Por Lisiane de Oliveira Schlegel
Ensaio
crítico apresentado para disciplina de Temas de Bioética e Bem estar Animal do
Mestrado
em Bioética, PUC-PR
O papagaio-de-cara-roxa (Amazona
brasiliensis), também conhecido como chauá, é uma espécie ameaçada de
extinção e endêmica de um dos últimos remanescentes conservados de Floresta
Atlântica, ocorrendo numa faixa litorânea de 285 km, entre o sul do estado de
São Paulo e o extremo norte de Santa Catarina. A população total dessa espécie
é estimada em 6 mil e 700 indivíduos. A maior parte – cerca de 5 mil aves –
vive no litoral do Paraná. Eles costumam formar casais que se mantêm unidos durante um longo
tempo e, muitas vezes, por toda a vida.
Porém,
o lugar onde vivem os chauás sofre constantes ameaças, tais como: desmatamento, turismo desregrado, pressão
imobiliária, agricultura e extração de plantas importantes para a sobrevivência
dessas aves. Alterações mínimas em seu
hábitat podem representar um grande impacto, considerando que a distribuição
geográfica natural da espécie já é bastante restrita. Além disso, a espécie sofre com o tráfico de
animais, principalmente devido à sua beleza, ao comportamento e à habilidade de
imitar a voz humana. Cabe ressaltar que é considerado Crime Ambiental impedir ou dificultar a regeneração natural de
florestas e demais formas de vegetação (Lei de Crimes Ambientais, Art. 48), com
pena de detenção de seis meses a um ano, e multa, assim como matar, perseguir,
caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota
migratória. Incorre nas mesmas penas quem impede a procriação da fauna, sem
licença, autorização ou em desacordo com a obtida; quem modifica, danifica ou
destrói ninho, abrigo ou criadouro natural; quem vende, expõe a venda, exporta
ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos,
larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória. A pena é
aumentada de metade, se o crime é praticado contra espécie rara ou considerada
ameaçada de extinção, ainda que somente no local da infração e se for praticado
em unidade de conservação (Lei de Crimes Ambientais, Art. 29).
Desde
1998 a Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS) desenvolve o “Projeto de Conservação do Papagaio-de-cara-roxa”,
com intuito de proteger as populações de papagaios, eliminando as ameaças à sua
conservação e buscando o apoio da sociedade. O “Plano de Ação Nacional para a Conservação dos
Papagaios da Mata Atlântica”
recomenda algumas estratégias para conservação da espécie, entre elas o aumento
das ações de fiscalização no estado do Paraná, onde a maior concentração de indivíduos está
presente e já existem Unidades de Conservação na área de ocorrência da espécie,
para impedir a retirada de filhotes da natureza e o corte seletivo de espécies
florestais utilizadas como ninhos. Mas aliado à conservação dessa espécie
ameaçada, há o conflito de interesses com os moradores da Ilha Rasa - principal local de nidificação dos
papagaios – que são considerados população tradicional, pois ocupam a ilha há
várias gerações e mantém um modo de vida atrelado aos ciclos naturais e aos
recursos pesqueiros. É tradição na região a construção de casas, canoas e remos
de madeira nativa, especialmente a árvore de guanandi (Callophyllum brasiliense). Esta árvore é de fundamental
importância para o papagaio-de-cara-roxa, tanto como fonte de alimento, quanto
como local de dormitório e nidificação. Porém a comunidade de Ilha Rasa, onde
os funcionários moram e a equipe do projeto de conservação permanece, já está
bastante sensibilizada com a causa. Mostra-se muito interessada, percebe o
aumento da população de papagaios na ilha e tem a preocupação com a conservação
da Floresta. A pressão na floresta é exercida por moradores de outras
comunidades da própria ilha e entorno, todos dentro da APA de Guaraqueçaba. Faz-se
necessário a elaboração de um plano de manejo para a APA de Guaraqueçaba e para
o Parque Nacional de Superagui que contemple a resolução deste conflito entre
moradores locais e conservação da biodiversidade. Enquanto não houver uma
estratégia adequada, a presença do Estado é fundamental para coibir as ações
ilegais, pois muitos moradores ainda utilizam a floresta para retirar árvores,
caçar e capturar filhotes de papagaio. Mas só a fiscalização não é suficiente,
é necessária a aproximação dos órgãos competentes do governo nas comunidades
que se encontram isoladas, além de fomentar a parceria de instituições sociais
em prol destas comunidades que são extremamente carentes de educação, saúde e
alternativas de renda, e ainda usam, de forma intensa, os recursos naturais
como fonte de sobrevivência.
Além
dos interesses conservacionistas e a preocupação com a população tradicional
que ocupa a região de ocorrência dos chauás, é necessário considerar também o
bem-estar dos animais envolvidos nas pesquisas em campo. Uma das ações do
Projeto de Conservação é a instalação de ninhos artificiais (de madeira
ou PVC) em reposição aos ninhos naturais perdidos, seja por queda ou
apodrecimento natural, roubo de filhotes seguido de destruição do ninho ou
corte das árvores. Temos que analisar a possibilidade do Projeto de Conservação
deixar de existir em algum momento e, considerando que os ninhos artificiais de
madeira tem durabilidade média de dois anos, e a médio prazo podem ainda não
existir ocos em árvores ou bromélias arbóreas suficientes para nidificação,
essa situação poderia acarretar no declínio da população do Amazona
brasiliensis, já que os animais estão habituados a ocupar caixas-ninho
artificiais, que são ofertadas em grande quantidade atualmente. Outra preocupação está ligada à temperatura dos
ninhos artificiais, já que os ninhos em PVC (que são internamente brancos e
pintados externamente de tinta atóxica na cor marrom), tendem a absorver mais
calor. Estudos ainda precisam ser realizados para garantir que o material e a
temperatura mais elevada desses modelos não afetem o bem-estar dos animais que
possam ali se instalar no período reprodutivo. Até o momento não foram
registrados problemas. Aparentemente a espécie está bem adaptada às altas
temperaturas e a taxa de sobrevivência de filhotes nesse modelo de caixa-ninho
foi alta.
Dos tipos de pesquisa realizados pelo Projeto
de Conservação do Papagaio-de-cara-roxa, provavelmente a radiotelemetria -
técnica que consiste em monitorar as
ações das aves por meio de sinais emitidos por rádio-colar colocado nos
animais - é a que envolve mais dúvidas em relação ao bem-estar dos animais
envolvidos, pois o peso que os animais podem carregar é duvidoso, o material de
fabricação dos rádio-colares (aço e plástico) tende a deixar os indivíduos mais
visíveis a possíveis predadores, podendo também causar rejeição por parte dos
parceiros. Outro problema envolvido é que os animais com o aparelho raramente
podem ser recapturados, dificultando obtenção de dados sobre possíveis feridas
que o material possa causar nos indivíduos. Os papagaios, com facilidade de
debicar, podem ainda remover ou ingerir partes do radiotransmissor, comprometendo
sua saúde. Em pesquisa realizada em cativeiro, os animais demonstraram incômodo
em relação ao aparelho, porém não podemos comparar o comportamento de um animal
cativo com os animais de vida livre, sendo necessários mais estudos para
garantir segurança e eficiência nas pesquisas que utilizam radiotelemetria.
Periodicamente
é realizado um censo populacional, que tem demonstrado ser um meio
eficaz para análise da população, contribuindo significativamente na elaboração
de estratégias para conservação do Amazona brasiliensis, e não interfere
diretamente nos hábitos e bem-estar dos animais, já que os pesquisadores se
mantêm a uma distância considerável para observação e obtenção de dados.
Outra
importante atividade realizada pelo projeto é a biometria em alguns
indivíduos da espécie, que consiste em tomar as medidas do bico, asas, cauda e
comprimento. Depois a ave é pesada e tem sua idade estimada. Também é feita a
coleta de sangue ou de uma pena de cada animal. Dessa forma, é possível
verificar o estado de saúde e o sexo, além de determinar as características
genéticas. Após o monitoramento, o filhote é imediatamente devolvido ao ninho.
Apesar do cuidado e experiência dos pesquisadores, é inevitável causar uma
situação de estresse aos animais que passam pelo biometria. O indivíduo é
retirado do ninho e colocado em um saco de tecido, do qual é retirado para o
procedimento (coleta de material genético, tomada de medidas, avaliação de
parasitas externos, etc.), então é colocado novamente no saco de tecido e
devolvido em seguida ao ninho. Porém, se avaliarmos o tempo pelo qual o animal
tem seu bem-estar afetado - durante a manipulação para biometria (cerca de 10
minutos) - podemos considerar praticamente irrelevante frente aos benefícios
que a técnica agrega à conservação da espécie, com coleta de dados substanciais
sobre a população.
Desde 2012, durante todo o período
reprodutivo os papagaios-de-cara-roxa são monitorados 24 horas por dia pela
equipe do projeto de conservação da espécie, por meio de câmeras instaladas
nos ninhos, registrando os cuidados dos pais e as fases de desenvolvimento das
aves – da postura dos ovos até a saída dos filhotes dos ninhos. Apesar dos
aparelhos serem instalados discretamente nas caixas-ninho, alguns
momentos da filmagem mostram os papagaios debicando a câmera interna. Tal
comportamento pode indicar que os animais percebam o equipamento como possível
ameaça, prejudicando o bem-estar dos mesmos e podendo até mesmo acarretar no
abandono do ninho/filhotes pelos indivíduos adultos. Outra preocupação pode
estar relacionada ao material das câmeras e instalação, já que os papagaios tem
o costume de debicar e podem, além de estragar o equipamento, acabar ingerindo
partes do material (fios, metal, plástico, cola ou fita adesiva), o que pode
comprometer a saúde dos animais.
Em
geral, o Projeto de Conservação do Papagaio-de-Cara-Roxa tem demonstrado
utilizar meios eficazes para o aumento e manutenção da população da espécie, aparentemente
não interferindo substancialmente no bem-estar dos animais, e preocupando-se
também com a aproximação das comunidades tradicionais, que vivem nos principais
locais de nidificação dos papagaios, buscando apresentar alternativas para
geração de renda e conscientização sobre a importância dos papagaios para o
litoral do Paraná, incentivando inclusive o ecoturismo na região. O que ainda
sentimos falta é o maior rigor nas fiscalizações para coibir o tráfico de
animais e a retirada desenfreada de árvores nativas das florestas, e não
somente no caso dos papagaios-de-cara-roxa no Paraná, mas também com inúmeras
espécies de animais e florestas igualmente importantes para a biodiversidade brasileira.
O presente ensaio foi elaborado para a
disciplina de Bioética e Bem-estar Animal e baseado nas seguintes obras:
·
BRASIL,
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, 2011. Plano de Ação
Nacional para a Conservação dos Papagaios da Mata Atlântica. Brasília:
ICMBio.
·
BRASIL.
Lei no 9.605,
de 12 de fevereiro de 1998 - Dispõe sobre as sanções penais e
administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e
da outras providencias. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/gab/asin/lei.html>. Acesso em: 19 de nov.
2013.
·
Scherer
Neto, P.; Toledo, M. C. B. 2007. Avaliação Populacional do
papagaio-de-cara-roxa, (Amazona brasiliensis) (Psittacidae) no Estado do
Paraná, Brasil. Ornitologia Neotropical: 379-393.
·
Schlegel, L. O., Rivera, R., Santos, L. G., Rocha, S., S.,
Sipinski, E. A. B. & Serafini, P. P., 2004. A influência de
radiotransmissores no comportamento de Amazona
brasiliensis em cativeiro. In: XXIX Congresso da Sociedade de
Zoológicos do Brasil.
·
Seixas, G.H.F., Guedes, N.M.R., Martinez, J. &
Prestes, N. P. Uso de radiotelemetria no estudo de psitacídeos. In: Ecologia e
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M. Galetti & M.A Pizo. Melopsittacus Pub. Científicas. Belo Horizonte.
2002. p. 141-156.
·
Sipinski,
E. A. B. 2003. O papagaio-de-cara-roxa (Amazonas brasiliensis) na Ilha Rasa,
PR – Aspectos ecológicos e reprodutivos e relação com o ambiente. Curitiba,
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Engenharia Florestal, Universidade Federal do Paraná.
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Sipinski, e. A. B.; Bóçon, R.
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do papagaio-de-cara-roxa (Amazona brasiliensis) no litoral do Paraná. In: MARTINEZ, J; PRESTES,
N. P. (Org.). Biologia da Conservação: estudo de caso com o papagaio-charão e
outros papagaios brasileiros. Passo Fundo: Ed Universidade de Passo Fundo. p.
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Sipinski,
e. A. B.; Macedo, C. X. 2009. A conservação do papagaio-de-cara-roxa
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unidade de conservação de uso sustentável garante a conservação de espécies
ameaçadas? In: VI Congresso Brasileiro de Unidade de Conservação. Curitiba,
Paraná. Artigo.
·
SPVS.
Novos ninhos artificiais na RPPN Serra
do Itaqui. Disponível em: <http://papagaiodecararoxa.org.br/?p=155>. Acesso em: 19 de nov. 2013.
·
SPVS. Resultados do censo do
papagaio-de-cara-roxa revelam estabilidade da espécie no estado do Paraná.
Disponível em: <http://www.spvs.org.br/resultados-do-censo-do-papagaio-de-cara-roxa-revelam-estabilidade-da-especie-no-estado-do-parana/>. Acesso em: 19 de nov. 2013.
·
SPVS. Monitoramento dos ninhos nas
ilhas Rasa, Gamelas e Grande. Disponível em: <http://papagaiodecararoxa.org.br/?p=233>. Acesso em: 19 de nov. 2013.
·
SPVS.
Câmeras monitoram ninho de
papagaios-de-cara-roxa. Disponível em:
<http://www.spvs.org.br/cameras-monitoram-ninho-de-papagaios-de-cara-roxa/>. Acesso em: 19 de nov. 2013.
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