O que pesam os acadêmicos do Curso de Especialização em Conservação da Natureza sobre a Ética no uso de animais?


Série Debates

por Marta Fischer






Neste sábado 24/5 eu e os alunos do Curso de Especialização em Conservação da Natureza tivemos um interessante debate sobre a Ética no uso de animais. Cada aluno redigiu o seu ensaio que pode ser lido na íntegra no Blog, os quais estão esperando a sua contribuição. Os temas permearam o uso de animais em pesquisa, serviços e entretenimento, mas inevitavelmente as maiores contribuições foram relacionadas na área da conservação. Iniciamos o debate com a questão da Zooterapia e por mais óbvia e provados os benefícios decorrentes da prática terapêutica na saúde humana, não há como não questionar o bem-estar dos animais. Obviamente que eles são bem-tratados, muitos até são monitorados na terapia pelo próprio tutor. Contudo, deve-se considerar que no momento de trabalho estão sob uma condição de estresse, pois deve controlar suas atitudes. O grupo concorda que todo animal de trabalho deve ser normatizado com critérios importantes como jornada de trabalho, regras de cuidado e manejo e aposentadoria. O grupo também concorda que deva haver um monitoramento mais de perto, principalmente por já termos interesses comerciais de empresas que intencionam adestrar e alugar animais exclusivamente para finalidade terapêutica. Foi consenso que o principal fator a ser considerado é o temperamento do cão e se ele sente prazer em interagir com as pessoas. Muitas vezes o dono leva o seu cão para atividades de voluntariado, mais preocupado com sua vaidade do que com o animal.
O uso de animais em atividades acadêmicas foi discutido na questão da coleção didática e na experimentação. No primeiro caso, entende-se ser fundamental para cursos superiores como de biologia que demanda do animal real para aprender a identificar. Contudo no ensino fundamental e médio alternativas podem satisfatoriamente substituir as coleções, tais como intercâmbios com museus e as atuais impressoras 3D. Muitas aulas são banais e repetitivas e não há uma preocupação na aplicação real do princípio dos três erres. A marcação de animais e a captura e soltura, muitas vezes não é considerada dentro do contexto ético, uma vez que os animais não estão sendo mortos, ou se estão, é feito em um contexto que justifica. Pois, alguns morrerão para estudarmos a espécie e assim contribuir para manutenção das populações. Mas discutimos e efeito nas marcas na alteração comportamental e questionamos o quanto isso pode afetar o comportamento natural da espécie e nos resultados da pesquisa. Nos terrestres, um dado interessante apresentado foi a preocupação de uma pesquisadora em melhorar o ambiente da armadilha para roedores. Antes os animais capturados morriam de frio por causa da estrutura de metal, contudo o simples fato de se colocar folhas secas e cobrir com plástico tornou esse momento estressante um pouco menos cruel.
O controle de pragas é uma questão ética muito difícil de se resolver, e parece que nessa situação não temos muita opção. Se o animal está causando danos para o homem ou para outros seres vivos eles devem ser eliminados, contudo o próprio perfil generalista e resistente que o levou a se tornar praga, o capacita a resistir também aos métodos de controle do homem. Discutimos a questão dos pombos – espécies exótica invasora - no centros urbanos, o javali – exótica invasora – na natureza e da capivara – silvestre – nos centros urbanos.  Além da permissão legal – que não considera o bem-estar do indivíduo - temos toda a bagagem cultural que não moraliza o extermínio de animais – muitas vezes inofensivos – que entram em nossas casas tais como: sapos, morcegos, aranhas e cobras não peçonhentas e toda gama de insetos. Compartilhamos da opinião que o extermínio é necessário, em decorrência dos desdobramentos, contudo esses animais não tem culpa muito menos responsabilidade de terem se tornado pragas e no mínimo devem ter direito de um controle digno.
A manutenção de animais em zoológicos seja para finalidade de exposição ou conservação é nociva, tendo em vista que a maioria das espécies são selvagens e muitas ativas, carnívoras ou sociais, demandando um cuidado no manejo e recinto, que apenas atualmente começam a surgir nos zoológicos. O santuário em um primeiro momento parece ter uma conotação mais ética, tendo em vista que a finalidade é a manutenção do patrimônio genético, de animais muitas vezes oriundos de apreensão e tráfico e que não terão o incomodo da presença do público. Contudo, questões como a transformação desses santuários em locais de recepção de estagiários interessados na vida natural que pagam para ficar poucas semanas, tem gerado uma fonte de renda que se questiona o quanto pode influenciar nas intenções dos criadouros conservacionistas.
O uso de animais para entretenimento é insustentável em uma sociedade que tem tantas opções para um divertimento saudável e que não envolva sofrimento e humilhação do outro. Contudo, ainda é o uso mais diversificado e cruel. Discutimos o circo e foi pontuado o marketing feito para crianças e vêm no circo a oportunidade da vida em ver um animal selvagem e feroz. Imaginário que permeia a vida do adulto e transmite para seus filhos. A televisão tem se tornado o circo moderno, em que os animais são utilizados das mais diferentes formas para entretenimento das pessoas. Embora estejam distantes, não quer dizer que não tenham sofrido e que o simples fato de assistir um programa e consumir o produto anunciado não desvincula da conivência com todos os maus-tratos praticados.  Dentre as vertentes foi, ainda, o turismo ecológico e relatado o descaso com os cavalos de charrete em São Lourenço que passam horas seguidas passeando com turistas, levando-os até a morte. A zoofilia também foi levantada e a preocupação no divertimento sexual com os animais que estão sendo utilizados para substituição do parceiro humano em decorrência das dificuldades em se manter um relacionamento. A apreensão de animais selvagens como animais de companhia também extrapola a compressão dos motivos que levariam o ser humano ter a necessidade de causar sofrimento justificando a posse ou a relação com o simbolismo e status que representam. Atitudes egoístas que incentivam o tráfico de animais, a perda populacional e o sofrimento individual.
Quando trabalhamos com conservação temos a preocupação de compreender o animal inserido no contexto do ecossistema -  como parte de uma teia de relações. Nós trabalhamos com diferentes abordagens no intuído de que todos tenham o direito de desfrutar de um ambiente saudável, de viverem suas vidas e terem as oportunidades para evoluírem. Muitas vezes nos permitimos certas práticas em nome desse ideal, contudo atualmente uma nova geração de biólogos e conservacionistas têm questionado até quanto esses estudos ou métodos são lícitos e éticos. A tecnologia vem a nosso favor para que possamos diminuir o número de animais coletados, bem como que novas técnicas de marcação, coleta e amostragem sejam desenvolvidas, e assim, preservar o máximo de vidas. Tanto como conservacionistas quanto como cidadãos iremos nos deparar com situações que nossas escolhas poderão impactar na vida de um animal, mesmo que essa escolha seja se omitir, por isso esses momentos de trocas e dispersão de sementes são tão importantes na jornada em busca de novos paradigmas no uso de animais!