quinta-feira, 15 de maio de 2014

Marcação de animais marinhos: Métodos invasivos versus Métodos não-invasivos.



Série Ensaios: Ética no Uso de Animais e Bem-estar Animal

Por Stephane Polyane Gomes de Moura
Pós-graduanda do curso de Conservação da Natureza e Educação Ambiental


                A ética animal assume que os animais possuem sentimentos assim como os humanos e por isso devem ser respeitados e utilizados pelo homem com limites que considerem seu direito à vida. Já o bem-estar animal é o estado em que o animal se encontra, este pode variar de bom a ruim, e deve ser conduzido para melhorar sua condição de vida (Broom & Molento, 2004).            A técnica de captura e soltura de animais selvagens, também conhecida como marcação e recaptura, consiste em capturar, marcar e soltar os animais para posterior observação em seu ambiente natural. A marcação permite a identificação individual que fornece várias informações sobre a ecologia do animal, como comportamento, estimativa populacional, padrão de associação, residência e fidelidade de área, área de vida, entre outros.  
              Para os animais marinhos existem vários métodos utilizados para marcação, estes devem causar o mínimo de dor e estresse e o mínimo de efeito em suas atividades comportamentais e sociais (Boyd et al, 2010). Os marcadores de nadadeira, utilizado em pinípedes e tartarugas marinhas, são econômicos e relativamente não-invasivos, porém podem causar lesões e prejudicar a sobrevivência do animal. 
As Discovery tags  são cilindros de metal fixados através da gordura no músculo dos cétaceos, foram usadas em baleias para documentar padrões de movimento, porém foram observadas sérias lesões ocasionadas pelas tags. A aplicação de ferro quente ou de líquido nitrogênio na pele de pinípedes e cetáceos causa uma queimadura de 2º grau permanente, a aplicação incorreta pode causar sérios ferimentos, a qualidade da marca e a probabilidade de ferimentos estão relacionadas com a temperatura do ferro e a pressão no momento da aplicação, a cicatrização completa leva anos e se não cicatrizada corretamente pode apresentar dificulades pra ser lida, invalidando a técnica, a queimadura é dolorosa e recomenda-se que o animal esteja anestesiado (Boyd et al, 2010).
       Esses métodos podem estressar e perturbar as relações sociais dos animais, por isso podem ser substituídos por métodos de marcação não-invasivos. Um método não-invasivo de captura e soltura muito usado com cétaceos é a fotoidentificação (Würsig & Würsig, 1977), o qual utiliza marcas naturais como manchas e cicatrizes para reconhecer os animais individualmente. As marcas naturais são adquiridas ao longo da vida do animal por interação com humanos, predadores e cooespecíficos (Kreho et al. 1999) e funcionam como impressões digitais, através das fotos os animais são identificados. Este método não causa nenhum estresse, por não ter nenhum contato físico com o animal.
               Pesquisadores da NOAA marcaram com uma tag satélite uma baleia-orca (Orcinus orca) adulta, do sexo masculino numa profunda enseada estuariana do Pacífico, localizada na costa noroeste  dos Estados Unidos, a Puget Sound, para saber onde as baleias vão no inverno. Esta tag satélite usada em estudos anteriores causou lesões no local onde foi inserida e isso causou muitos questionamentos à respeito da importância de sua utilidade (Figura 5). A NOAA defende seu uso por este método permitir acompanhar o animal durante seu percurso e saber qual é a área mais usada depois da migração. Considerando que as orcas são espécies ameaçadas, eles justificam o uso de métodos mais invasivos. Eles afirmam que os métodos não-invasivos não tem dado os resultados esperados, além de serem muito caros. Candace, voluntária do Center for Whale Research de Friday Harbor, Washington, EUA, questiona o uso desta tag, contestando que este conhecimento não fará muita diferença para a conservação da população das orcas, ela diz que não é adequado por em risco o bem-estar das baleias (Seatlepi, 2013).
           No Brasil, os cetáceos são protegidos pela Lei nº 7.643 de 18 de dezembro de 1987 que proíbe qualquer tipo de molestamento (Planalto, 1987). De acordo com o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA) na resolução normativa nº 12, de 20 de Setembro de 2013, a identificação individual por meio de técnicas mais invasivas deve ser realizada ou supervisionada diretamente por pessoal qualificado resultando o mínimo de dor e estresse e sempre que possível utilizar anestesia (CEUA, 2013). Os estudos não devem ultrapassar o limite do bem-estar do animal, não é adequado por em risco seu bem-estar para obter informações que nem sempre vão ajudar a entender os aspectos esperados.
            Animais mortos ajudam e muito os pesquisadores a entender muitos aspectos biológicos dos animais, entretanto há limites em quanto isso pode nos dizer sobre os aspectos ecológicos. Por isso considero importante os métodos de marcação e recaptura, pois eles nos ajudam a entender a ecologia dos animais vivos em seu ambiente natural. Contudo, os métodos devem ser bemavaliados pelos pesquisadores e comites de ética, considerando o bem estar do animal aliado a eficácia do método priorizando os não-invasivos que podem funcionar muito bem e trazer informações de ótima qualidade para conservação dos animais sem prejudicar sua qualidade de vida.


O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Ética e Bem-estar animal e baseado nas seguintes obras:
BOYD, I.L.; DON BOWEN, W.; IVERSON, S. J. Marine Mammal Ecology and Conservation. Oxford Biology. 2010.
BROOM, D. M.; MOLENTO, C.F.M. Animal welfare: concept and related issues – Review. Archives of Veterinary Science, v. 9, n. 2, p. 1-11, 2004.
CEUA. Comissão de Ética no Uso de Animais. Disponível em: http://ceua.ufsc.br/. Acesso em 13 de maio de 2014.
KREHO, A.; KEHTARNAVAZ, N.; ARAABI, B.; HILLMAN, G.; WURSIG, B.; WELLER, D. Assisting manual dolphin identification by computer extraction of dorsal ratio. Annals of Biomedical Engineering, v. 27, n. 6, p. 830-838, 1999.
PLANALTO, 1987. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7643.htm> Acesso: 6 de maio de 2014.
SEATLEPI, 2013. Disponível em < http://blog.seattlepi.com/candacewhiting/2013/10/10/our-resident-killer-whales-owe-much-to-ken-balcomb/>. Acesso: 6 de maio de 2014.
WÜRSING, B. & WÜRSING, M. The photographic determination of group size, composition and stability of coastal porpoises (Tursiops truncatus). Science, v. 198, n. 4318, p. 755-756, 1977.

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