domingo, 27 de abril de 2014

Comportamento animal como produto da evolução filogenética


Série Ensaios: Aplicação da Etologia
 
Por Francys Emanuelle da Costa e Tabata Carvalho

Acadêmicas do Curso de Biologia da PUC Paraná

 
Etologia é a ciência que estuda o comportamento animal, ou seja, as reações do animal ao ambiente que o cerca, ou a alterações internas (metabólicas), objetivando o equilíbrio, também conhecida como homeostase. Para auxiliar este estudo a biologia molecular vem sendo muito utilizada, pois trata-se de uma ferramenta indispensável para avaliação da relação evolutiva entre grupos de organismos, a filogenia. O estudo da evolução do comportamento é tão antigo quanto o próprio darwinismo, tendo seu criador Charles Darwin, enfrentado muitos problemas ao lançar livros como “A descendência do homem” e “A expressão das emoções no homem e nos animais”. Na década de 1930, Konrad Lorenz,  Karl von Frisch  e Niko Tinbergen fundam a Etologia, em que cada espécie é dotada de seu repertorio de padrões comportamentais, como da sua particularidade anatômica, e cabe aos etólologos estudarem estes padrões de comportamentos específicos de cada espécies. Em 1963 Tinbergen propôs um método para este estudo onde deve-se observar e descrever o comportamento, e posteriormente analisa-lo com base nas análises causal, ontogenética, filogenética e funcional, que relacionam estímulos externos, mecanismos motivacionais externos, o tempo no processo de diferenciação e desenvolvimento de um indivíduo jovem, a história no curso de evolução da espécie, e a relação entre o comportamento e as mudanças do ambiente ou do próprio ser vivo. O uso de conceitos desenvolvidos no contexto de comportamento animal para análise do comportamento humano é ilustrado por diversos trabalhos: Tinbergen em 1977, propõe uma análise baseada no modelo etológico de conflito para compreensão do autismo infantil. Hinde em1972, referiu-se à possibilidade de utilizar resultados obtidos com comportamento animal para aprofundar o conhecimento sobre o ser humano, exemplo, estudos de isolamento social e separação mãe e filho em primatas não-humanos, que enriqueceram a compreensão do desenvolvimento sócio afetivo em crianças.

O estudo evolutivo do comportamento não se reduz aos mecanismos do comportamento mas, estuda sua função adaptativa e seu desenvolvimento filogenético. Atualmente, existe uma forte tendência em se reconhecer os diferentes grupos de organismos vivos com base em suas histórias evolutivas e características moleculares, estando a filogenia e etologia sempre em uso comum mesmo que indiretamente. Como exemplo um estudo muito interessante sobre A evolução dos gatos, que auxiliou na montagem de uma arvore filogenética da família Felidae, comparando seus DNAs e estimando o tempo de separação das espécies; outro estudo envolvendo felinos mostra que o tigre compartilha 95,6% do seu genoma com gato doméstico, do qual se diferenciou há 10,8 milhões de anos. Com aves, um estudo sobre a filogenia de Acipitrideos sugerem tempo de diversificação dos mesmos, colonização em diferentes regiões, evolução do comportamento migratório, especiação, evolução de linhagens independentes, relacionando história à ocupação de determinados habitats. Em humanos um exemplo pode ser dado com reflexões sobre a origem do amor no ser humano, que avalia a participação do amor no surgimento e evolução da espécie humana, com base em estudos etológicos, e sua importância para organização e estruturação interna da mesma.

Como exemplo claro desta associação (evolução-comportamento) temos a Bioacústica, que consiste no estudo dos sons emitidos por diferentes espécies na natureza (comunicação animal). Desde o princípio houve a necessidade de organizar as “sonotecas”, abrindo caminho para outras linhagens: filogenia e etologia, que auxiliaram na sistemática de aves onde somente a taxonomia estava avançada, diferente de parâmetros como a filogenia, levando à descoberta de novas espécies; e etológicamente falando foi possível incorporar descrições precisas dos sinais de comunicação sonora e seus contextos comportamentais, evidenciando funções biológicas dos sons emitidos por determinada espécie, cada ave possui um dialeto específico formado de acordo com hábitat que define um sistema bioacústico particular, ligado ao ambiente em que o indivíduo se encontra, sendo este propicio ou não ao aprendizado de dialetos por componentes genéticos, formações biológicas, etc. como explicado no seguintes estudos: Cantos, freqüências e aprendizado de dialetos específicos e Fisiologia do canto.   A partir daí apareceram padrões resultantes de tendências evolutivas e adaptativas, e segundo Vielliard & Silva (2000), os sistemas de comunicação e seus sinais não surgiram ao acaso, como todo fenômeno biológico, eles são derivados de estruturas anteriores e moldados por processos evolutivos. Portanto, o comportamento de comunicação sonora e os próprios sinais acústicos apresentam uma ontogênese e uma filogenia que refletem sua evolução. Em anfíbios anuros a emissão de sons (coachos) é o principal método usado por machos para comunicação com indivíduos da mesma espécie, possuindo padrões conservativos, ou seja, são determinados geneticamente. Os cantos podem ser de anuncio, territorial, de encontro, corte, de soltura, stress, e durante interações agonísticas, podendo ser compostos (ex. territorial e corte simultaneamente), apresentados em: O sistema de comunicação em anuros. Os machos escolhem o sítio de reprodução e vocalizam para atração de fêmeas, algumas espécies que habitam áreas próximas a cachoeiras precisam vencer o som das aguas para chamar a atenção, então desenvolveram mecanismo alternativo à vocalização, realizam movimentos com membros para sinalizar, como pode ser observado no seguinte vídeo: Anfíbio vocalizando. Na comunicação entre insetos eles utilizam vibrações sísmicas, a vibração é transmitida através do solo, e traduzida pelos sensores do indivíduo receptor da mensagem, mostrando-se uma comunicação extremamente sofisticada: sendo capazes de identificar desastre como terremotos por exemplo. Destaca-se também a comunicação química (feromônios), por odores, que percorre distancias tão grandes quanto a sonora.

O comportamento humano apresenta aspectos semelhantes e diferentes dos outros animais, por exemplo, em ratos a estimulação hormonal durante a gravidez é fundamental para o início do comportamento materno, em humanos o controle ambiental, cultural e a  experiência são decisivos, mas nas duas espécies o contato físico é essencial para a interação pais-bebê, outra semelhança é o choro do bebê que tem as mesmas funções tanto em humanos quanto em ratos, orientar os pais em direção ao filhote, nestes últimos o choro seriam as vocalizações ultrassônicas por eles emitidos. Estes sons ultrassônicos foram estudados pelo neurocientista Prof. Jaak Panksepp, que ao trabalhar com pequenos roedores e utilizar um equipamento que nos torna audível os ultrassons por eles emitidos, notou que os ratos gargalhavam quando neles eram feitas cócegas. Nós humanos, somos capazes de detectar algumas frequências sonoras de acordo com nossa idade, quanto mais velho menos é a frequência que conseguimos ouvir, alguns adolescentes utilizam-se desta vantagem e colocam esses apitos com alta frequência como toque de celular, pois assim não são notados ao receber ligações.

Nós formandas em Biologia acreditamos que a etologia desde sempre vem abrindo portas para o entendimento da adaptação das espécies e consequente seleção natural. Pois todo comportamento dá-se em resposta a algum fator: perigo, forrageio, reprodução, sendo este percebido e expressado pelo organismo conforme sua necessidade, o canto, o choro, ou a liberação de substancias químicas são maneiras de comunicação dos seres vivos, em alguns casos esta comunicação é definida geneticamente, em outros é aprendida, sendo o comportamento o moldado pela adaptação, levando à evolução das espécies conforme a dinâmica do ambiente em que se encontra, ampliando assim a diversidade animal, pois segundo Vieira (2005), o comportamento é produto da evolução filogenética.

 

O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Etologia, baseando-se nas obras:

 

ADES, C. Cucos, formigas, abelhas e a evolução dos instintos. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 7, n. 1, p. 179-194, jan.-abr. 2012.

AMARAL, F. S. R.  Estudos moleculares em acipitrídeos (Aves, Accipitridae): uma perspectiva evolutiva. Tese submetida ao Instituto de Biociências de São Paulo para obtenção do título de Doutorado. São Paulo, 2008.

BRAZ, A. L. N. Reflexões sobre as origens do amor no ser humano. Psicol. Am. Lat.  n.5 México fev. 2006.

CARVALHO, A. M. A. Etologia e comportamento social. Resumo ministrado ao IV Encontro Nacional de Psicologia Social. ABRAPSO/UFES – 1988.

 COELHO, M. Fábrica de pios de aves: fisiologia do canto. Revista geográfica universal. Nº 130. 1985.

COUTINHO, F. A. Evolução do comportamento. Disponível em: . Acesso em 20 de março de 2014.

MARCO EVOLUTIVO. Ratos sentem cócegas e dão gargalhadas. 2008. Disponível em: . Acesso em 20 de abril de 2014.

PORTAL EDUCAÇÃO. Vocalização. 2012. Disponível em: . Acesso em 02 de abril de 2014.

SANTOS, M. P. Ecologia Reprodutiva de Hypsiboas albopunctatus (Spix 1824) (Anura, Hylidae), no município de Cocalzinho de Goiás, leste do estado de Goiás. Tese apresentada à Universidade Federal de Goiás para obtenção do título de Mestrado. Goiânia, 2008.

SNOWDON, C. T. O significado da pesquisa em comportamento animal. Estudos de psicologia, 4 (2), 365-373. Universidade de Wisconsin, 1999.

VIEIRA, M. L. Contribuições da Etologia para a compreensão do comportamento humano. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2005.

VIELLIARD, J. & SILVA, M. L. A Bioacústica como ferramenta de pesquisa em Comportamento animal. Unicamp. São Paulo, 2000.

WIKI AVES. A vocalização das aves. 2014. Disponível em: . Acesso em 22 de abril de 2014.

ZUANON, A. C. A. Instinto, etologia e a teoria de Konrad Lorenz. Ciência & Educação, v. 13, n. 3, p. 337-349. 2007.

 

 

 

 

 

Links para documentários e vocalizações

 











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