ÉTICA NO USO DE ANIMAIS: ANIMAIS EXPLORADOS PARA TURISMO ECOLÓGICO


Série Ensaios: Ética no Uso de Animais e Bem-estar Animal

Por HANNA MAY P. CARVALHO
Pós-graduanda do curso de Conservação da Natureza e Educação Ambiental



Desde antes de Cristo, a visão geral do homem em relação à natureza era puramente utilitarista, durante muito tempo o homem não se preocupou com os danos que vinha causando nem tampouco com o sofrimento dos animais diante das adversas situações a que eram submetidos. A ética animal foi construída em sociedade, com base em valores históricos e culturais, embasados por filósofos como Platão e Descartes, que diferenciavam o homem do animal, classificando os animais como coisas sobre as quais podiam dispor com poderes de vida e morte.
O debate sobre o bem-estar animal iniciou-se após a publicação de um livro escrito em 1964 pela inglesa Ruth Harrison, com o título “Máquinas Animais”, apesar das diferenças de valores e opiniões de produtores e consumidores, foi à partir daí que a perspectiva da população começou a mudar mediante o tratamento animal, passou-se a considerar a idéia de que os animais sofrem e gostariam de deixar de sofrer. Liderada pelo médico veterinário Rogers Brambell, em 1965, foi divulgado o que ficaria conhecido como relatório Brambell, que girava em torno das dificuldades de se avaliar o bem-estar animal devido à falta de parâmetros claros e consensuais. Em 1967 foi estabelecida a “Comissão de Bem-estar de Animais de Produção” (Farm Animal Welfare Advisory Committee – FAWAC), que deu origem, em 1979, ao “Conselho de Bem-estar dos Animais de Produção” (FAWC). O FAWC ficou internacionalmente conhecido ao divulgar as chamadas Cinco Liberdades de Jhon Webster, que constituem a referência mínima para avaliar a propriedade, a indústria e o manejo, quanto ao respeito e bem-estar dos animais, sob os seguintes aspectos:
Liberdade Fisiológica – ausência de fome e sede (alimentação = quantidade + qualidade);
Liberdade Ambiental – ausência de desconforto térmico ou físico (instalações e ou edificações adaptadas);
Liberdade Sanitária – ausência de injúrias e doenças (física ou moral);
Liberdade Comportamental – possibilidade para expressar padrões de comportamento normais. O ambiente deve permitir e oferecer condições;
Liberdade Psicológica – ausência de medo e ansiedade. O animal não deve ser exposto a situações que lhe provoquem angústia, ansiedade, medo ou dor.
Em declarações concomitantes, autores da época identificam o bem-estar animal representado em comportamento animal natural, adaptativo ao ambiente e que permita um bom funcionamento biológico a nível de sobrevivência, saúde e sucesso reprodutivo. Sendo assim, o bem-estar animal pode ser medido através de metodologias de análise sobre aspectos fisiológicos e comportamentais.
Durante os últimos 10 mil anos, de um total de 148 mamíferos de grande porte existentes na Terra, apenas 15 espécies foram domesticadas. São classificados como de grande porte os mamíferos com mais de 45 quilos. Destas 15 espécies, menos da metade se adaptou como animal de carga, dentre estas destaca-se os burros (Equus asinus), estes equídeos variam muito em tamanho, geralmente entre 0.9 e 1.4m de altura, como animais de carga, burros normalmente não levam mais que 50 ou 60 kg de carga ou 30% do peso do seu corpo. Sua resistência em aproximações áridas em regiões montanhosas é muito boa. Burros tem muita facilidade em se mover em terrenos acidentados e rochosos pois eles tendem a mover uma pata dianteira por vez, tornando a subida muito mais precisa e menos cansativa e, quando comparados com cavalos, burros precisam de menos comida em relação ao seu peso. Infelizmente todas as adaptações que estes animais possuem acabam por lhes destacar no ecoturismo como meio de transporte, por ser uma exploração economicamente mais viável.
Ecoturismo é um segmento da atividade turística que utiliza de forma sustentável o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do ambiente. A atividade busca valorizar as premissas ambientais, sociais, culturais e econômicas e inclui a interpretação ambiental como um fator importante durante a experiência turística. Porém apesar do belo significado, o ecoturismo por vezes explora animais como meios de transporte desnecessário em passeios, carregando pessoas ou bagagens pesadas, sem jornada de trabalho definida e muitas vezes sob sol escaldante. Muito se fala em busca de sustentabilidade e turismo sustentável, mas pouco se tem, como seria possível estabelecer um limite entre o que é ético/suportável para um animal e o que causaria um extremo sofrimento para esses seres que não têm como escapar dessa cruel realidade. Os animais não têm recurso algum, são escravizados. Se, por acaso, em função do sofrimento ao qual são submetidos, atacam, prontamente apanham ou são abatidos. O Parque Kfar Kedem, em Israel promove passeios de burros por regiões bíblicas como a Galiléia, os visitantes são convidados a vestir roupas da época para entender como as pessoas viviam nos tempos das escrituras hebraicas ou Velho Testamento, contudo, contradizendo a proposta do parque os turistas tem acesso a rede wi-fi, graças a instalação de roteadores que os animais levam em bolsinha que ficam ao redor do pescoço.
Segundo a  Declaração Universal Dos Direitos Dos Animais, proclamada pela UNESCO em sessão realizada em Bruxelas na data de 27 de janeiro de 1978, ao menos três direitos destes animais estão sendo claramente infringidos de acordo com os artigos Art. 2° "a"; Art. 7º e Art. 10 "b". Nas leis, tanto federais como estaduais ou municipais existentes, embora esteja claro, em algumas, que o real interesse é proteger o homem de si mesmo, acabaram por dar aos animais um pouco mais de dignidade de vida.
A ética do bem-estar considera as atitudes humanas para com os animais.
Segundo o (BEA), o referencial é o estado do animal em seu ambiente e só pode ser entendido a partir do reconhecimento dos animais como seres sencientes (capazes de vivenciar emoções, de perceber e sentir). Os burros de passeio não expressam um comportamento natural pois passam o dia carregando pessoas de um lado para outro e no caso apresentado ainda levam um aparelho eletrônico como adorno no pescoço, certamente esta situação apresenta no mínimo um desconforto que pode afetar o estado físico ou mental do equino ou até mesmo ambos.
Em uma análise crítica de bem-estar provavelmente esses animais se enquadrariam em uma escala pobre pois lhes são supridas apenas suas necessidades fundamentais, além de estarem submetidos a um certo nível de stress. O ideal seria impedir a exploração de animais para esse fim, ou ao menos limitar o tempo para que estes tenham descanso, uma vez que a legislação existente no país é absolutamente ineficaz para dar qualquer proteção, simplesmente porque não há qualquer órgão de fiscalização que atue especificamente para esse tipo de caso.



O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Ética e Bem-estar animal e baseado nos sites dispostos em hiperlinks ao longo do texto e nas seguintes obras:

Broom, DM (1991). Animal welfare: concepts and measurement. Journal of Animal Science Vol. 69: 4167-4175.
Dawkins, M.S. (1990). From an Animal's Point of View: motivation, fitness, and animal welfare. Behavioural and Brain Sciences, Vol.13,no.1: 1-9, and author's response
Duncan, I.J.H., Fraser, D. (1997). Understanding animal welfare. Animal welfare. (Ed. M.C.Appleby & B.O.Hughes) CAB. International: 19-32
Olsson, IAS (2006) Ética e Bem-Estar Animal. Sociedade de Ética Ambiental e Apenas Livros Lda. Vol. 4
Tannenbaum, J (1991) Ethics and animal welfare: The inextricable connection. Journal American Veterinary Medical Association, Vol. 198: 1360-1376
FENNELL, David A. Ecoturismo: Uma introdução. São Paulo: Contexto, 2002.