf>.
SAAD, C. E.; SAAD, F.
M. O. B.; FRANÇA, J. Bem estar em animais de zoológicos. Revista Brasileira de Zootecnia, v.40, p.38-43, 2011. Disponível em < http://www.revista.sbz.org.br/artigo/index.php?artigo=66256>.
SANDERS, A.; FEIJÓ, A. G. S. Uma reflexão
sobre animais selvagens cativos em zoológicos na sociedade atual. Revista
eletrônica da Sociedade Rio-Grandense de Bioética – SORBI. 2007. Disponível
em .
Nenhum comentário:
Postar um comentário