Cronobiologia e sua influência no nosso cotidiano



Série Ensaios: Aplicação da Etologia

Por Bruna Los e Camila Laschiwitz Beghetto

Graduandas do Curso de Ciências Biológicas


A cronobiologia é o ramo da ciência que estuda a organização temporal dos seres vivos, ou seja, a capacidade dos seres vivos de expressarem seus comportamentos e controlarem sua fisiologia de uma forma recorrente e periódica. A essa recorrência periódica damos o nome de ritmos biológicos (Araujo; Marques, 2002). Todos os seres vivos estão expostos às variações cíclicas que ocorrem no meio ambiente, como por exemplo, a alternância dia-noite, as variações de temperatura e as estações do ano. Todas estas mudanças geraram um desafio à sobrevivência. Para se adaptar a elas alguns mecanismos foram desenvolvidos ao longo da evolução, que permitiram antecipar e ajustar os processos fisiológicos a essas alterações rítmicas e cíclicas. Para acompanhar essas mudanças houve a necessidade de um “relógio” que marcasse o tempo de forma independente de qualquer alteração ambiental, assim como de “sensores” que percebessem a variação temporal (os sincronizadores) e de sistemas humorais e neurais que informassem todos os componentes do sistema. Este relógio endógeno chama-se: relógio biológico, o qual permitiu que o indivíduo se preparasse com antecipação as variações cíclicas do meio ambiente (Acúrcio; Rodrigues, 2009).
Os primeiros estudos a respeito dos ritmos biológicos datam do início do século XVIII, quando o astrônomo Jean-Jacques D'Ortous de Mairan (1678-1771) publicou um artigo sobre a possível existência de um mecanismo marcador de tempo em uma planta. Nesse estudo, Mairan tentava explicar porque os movimentos espontâneos de abertura e fechamento das folhas de uma planta persistiam mesmo quando ela era isolada do ambiente e mantida por alguns dias dentro de um baú em plena escuridão (Menna-Barreto; Marques, 2002). Em 1960, ocorreu o Cold Spring Harbor Symposium on Biological Clock uma das principais reuniões científicas da área da cronobiologia, que contou com a participação de diversos profissionais, de biológicos a matemáticos.  Desde então, e mais frequentemente a partir de meados do século XX – período em que a cronobiologia foi considerada uma disciplina científica – vários estudos vem sendo realizados nessa área.
Dentre eles podemos citar estudos na subárea da cronopatologia, que verifica que a expressão de patologias pode ser alterada por eventos circadianos, onde o agravamento ou a melhoria de certos sinais e sintomas se verifica predominantemente em determinadas horas do dia, meses ou estações do ano; e estudos na subárea da cronofarmacologia que tentam detectar as variações rítmicas dos sinais e sintomas de doenças de modo a decidir o momento mais adequado para a administração dos medicamentos (Acúrcio; Rodrigues, 2009). Como exemplo, podemos citar a administração de corticoides sob a forma de comprimidos que quando são administrados no período matinal provocam uma supressão adrenocortical pequena, porém se a mesma dose for administrada à noite antes da hora de dormir, isso irá provocar um agravamento da supressão adrenocortical. Tendo isso em vista, o conhecimento sobre os melhores horários para tomar determinados medicamentos podem ajudar a aumentar o seus efeitos terapêuticos e/ou diminuir os seus efeitos colaterais (Silva, 2011).
Na área da genética, há vários estudos a respeito dos chamados “genes relógios”, que seriam os genes que participam do controle do ritmo biológico nos seres vivos. Um exemplo seria o gene PER3 que está relacionado com a regulação homeostática do sono (Pereira; Sabino; Umemura, 2005). Um estudo com abelhas sem ferrão mostrou que numa mesma colônia diversos ritmos estão presentes e são detectados tanto em indivíduos, quanto na colônia como um todo. Esses ritmos diferem entre si, mas ainda assim relações de fase são estabelecidas entre eles, gerando uma ordem temporal interna e garantindo a expressão rítmica geral da colônia. Tal como acontece em um organismo metazoário, o estabelecimento da ordem temporal interna garante a sobrevivência do superorganismo (Gonçalves; Marques, 2010). 
Há também relatos inovadores de estudos que mostram os efeitos do ritmo circadiano na inclusão educacional de pessoas totalmente cegas, em que foi observado que pessoas com deficiência visual podem apresentar uma queda no desempenho acadêmico de tempos em tempos por causa da sonolência excessiva durante as horas de estudo, além de distúrbio no humor, no alerta e na atenção (Squarcini; Esteves, 2013). A secreção de melatonina (também chamada “hormônio do escuro”, pois tem como função sinalizar para o organismo a presença dessa fase) está relacionada à ocorrência do sono notur­no. Sendo assim, a exposição à luz durante a fase escura do ciclo pode inibir a secreção desse hormônio, antecipando ou atrasando a fase dos ritmos biológicos, em especial do ciclo vigília/sono (Pereira; Anacleto; Louzada, 2012). Alguns estudos realizados com mulheres que trabalham à noite tem mostrado que a iluminação artificial noturna interrompe a produção da melatonina e com isso pode haver o aumento na liberação de estrogênio, que estimula a replicação de células-tronco epiteliais da mama, aumentando o risco de tumor maligno (Martau, 2009). Os trabalhadores que possuem empregos nos chamados “terceiro” e “quarto” turnos muitas vezes apresentam algumas disfunções nos seus ritmos biológicos, o que acarreta em problemas para a segurança da empresa – infraestrutura - e para a saúde dos próprios funcionários, visto que não são todos os trabalhadores que se acostumam com a rotina de trabalho trocada. Como solução para estes problemas as empresas estão deixando que seus funcionários, que trabalham em turnos diferenciados, durmam algumas horas – cochilem - para recuperar suas “energias” e voltar ao trabalho. Esta abordagem tem mostrado ótimos resultados, pois após algumas horas de sono o funcionário já está mais disposto pra voltar a sua função (Martino; Neto, 1999). As alterações da relação claro-escuro também são prejudiciais para outros organismos. Várias espécies de aves migrantes noturnas se desorientam quando suas rotas atravessam áreas iluminadas; o aumento artificial do dia pode interferir também no comportamento reprodutivo das aves, visto que isso induz alterações hormonais, fisiológicas e comportamentais; e há várias modificações nos horários de canto das mesmas devido à poluição luminosa (Fernandes; Coelho; Caires, 2010).
Em consequência a esse modo de vida da sociedade moderna, nós formandas em Biologia, podemos perceber que o em decorrência da alteração ambiental promovida pelo o homem, o relógio biológico dos animais não está conseguindo de alinhar com o ambiente, o que desencadeia vários sentimentos de irritabilidade e desconforto nos indivíduos, o que pode torna-los cada vez mais suscetíveis a doenças. Esse modo de vida do homem também foi/está sendo responsável por alterar o relógio biológico de outras espécies, devido a constante degradação ambiental e mudanças climáticas. Desse modo, como formandos em biologia acreditamos que o estudo da cronobiologia é fundamental não somente para a saúde humana como também para a preservação dos demais organismos vivos.


O presente ensaio foi elaborado para disciplina de etologia I baseado nas seguintes obras:

ACÚRCIO, A. R., RODRIGUES, L. M. Os Ritmos da Vida - Uma Visão Actualizada da Cronobiologia Aplicada. Rev. Lusofona de Ciencias e Tecnologias da Saude, 2009; (6) 2:216-234.
ARAUJO, J. F., MARQUES, N. Cronobiologia: uma multidisciplinaridade necessária. MARGEM, SÃO PAULO, NO 15, P. 95-112, JUN. 2002.
FERNANDES, G. W., COELHO, M. S., CAIRES, T. O impacto ambiental da poluição luminosa. Especial Scientific American, Terra 3.0. Ed. nº 2, 2010.
GONÇALVES, R. C., MARQUES, M. D. Ritmos de populações: o caso das  abelhas sem ferrão. Revista da Biologia (2012) 9(3): 53–57. DOI: 10.7594/revbio.09.03.10
MARTAU, B. T. A luz além da visão. Revista Lume Arquitetura, edição 38, 2009.

MENNA-BARRETO, L. E., MARQUES, N. O Tempo Dentro Da Vida, Além Da Vida Dentro Do Tempo. Cienc. Cult. vol.54 no.2 São Paulo Oct./Dec. 2002.

MILVA, M. F. M., JOSÉ C. N. Repercussões do ciclo vigília-sono e o trabalho em turnos de enfermeiras. Rev. Ciência Médica, Campinas, 8 (3): 81-84, Set/Dez; 1999.
PEREIRA, D. S., SABINO, F. C., UMEMURA, G. S. Period3: um gene relacionado com a sincronização de ritmos circadianos pela luz. Revista da Biologia (2012) 9(3): 26–31 DOI: 10.7594/revbio.09.03.05.
PEREIRA, E. F., ANACLETO, T. S., LOUZADA, F. M. Interação entre sincronizadores fóticos e sociais: repercussões para a saúde humana. Revista da Biologia (2012) 9(3): 68–73  DOI: 10.7594/revbio.09.03.13
SILVA, R. B. G. Cronoterapia – Uma abordagem temporal da terapêutica. Dissertação de Mestrado. Universidade Fernando Pessoa, Porto – Portugal, 2011.
SQUARCINI, C. F. R., ESTEVES, A. M. Cronobiologia e Inclusão Educacional de Pessoas Cegas: do Biológico ao Social. Rev. Bras. Ed. Esp., Marília, v. 19, n. 4, p. 519-530, Out.-Dez., 2013.