quinta-feira, 22 de maio de 2014

Bem Estar Em Invertebrados: Estudando e Comendo Insetos??


Série Ensaios: Ética no Uso de Animais e Bem-estar Animal

Por Thaís Gaissler Velozo
Pós-graduanda do curso de Conservação da Natureza e Educação Ambiental


Historicamente, o homem tem uma relação com os animais na qual eles sempre estão para servi-lo, seja para diversão, para trabalho, como fonte de alimento, como companhia, para pesquisas ou no uso didático, que resulta em estresse e sofrimento para o ser manipulado (SINGER, 2004). No entanto, com os problemas ambientais e mudanças sociais, iniciou-se uma preocupação com o as formas de usos dos animais, levando ao desenvolvimento do conceito de bem-estar animal e de posições críticas sobre a utilização destes organismos. Bem-estar deve ser definido de forma que permita pronta relação com outros conceitos, tais como: necessidades, liberdades, felicidade, adaptação, controle, capacidade de previsão, sentimentos, sofrimento, dor, ansiedade, medo, tédio, estresse e saúde”(BROOM,2004).
Os estudos que tratam dos saberes tradicionais de forma geral retratam a forma como as populações tradicionais usam e se apropriam dos recursos naturais, sejam através do manejo, das crenças, conhecimentos, percepções e comportamentos (MOURÃO E NORDI, 2006). O conceito de senciência foi alterado, sendo que hoje os estudos consideram que animais são capazes de viver experiências negativas e positivas evidenciando estados emocionais (OLIVEIRA E GOLDIM, 2014). Análises realizadas em invertebrados, como baratas, moscas e lesmas, mostram que estes organismos possuem capacidade de apresentar memória de curto e longo prazo, capacidade de memória afetada pela idade do indivíduo; noção espacial complexa; capacidade de aprendizado social e associativo; e respostas comportamentais e fisiológicas que indicam dor (SHERWIN, 2001). “A aceitação da senciência animal dos vertebrados está em vias de consenso, diferentemente, da senciência dos invertebrados, que ainda não desperta interesse suficiente”. (OLIVEIRA E GOLDIM, 2014, p.48)
Nas aulas práticas o respeito e limites no uso de animais são desprezados, pois quando chegamos aos laboratórios, já percebemos aquelas estantes cheias de vidros com animais invertebrados e vertebrados esquecidos e mal conservados. Na maioria dos laboratórios, o que mais encontramos são os invertebrados, que por sua vez são mais fáceis de serem capturados. Além disso, há casos em que são pedidos pelos próprios professores, onde todos têm que coletar vários animais.
A transformação de atitudes no campo das Ciências Biológicas especialmente as referentes a seleção das práticas pedagógicas exige que os  professores de universidade sejam  éticos em relação ao uso de seres vivos como recurso didático. Uma visão de ensino que valorize espécies que são julgadas como inferiores. Nesse pensamento do homem ultrapassado espera-se um modelo de ensino Ético. Infelizmente ainda encontramos professores no Ensino Básico usando animais ou partes deles em suas atividades práticas de ensino de Ciências e Biologia. Essa prática não valoriza a vida, e ainda induz os alunos a pensarem que esses animais são descartáveis (LIMA et al., 2008, p.354).
Hoje já sabemos da importância de uma atividade com aplicação de modelos, slides, filmes e softwares como instrumentos didáticos que favorecerão saberes na perspectiva da aprendizagem. Se bem direcionadas, essas aulas facilitarão a aprendizagem do aluno (LIMA et al.,2008,p.354). É desafiador para esses professores ensinar com Bioética, um paradigma que abre portas para a discussão sobre: respeito, ética, segurança e o principal o valor da vida animal.  “Neste discurso, o professor é peça chave na promoção do bem-estar animal, orientando o aluno de forma ética em todos os aspectos relacionados ao tema, incluindo aspectos deontológicos e legais” (LIMA et al., 2008, p. 354).
O uso de insetos não apenas para a alimentação, como também pela medicina tradicional é uma prática comum (SANTOS E FLORÊNCIO,2013,p.790). E o uso de animais invertebrados não para por ai, no México, é usado alguns tipos de percevejos como condimento, mesmo com compostos odoríferos e desagradáveis. Esses percevejos são vendidos vivos, sendo consumidos torrados, moídos ou para temperar alguns pratos. Dos insetos registrados pelo menos 1.417 espécies são usadas como alimentos. Um exemplo é a Tailândia que consome o louva-a-deus como uma pasta, já a China consome formigas acreditando no efeito rejuvenescedor (SANTOS E FLORÊNCIO,2013,P.790). A ONU defende a prática de comer insetos em países que passam fome. Uma pesquisa feita com lagartas diz que elas são ótima fonte de proteína, que pode ser visto no vídeo (INSETOS-ONU, 2013).


Na União Europeia (UE), o objetivo principal são os padrões de bem-estar animal, baseado na legislação e nos avanços científicos. O Brasil registra o uso de insetos como alimento desde o início da sua colonização. Forattini (apud SANTOS E FLORÊNCIO, 2013, p.789), refere-se a José de Anchieta que em suas cartas, ressalta propriedades nutricionais do abdômen de iças e certas larvas que nascem entre as taquaras, que são redondos e longos, todo branco e com gordura de um dedo, que os índios comem assado e torrado e fazem um ensopado que em nada difere da carne de porcoo. O Brasil teve o seu primeiro decreto de proteção animal em 1934 (Decreto 24.645/34) que proíbe maus tratos aos animais durante a execução de metodologias de ensino. O Decreto-lei 3.688 de 1941 previa uma punição para aqueles que, realizassem em lugar público ou exposto ao público experiência dolorosa ou cruel em animal vivo mesmo que para fins didáticos. No entanto, aqui no Brasil na sua primeira lei era definido animal todo ser irracional, quadrúpede ou bípede, domestico ou selvagem, exceto os daninhos excluindo os invertebrados. A dieta do brasileiro é composta por quatro tipos de insetos: a tanajura (fêmea ova das saúvas, formigas do gênero Atta), o bicho-da-taquara (larva da borboleta Morpheis smerintha); os bichos-das-palmeiras (larvas dos besouros Rhynchophorus palmarum e Rhina barbirostris) e o bicho-do-coco (larva do besouro Pachymerus nucleorum), estas espécies apresentam valor nutricional, as larvas fritas de R. palmarum indicaram 54,3% de nitrogênio totais, 21,1% de lipídios e 12,7% de água. Na feira de Caruaru (PE), a tanajuras é comercializada para os proprietários de bares, que é oferecida como um tira-gosto para acompanhar a cachaça  (SANTOS E FLORÊNCIO,2013,P.790).


No Estado da Bahia, 180 animais foram registrados como recursos medicinais, separados por doze categorias taxonômicas: milípedes (0,5%), anelídeos (1,0%), anfíbios (1,0%), aracnídeos (1,0%), equinodermos (1,5%), crustáceos (4,0%), moluscos (6,0%), répteis (12,0%), aves (13,0%), peixes (17,0%), mamíferos (20,0%) e insetos (23,0%) (NETO, 2011). A principal razão da farmacopéia baiana apresentar elevado número de animais envolvidos é pela crença no poder de cura nesses remédios. A legislação hoje conceitua como “animal” os indivíduos do filo Chordata e subfilo Vertebrata. Os vertebrados correspondem à minoria das espécies  descritos, aproximadamente ,5% de toda a fauna  já conhecida. Os outros 34 filos do Reino Animal recebem a denominação de “invertebrados”. Os invertebrados com evidência de senciência são os grupos de animais: filo Arthopoda (1.097.289 espécies) e filo Mollusca (93.195 espécies) protegidos em alguns países por lei. Por razões econômicas, os invertebrados apresentam um alto potencial biomédico e podem ser criados com uma pequena fração de gastos em relação aos vertebrados. Os invertebrados ainda não foram incluídos na regulamentação de proteção animal pela razão da não comprovação científica da senciência. Embora haja discordância, alguns pesquisadores acreditam na possibilidade da senciência, recomendando-se que eles recebam cuidados humanitários. “A impossibilidade de acessar estágios emocionais, bem como a de mapear precisamente mecanismos da dor e sofrimento, não deve excluir esses animais da consideração moral em proporcionar-lhes cuidado e bem-estar”. (OLIVEIRA E GOLDIM, 2014, p. 53).

Infelizmente, muitos animais utilizados na zooterapia estão na lista de extinção. Com a diminuição das espécies, por meio da caça e uso cultural variados é enorme, algumas sem ter a chance da Ciência estudar. Eu como Bióloga acredito que infelizmente, muitos animais utilizados na zooterapia, na farmacopéia e na alimentação estão na lista de extinção. Com a diminuição das espécies, por meio da caça e uso cultural variados é enorme, e nem sempre há uma preocupação com o bem-estar destes animais. Aliás, por mais que a nossa legislação só inclua os vertebrados, como ficarão os invertebrados? Alguns sem ter a chance da Ciência estudar. Deve haver uma maior preocupação com estes organismos, por mais que haja lacunas na compreensão da senciência de alguns grupos de invertebrados.


O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Ética e Bem-estar animal e baseado nas seguintes obras:

BROOM, D. M.; MOLENTO, C. F. M. Bem-estar animal: conceito e questões relacionadas – Revisão. Archives of Veterinary Science, v. 9, n. 2, p. 1-11, 2004. Disponível em .
CIÊNCIA E AMBIENTE. 2013. FAO recomenda alimentação com insetos para combater a fome. Disponível em: . Acesso em: 20 de maio de 2014.
EMBRAPA – EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA. 2014. Laboratório de Entomologia e controle biológico. Disponível em: . Acesso em: 20 de maio de 2014.
FORATTINI, O.P. História da entomologia no Brasil. Rev. Brasileira de Entomologia. v. 11, p. 4-12, 1964.
INSETOS-ONU. Comer insetos é melhor que morrer de fome diz a ONU. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=4u73bwLeNjA> Acesso em: 16/05/2014 as 10:59.
LIMA, K.E.C.; MAYER, M.; CARNEIRO-LEÃO, A.M.; VASCONCELOS, S.D. Conflito ou convergência? Percepções de professores e licenciadores sobre ética no uso de animais no ensino da zoologia. Rev. Investigações em Ensino de Ciências. v. 13, n. 3, p. 353-369, 2008.
MOURÃO, J.S.; NORDI, N. Pescadores, peixes, espaço e tempo: uma abordagem etnoecológica. Interciência, Caracas, v. 31, n. 5, p. 1-7, 2006.
NETO, E.C. 2013. Consumo de insetos recomendado pela ONU. Disponível em: . Acesso em: 20 de maio de 2014.
NETO, E.M.C. A zooterapia popular no Estado da Bahia: registro de novas espécies animais utilizadas como recursos medicinais. Rev. Ciência e Saúde Coletiva. v. 16, n.1, p. 1639-1650, 2011.
OLIVEIRA, E.M.; GOLDIM, J.R. Legislação de proteção animal para fins científicos e a não inclusão dos invertebrados – análise bioética. Revista Bioética. v. 22, n. 1, p. 45-56, 2014.
SANTOS, C.A.B.;  FLORÊNCIO, R.R. Breve histórico das relações homem-ambiente presentes na entomofagia e entomoterapia. Rev. Eletrônica Polêm!ca. v. 12, n. 2, p. 786-798, 2013.
SINGER, P. Libertação animal. São Paulo: Lugano. 2004.
SHERWIN, C. Can invertebrates suffer? Or, how robust is argument-by-analogy. Anim Welf. v. 10, n. 1, p. 103-118, 2001.



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