segunda-feira, 19 de maio de 2014

Animais silvestres: vale a pena a criação? Como pet não!


Série Ensaios: Ética no Uso de Animais

Por  Leonardo José Lobo Brantes
Pós graduando em Conservação da Natureza e Educação Ambiental

Nos últimos 60 anos houve um grande avanço na reflexão ética a respeito das relações entre o homem e os demais animais, tanto ao nível social quanto acadêmico, em que inúmeras pessoas mudaram a sua conduta depois que identificaram seus próprios sentimentos em outros animais (Fischer e Oliveira, 2012). Historicamente, o poder humano sobre os outros seres é antigo, Pitágoras, no século VI a.C., já alertava para o valor inerente às “coisas vivas”. O homem por sua vez, violou o “contrato animal” quando passou a se considerar superior e também desenvolver técnicas de domesticação de plantas e animais, com consequente aumento do seu território em detrimento do território das demais espécies. (Fischer e Oliveira, 2012)
De acordo com vídeo publicado pela WPSA (1,2,3), estima-se que atualmente no Brasil em cada quatro lares, um possua algum animal como companhia. Em detrimento do ser humano querer recuperar o elo perdido com a natureza, em busca de status, curiosidade ou ingenuidade, outros tipos de animais têm sido cada vez mais comuns nos ambientes urbanos, os animais silvestres.


A Lei 5.197/67, Lei de Proteção à Fauna, em seu artigo 1º define fauna silvestre como sendo: os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo-se esta bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais, propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha, excetuando-se os espécimes provenientes legalizados. Assim sendo, temos que a comercialização em questão será permitida desde que haja o devido registro das espécimes, devendo o IBAMA preocupar-se não só com o criadouro comercial e comerciante, bem como, com o consumidor final, já que este manterá sob seus cuidados e vontades, por toda a vida, o animal.



Segundo documento publicado pela gestão de 2011 a 2014 do Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRVM) do Rio Grande do Sul a regulamentação para a criação comercial de espécies silvestres nativas: “está definida na Portaria n° 118, de 15 de outubro de 1997, que normatiza a criação para fins econômicos e industriais. Para a criação comercial de fauna exótica, a Portaria n° 102, de 15 de julho de 1998, regulamenta a atividade. Além disso, a Resolução nº 394/07, estabelece os critérios para determinação de espécies silvestres a serem criadas e comercializadas como animais de estimação.”  É triste afirmar que a proibição não garante a não criação desses animais, uma vez que a demanda para criação é grande e envolve temas delicados como hábitos culturais, crendices e questões sentimentais. Há de salientar que é cada vez mais comum que pessoas em todo território nacional mantenham animais silvestres irregularmente em suas residências, sem nenhum comprometimento legal, condições sanitárias ou garantia de procedência dos animais, implicando assim para o tráfico de animais. Uma notícia publicada no dia 12/05/2014 no National Geographic Brasil revela que a retirada de espécies selvagens da natureza para suprir o mercado de bichos de estimação, sustenta uma das maiores ameaças à biodiversidade brasileira,  sendo que é a modalidade de comércio ilegal que mais incentiva o tráfico de animais silvestres no Brasil. Segundo um levantamento realizado pelo IBAMA, em 2002, os Núcleos de Fauna e os Centros de Triagem de Animais Silvestres receberam um total de 44.355 espécimes provenientes de apreensões, sendo que destes, 82,71% eram aves, 13,75% répteis e 3,54% mamíferos. Já de acordo com um levantamento realizado pela Polícia Militar Ambiental (PMA) do Estado de São Paulo com dados referentes ao ano de 2006, apenas naquele ano e somente no Estado de São Paulo, foram apreendidos pela PMA (excetuando-se então apreensões realizadas pelas polícias Civil, Federal, Rodoviária) 30.216 animais, sendo que destes 26.313 eram aves.” Ao retirar o animal do ambiente natural, além do grande risco de mortalidade, extinção na natureza comprometimento da dinâmica do ecossistema local, cria-se ainda um grave problema de equilíbrio fisiológico, indução de estresse e indução de má qualidade de vida devido o sofrimento do animal.

Para os animais silvestres, a vida em cativeiro por mais confortável que nos pareça, significa a negação de toda sua natureza. As necessidades comportamentais não se restringem apenas a sua fisiologia. Como muitas vezes desconhecemos os sinais comunicativos dos animais a ciência do bem-estar animal determinou que devem ser respeitados as Cinco Liberdades dos Animais como condição de criação, a saber:
1.      Liberdade de Fome e Sede – Água limpa e freca e uma dieta saudável e equilibrada, de acordo com a espécie
2.      Liberdade de desconforto – ambiente adequado, incluindo abrigo e uma área de descanso confortável
3.      Liberdade de dor, ferimento ou doença – prevenção ou diagnostico e tratamento rápido
4.      Liberdade para expressar o comportamento normal – Fornecer espaço suficiente, instalações adequadas e companhia (preferencialmente de sua própria espécie animal).
5.      Liberdade de medo e angústia – proteção, garantia de condições e tratamento que evitem sofrimento mental, medo e estresse
Torna-se de extrema importância desenvolver então uma campanha rigorosa de fiscalização por meio dos órgãos e entidades ambientais bem como estabelecer um lista detalhada das espécies que poderão ser criadas e comercializadas como animais de estimação. Até o momento, não foi publicada a lista destas espécies, conhecida popularmente como “Lista Pet”. 
 Abdalla (2007) contribui com algumas sugestões que sugiro ter importância:
·         Criação de políticas públicas que ofereçam maiores oportunidades de educação e emprego para as pessoas;
·         Campanhas ambientais no sentido de conscientizar as pessoas da importância de manter os animais em seu habitat natural e preservá-los;
·         Consolidação de todos os diplomas legais referentes à proteção da fauna, com a criação de uma Política Nacional de Proteção da Fauna,
·         Criação de um tipo penal específico para o tráfico de animais silvestres punindo severamente os traficantes, e compradores.

Dada a conjuntura atual de grande declínio populacional por parte do tráfico, como Biólogo penso que a vida é um valor universal e merece ser respeitada em todas as suas virtudes, nossa responsabilidade é evitar sofrimento, e se existe uma sequer possibilidade de senciência esta deverá ser priorizada em nossas decisões. Que tenhamos bom senso e racionalidade para responder a tal questionamento: será que não estamos sendo egoístas ou inconsequentes ao retirar o animal da natureza, mesmo que este já seja nascido em cativeiro? Vale a pena o sofrimento animal em detrimento do bem-estar de outrem? Você não poderia estar contribuindo indiretamente com o tráfico e extinção de espécies ao comprar um animal selvagem? A vida é um bem de todos, pense nisto!

 O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Ética no Uso de Animais e Bem estar animal, baseando-se nas obras:

ABDALLA, A. V. D. A proteção da fauna e o tráfico de animais silvestres. 2007. 235 (Dissertação de Mestrado). Direito, Uiversidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba.
BRASIL. Lei 5.197 – Lei de Proteção a Fauna. 1967
CRMV. Guia Básico de Legislação sobre, Criação, Comercialização e Manutenção de Animais Selvages em Cativeiro. Rio Grande do Sul 2011/2014.
FERREIRA, J. M. Tráfico de animais no Brasil e suas consequências. National Geographic Brasil,  2014.   Acesso em: 19/05/2014.
FISCHER, M. L.; OLIVEIRA, G. M. D. A. E. Ética no uso de animais: A experiência do Comitê de Ética no Uso de Animais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Estudos de Biologia, v. 34, n. 83,  2012.  
WPSA. Silvestre Não é Pet - 1/3 - Campanha WSPA Brasil. Disponível em:
< http://goo.gl/PaVxI9 >. Acesso em: 19/05/2014.
WPSA. Silvestre Não é Pet - 2/3 - Campanha WSPA Brasil. Disponível em:
< goo.gl/Ckul4k>. Acesso em: 19/05/2014.
WPSA. Silvestre Não é Pet - 3/3 - Campanha WSPA Brasil. Disponível em:
< goo.gl/nYCQLR>. Acesso em: 19/05/2014.

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