Série Ensaios: Ética no Uso de Animais e Bem-estar Animal
Por Mariana Cortes de Lima
Aluna do Curso de Pós-graduação em Conservação da Natureza e
Educação Ambiental da PUCPR
Os
animais sempre estiveram presentes na história da humanidade, porém, por muito
tempo eles foram subjugados
ao ser humano, sob o pretexto de serem irracionais, sem sentimentos e,
portanto, seres inferiores. A partir de diversos estudos, juntamente com o
senso comum, começaram a surgir movimentos
que defendem que os animais não-humanos também são seres dignos de respeito. Para
fundamentar as discussões foram desenvolvidas áreas da ciência voltadas a este
propósito e assim surgiram a Ética Animal,
o Bem-estar Animal
e os Direitos Animais.
Para os adeptos dos Direitos dos Animais, também chamados de abolicionistas, os
animais são sujeitos
de direito, logo, seu uso como recurso para o homem é inaceitável, independente
da finalidade. Os bem-estaristas buscam estabelecer as condições necessárias
para que a qualidade de vida dos seres sencientes
– capazes de ter sentimentos de forma consciente – seja a melhor ou a mais
satisfatória possível. A Ética Animal traz a reflexão sobre as condutas humanas
em relação aos animais e busca norteá-las em direção ao que é aceitável, com
base em determinados princípios e valores. Por diversas razões – evolutivas,
sociais e culturais – é praticamente impossível que a sociedade humana viva sem
se relacionar com os indivíduos não-humanos, no entanto, nas últimas décadas o
uso dos animais pelo homem se tornou muito polêmico, dependendo da sua
finalidade. O uso para alimentação e para testes de fármacos, por exemplo, é
bem aceito pela maior parte da população, porém, a utilização de animais em
rituais religiosos e para entretenimento
é bastante questionada. As diversas formas nas quais os animais são utilizados
devem ser regularmente reavaliadas1.
O uso de
animais em programas de televisão é frequentemente alvo de críticas
por uma parcela do público. Reality shows,
programas sensacionalistas e outros, apresentam situações que, embora pareçam
divertidas para alguns, resultam em sofrimento para os animais submetidos a
exposições desnecessárias2,3,4. Algumas atividades nesses programas
refletem a falta de sensibilidade e o total desrespeito para com estes seres,
especialmente a prova da comida e desafios que envolvem animais geralmente
vistos com repulsa pela maioria das pessoas (larvas, insetos, aranhas, cobras,
ratos e sapos). No programa Survivor China uma das provas desafiava os
participantes a ingerir corações e fetos de galinha, enguias e filhotes de
tartaruga.
O
programa No
Limite, exibido pela Rede Globo, apresentou prova semelhante, em que foram
servidos peixes vivos
– que deveriam ser mordidos antes de engolidos – e ovos de aves com o feto quase
totalmente desenvolvido. No programa Hipertensão,
da mesma emissora, uma das provas consistia em mergulhar em um tanque cheio de cobras e
outra em ficar deitado em um caixão com várias tarântulas.
Em sua última edição, o programa No Limite foi proibido
de utilizar animais na grande final, através de uma ação civil pública
ambiental movida pelo Ministério Público após denúncia dos abusos contra
animais. Outros programas, apesar de aparentemente não causarem o mesmo grau de
sofrimento que os supracitados, também mostram os animais como objetos
de jogo e recreação. No programa Bom Dia e Cia,
do SBT, o jogo
dos peixes, a prova
da tartaruga e o boliche
de ratos são alguns exemplos. Como agravante, ele é voltado ao público
infantil, podendo influenciar
as crianças a aceitarem desde cedo o uso de animais para o próprio
divertimento. No Cante
se Puder, da mesma emissora, animais vivos e mortos foram utilizados
na prova Passarela do Medo, em que os participantes deveriam pisar em
determinados compartimentos contendo galinhas, ratos, lulas, lesmas, lagartixas
ou grilos. ( Veja o Vídeo)
Em outra
parte do programa, ratinhos
são colocados em uma mesa de ping pong enquanto bolinhas são arremessadas,
correndo o risco de acertá-los. Sempre que o homem sentir necessidade de se
utilizar dos animais deve questionar se ela é mesmo real e, se for, de que
maneira ele pode causar o menor sofrimento possível, ou nenhum, ao animal em
questão. De acordo com o princípio da igual consideração de interesses,
defendido pelo filósofo Peter
Singer, o interesse de todos os envolvidos deve ter o mesmo peso na decisão
sobre executar ou não uma ação. O uso de animais para entretenimento
é uma das áreas com maior diversidade de abuso (ex.: aquários e parques
aquáticos; animais no circo; rinhas de galo, de cães e de ursos; touradas,
farra do boi e rodeios) e uma das menos justificáveis.
O
programa Hipertensão apresentou várias provas que exigiam a capacidade dos jogadores
em lidar com situações extremas e enfrentar seus medos5. Em sua
edição de 2010, a prova “Capacete dos Infernos”, eleita a mais radical do
programa6, consistia em manter o desafiante algemado e sentado em
uma cadeira giratória com uma caixa transparente na cabeça. A cada rodada, eram
colocados ratos, cobras, sapos ou larvas dentro do recipiente. Venceria aquele
que ficasse até o último bicho ser colocado e que conseguisse se soltar das
algemas e da caixa no menor tempo.
Além de
ser uma situação aterrorizante para as pessoas que participaram, ela representa
um grave atentado ao bem-estar dos animais, tratados como meros objetos para
compor uma prova e conquistar audiência televisiva. Neste desafio as três
esferas do bem-estar são prejudicadas: no aspecto físico os animais ficam
sujeitos a injúrias devido ao movimento da caixa; a manipulação, o confinamento
junto com outras espécies – inclusive espécies que são naturalmente presa e
predador –, e os gritos da pessoa com a cabeça na caixa são fatores que geram
estresse e medo aos animais, ferindo a esfera mental; por fim, na esfera natural
o animal também é prejudicado, pois a situação foge completamente ao que ele
vive e enfrenta no seu estado livre, comprometendo a expressão do seu
comportamento natural.
Utilizar
os animais dessa forma pode reforçar a repulsa que muitas pessoas já têm por eles,
levando-as a sentir ainda menos ressentimento ao maltratá-los e até matá-los. A
televisão
tem influência na opinião da população e, portanto, precisa ter cuidado com o
que divulga. Nos tempos de hoje, com as evidências científicas e o apelo cada
vez maior do público, as mídias devem servir de instrumento para mostrar que os
outros animais, além do ser humano, também são seres vivos dignos de respeito. Darwin já
afirmava que a presença das emoções
entre animais humanos e não-humanos difere em grau e não em tipo, ou seja, há
estruturas correlatas responsáveis pelas emoções no cérebro das mais variadas
espécies. As emoções
primárias são atribuídas a vários animais e incluem medo, raiva, repulsa,
surpresa, alegria e tristeza. As emoções sociais também não são exclusivas da
espécie humana e dentre elas estão: simpatia, constrangimento, vergonha, culpa,
ciúme, gratidão e indignação. Pesquisas já mostraram que muitos animais respondem
a fármacos, como anestésicos e analgésicos, de forma similar ao homem,
sugerindo que eles também possuem o aparato responsável pela experiência da dor. Além disso,
a dor se constitui em um importante instrumento de alerta e, provavelmente,
tenha desempenhado um papel fundamental na sobrevivência das espécies ao longo
da evolução.
Apesar de
não haver legislação específica para o uso de animais em programas de TV, a
proteção deles está prevista no Brasil desde o Decreto
de 1934, que considera maus-tratos “praticar ato de abuso ou crueldade em
qualquer animal”. A Constituição
Federal de 1988, em seu art. 225, veda as práticas que submetam os animais
à crueldade. A Lei
de Crimes Ambientais, de 1998, considera crime “praticar ato de abuso,
maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados,
nativos ou exóticos”. No âmbito internacional, a Declaração Universal dos
Direitos dos Animais, de 1978, prevê que os animais têm o mesmo direito à
vida; direito ao respeito e à proteção do homem; os animais selvagens têm
direito de viver livres no seu habitat; nenhum animal deve ser submetido a maus
tratos; dentre outros princípios.
Os casos aqui relatados são graves
por resultarem em maus-tratos aos animais e representarem a banalização destes
seres, que são vistos como objetos para divertir o homem. Se já não é fácil
aceitar o sofrimento animal em outras circunstâncias – por ex. em casos
específicos da experimentação animal –, o seu uso para compor provas, em que os
participantes só desejam ganhar certa quantia de dinheiro e se promover, é
absolutamente injustificável. Portanto, considerando que a presença dos animais
nessas situações não é essencialmente necessária e que o sofrimento causado a
eles é muito maior do que qualquer benefício que possa ser obtido, eu como
bióloga sugiro que este problema seja resolvido com a proibição do uso de
animais em programas de TV nesses moldes e com esses propósitos. Em relação à
presença de animais nos programas infantis, cada caso deve ser rigorosamente
avaliado quanto às situações as quais os animais são submetidos, porém, devem-se
priorizar atividades com cunho educativo, de modo a desenvolver a consciência e
o respeito das crianças em relação aos outros seres vivos.
O presente ensaio foi
elaborado para a disciplina Ética no uso de animais e Bem-estar animal e
baseado nas fontes citadas ao longo do texto, na forma de hiperlinks, e nas
seguintes obras:
Outras fontes consultadas:
FISCHER, MARTA LUCIANE; OLIVEIRA, GRACINDA MARIA D’ ALMEIDA. Ética no
uso de animais: A experiência do Comitê de Ética no Uso de Animais da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Estudos de Biologia: Ambiente e
Diversidade. 2012. Disponível em: http://www2.pucpr.br/reol/index.php/BS?dd1=7337&dd99=view
NACONECY, CARLOS M. Ética &
Animais: um guia de argumentação filosófica. EDIPUCRS. 1ª ed. 2006.
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