Série Ensaios: Ética no Uso de Animais
e Bem-estar Animal
Por Thaís Gaissler
Velozo
Pós-graduanda do curso de
Conservação da Natureza e Educação Ambiental
Historicamente, o homem tem
uma relação com os animais na qual eles sempre estão para servi-lo, seja para
diversão, para trabalho, como fonte de alimento, como companhia, para pesquisas
ou no uso didático, que resulta em estresse e sofrimento para o ser manipulado
(SINGER, 2004). No entanto, com os problemas ambientais e mudanças sociais,
iniciou-se uma preocupação com o as formas de usos dos animais, levando ao
desenvolvimento do conceito de bem-estar animal e de posições críticas sobre a
utilização destes organismos. “Bem-estar
deve ser definido de forma que permita pronta relação com outros conceitos,
tais como: necessidades, liberdades, felicidade, adaptação, controle,
capacidade de previsão, sentimentos, sofrimento, dor, ansiedade, medo, tédio,
estresse e saúde”(BROOM,2004).
Os estudos que tratam dos saberes
tradicionais de forma geral retratam a forma como as populações
tradicionais usam e se apropriam dos recursos naturais, sejam através do
manejo, das crenças, conhecimentos, percepções e comportamentos (MOURÃO E NORDI,
2006). O conceito de senciência
foi alterado, sendo que hoje os estudos consideram que animais são capazes de
viver experiências negativas e positivas evidenciando estados emocionais (OLIVEIRA
E GOLDIM, 2014). Análises realizadas em invertebrados,
como baratas, moscas e lesmas, mostram que estes
organismos possuem capacidade de apresentar memória de curto e longo
prazo, capacidade de memória afetada pela idade do indivíduo; noção espacial
complexa; capacidade de aprendizado social e associativo; e respostas
comportamentais e fisiológicas que indicam dor (SHERWIN, 2001). “A aceitação da
senciência
animal dos vertebrados está em vias de consenso, diferentemente, da
senciência dos invertebrados, que ainda não desperta interesse suficiente”. (OLIVEIRA
E GOLDIM, 2014, p.48)
Nas aulas práticas o respeito e limites
no uso de animais são desprezados, pois quando chegamos aos laboratórios, já
percebemos aquelas estantes cheias de vidros com animais invertebrados e
vertebrados esquecidos e mal conservados. Na maioria dos laboratórios, o que mais encontramos são os invertebrados,
que por sua vez são mais fáceis de serem capturados. Além disso, há casos em
que são pedidos pelos próprios professores, onde todos têm que coletar vários
animais.
A transformação de atitudes no campo das
Ciências Biológicas especialmente as referentes a seleção das práticas
pedagógicas exige que os professores
de universidade sejam éticos em relação
ao uso de seres vivos como recurso didático. Uma visão de ensino que valorize
espécies que são julgadas como inferiores. Nesse pensamento do homem
ultrapassado espera-se um modelo de ensino Ético. Infelizmente ainda
encontramos professores no Ensino Básico usando animais ou partes deles em suas
atividades práticas de ensino de Ciências e Biologia. Essa prática não valoriza
a vida, e ainda induz os alunos a pensarem que esses animais são descartáveis
(LIMA et al., 2008, p.354).
Hoje já sabemos da importância de uma
atividade com aplicação de modelos, slides, filmes e softwares como instrumentos
didáticos que favorecerão saberes na perspectiva da aprendizagem. Se bem
direcionadas, essas aulas facilitarão a aprendizagem do aluno (LIMA et al.,2008,p.354). É desafiador para
esses professores ensinar
com Bioética, um paradigma que abre portas para a discussão sobre:
respeito, ética, segurança e o principal o valor da vida animal. “Neste discurso, o professor é peça chave na
promoção do bem-estar animal, orientando o aluno de forma ética em todos os
aspectos relacionados ao tema, incluindo aspectos deontológicos e legais” (LIMA
et al., 2008, p. 354).
O uso de insetos não apenas para a alimentação,
como também pela medicina
tradicional é uma prática comum (SANTOS E FLORÊNCIO,2013,p.790). E o uso de
animais invertebrados não para por ai, no México, é usado alguns tipos de
percevejos como condimento, mesmo com compostos odoríferos e desagradáveis. Esses
percevejos são vendidos vivos, sendo consumidos torrados, moídos ou para
temperar alguns pratos. Dos insetos registrados pelo menos 1.417 espécies são
usadas como alimentos. Um exemplo é a Tailândia
que consome o louva-a-deus como uma pasta, já a China consome formigas acreditando
no efeito rejuvenescedor (SANTOS E FLORÊNCIO,2013,P.790). A ONU defende a
prática de comer insetos em países que passam fome. Uma pesquisa feita com
lagartas diz que elas são ótima fonte de proteína, que
pode ser visto no vídeo (INSETOS-ONU, 2013).
Na
União Europeia (UE), o objetivo principal são os padrões de bem-estar animal,
baseado na legislação e nos avanços científicos. O Brasil registra o uso de
insetos como alimento desde o início da sua colonização. Forattini (apud SANTOS
E FLORÊNCIO, 2013, p.789), refere-se a José
de Anchieta que em suas cartas, ressalta propriedades nutricionais do
abdômen de iças e certas larvas que nascem entre as taquaras, que são redondos
e longos, todo branco e com gordura de um dedo, que os índios comem assado e
torrado e fazem um ensopado que em nada difere da carne de porcoo. O Brasil
teve o seu primeiro decreto de proteção animal em 1934 (Decreto
24.645/34) que proíbe maus tratos aos animais durante a execução de
metodologias de ensino. O Decreto-lei
3.688 de 1941 previa uma punição para aqueles que, realizassem em lugar
público ou exposto ao público experiência dolorosa ou cruel em animal vivo
mesmo que para fins didáticos. No entanto, aqui no Brasil na sua primeira lei
era definido animal todo ser irracional, quadrúpede ou bípede, domestico ou
selvagem, exceto os daninhos excluindo os invertebrados. A dieta do brasileiro
é composta por quatro tipos de insetos: a tanajura (fêmea ova das
saúvas, formigas do gênero Atta), o bicho-da-taquara (larva da borboleta Morpheis
smerintha); os bichos-das-palmeiras (larvas dos besouros Rhynchophorus
palmarum e Rhina barbirostris) e o bicho-do-coco (larva do besouro Pachymerus
nucleorum), estas espécies apresentam valor nutricional, as larvas fritas
de R. palmarum indicaram 54,3% de nitrogênio totais, 21,1% de lipídios e
12,7% de água. Na feira de Caruaru (PE), a tanajuras é comercializada para os
proprietários de bares, que é oferecida como um tira-gosto para acompanhar a
cachaça (SANTOS E FLORÊNCIO,2013,P.790).
No
Estado da Bahia, 180 animais foram registrados como recursos medicinais,
separados por doze categorias taxonômicas: milípedes (0,5%), anelídeos (1,0%),
anfíbios (1,0%), aracnídeos (1,0%), equinodermos (1,5%), crustáceos (4,0%),
moluscos (6,0%), répteis (12,0%), aves (13,0%), peixes (17,0%), mamíferos
(20,0%) e insetos (23,0%) (NETO, 2011). A principal razão da farmacopéia
baiana apresentar elevado número de animais envolvidos é pela crença no
poder de cura nesses remédios. A legislação hoje conceitua como “animal” os
indivíduos do filo Chordata e subfilo Vertebrata. Os vertebrados
correspondem à minoria das espécies
descritos, aproximadamente ,5% de toda a fauna já conhecida. Os outros 34 filos do Reino
Animal recebem a denominação de “invertebrados”. Os invertebrados com evidência
de senciência são os grupos de animais: filo Arthopoda (1.097.289 espécies) e
filo Mollusca (93.195 espécies) protegidos em alguns países por lei. Por razões
econômicas, os invertebrados apresentam um alto potencial biomédico e podem ser
criados com uma pequena fração de gastos em relação aos vertebrados. Os
invertebrados ainda não foram incluídos na regulamentação
de proteção animal pela razão da não comprovação científica da senciência.
Embora haja discordância, alguns pesquisadores acreditam na possibilidade da
senciência, recomendando-se que eles recebam cuidados humanitários. “A
impossibilidade de acessar estágios emocionais, bem como a de mapear
precisamente mecanismos da dor e sofrimento, não deve excluir esses animais da
consideração moral em proporcionar-lhes cuidado e bem-estar”. (OLIVEIRA E
GOLDIM, 2014, p. 53).
Infelizmente, muitos animais utilizados
na zooterapia estão na lista de extinção. Com a diminuição das espécies, por
meio da caça e uso cultural variados é enorme, algumas sem ter a chance da
Ciência estudar. Eu como Bióloga acredito que infelizmente, muitos animais
utilizados na zooterapia, na farmacopéia e na alimentação estão na lista de
extinção. Com a diminuição das espécies, por meio da
caça e uso cultural variados é enorme, e nem sempre há uma preocupação com o
bem-estar destes animais. Aliás, por mais que a nossa legislação só inclua os
vertebrados, como ficarão os invertebrados? Alguns sem ter a chance da Ciência
estudar. Deve haver uma maior preocupação com estes organismos, por mais que
haja lacunas na compreensão da senciência de alguns grupos de invertebrados.
O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Ética e
Bem-estar animal e baseado nas seguintes obras:
BROOM,
D. M.; MOLENTO, C. F. M. Bem-estar animal: conceito e questões relacionadas –
Revisão. Archives of Veterinary Science,
v. 9, n. 2, p. 1-11, 2004. Disponível em
.
CIÊNCIA E
AMBIENTE. 2013. FAO recomenda
alimentação com insetos para combater a fome. Disponível em:
.
Acesso em: 20 de maio de 2014.
EMBRAPA –
EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA. 2014. Laboratório de Entomologia e controle biológico. Disponível em:
. Acesso
em: 20 de maio de 2014.
FORATTINI, O.P. História da entomologia no Brasil. Rev. Brasileira de Entomologia. v. 11,
p. 4-12, 1964.
INSETOS-ONU. Comer insetos é melhor que morrer de fome
diz a ONU. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=4u73bwLeNjA>
Acesso em: 16/05/2014 as 10:59.
LIMA, K.E.C.;
MAYER, M.; CARNEIRO-LEÃO, A.M.; VASCONCELOS, S.D. Conflito ou convergência? Percepções de professores e licenciadores
sobre ética no uso de animais no ensino da zoologia. Rev. Investigações em Ensino de Ciências. v. 13, n. 3, p. 353-369,
2008.
MOURÃO, J.S.;
NORDI, N. Pescadores, peixes, espaço e tempo: uma abordagem etnoecológica.
Interciência, Caracas, v. 31, n. 5, p. 1-7, 2006.
NETO, E.C. 2013.
Consumo de insetos recomendado pela ONU.
Disponível em: . Acesso em: 20 de maio de
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NETO, E.M.C. A zooterapia popular no Estado da Bahia:
registro de novas espécies animais utilizadas como recursos medicinais. Rev. Ciência e Saúde Coletiva. v. 16,
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OLIVEIRA, E.M.;
GOLDIM, J.R. Legislação de proteção
animal para fins científicos e a não inclusão dos invertebrados – análise
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SANTOS,
C.A.B.; FLORÊNCIO, R.R. Breve histórico das relações homem-ambiente
presentes na entomofagia e entomoterapia. Rev. Eletrônica Polêm!ca. v. 12, n. 2, p. 786-798, 2013.
SINGER, P. Libertação animal. São Paulo:
Lugano. 2004.
SHERWIN, C. Can
invertebrates suffer? Or, how robust is argument-by-analogy. Anim Welf. v. 10, n. 1, p. 103-118,
2001.
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