Por Lays Cherobim Parolin
Ensaio
crítico apresentado para disciplina de Temas de Bioética e Bem estar Animal do Mestrado
em Bioética, PUC-PR
Lendas envolvendo seres chupadores de
sangue datam do século XX a.C. na Mesopotâmia com os assírios e babilônios.
Entretanto, acredita-se que o conceito de vampiros descende da pré-história,
fazendo parte do inconsciente coletivo de toda a humanidade. Para corroborar
esta ideia, basta fazer uma busca sobre mitos de vampiros ou demônios sugadores de sangue, encontrando assim
resultados em diversas épocas ou partes do globo que (a princípio) não se
comunicaram. No século XVII as histórias de vampiros faziam parte da cultura
popular europeia, assim quando o naturalista francês George Louis Leclerc, o Conde de Buffon, veio à América Latina descreveu o morcego
hematófago como “vampiro”, por sua semelhante habilidade de se alimentar do sangue
de humanos e outros animais. Anos depois, após outras relações entre ataques de
morcegos hematófagos com as lendas de vampirismo, Bram Stoker lança seu livro “Drácula” com
menções da transformação do Conde em morcegos. Com isto, por isto ou sem isto,
os morcegos de uma forma geral são vistos como seres ruins, sujos, feios e até
demoníacos.
A cultura popular não possui vínculos
afetivos com os morcegos. O famoso personagem dos quadrinhos (e hoje de filmes,
séries e jogos) Batman, leva
este nome porque enquanto buscava um disfarce que assustasse e colocasse medo
nos criminosos, Bruce Wayne vê um morcego entrar pela sua janela, virando assim
o Homem-morcego. Uma versão mais atual da história diz que o personagem usa tal
fantasia por seu medo de infância por morcegos e com isto gostaria de
amedrontar também seus inimigos. Apesar
de ser um herói e não ter qualquer relação com sanguivoria, o medo está sempre
lado a lado com os quirópteros.
Morcegos fazem parte da Ordem Chiroptera
e se distribuem em todo o Globo, com exceção dos polos. Com mais de 1100 espécies, perde apenas para
a Ordem Rodentia em diversidade. Possuem os mais diversos hábitos, como a
frugivoria, polivoria, folivoria, carnivoria e sanguivoria. Por sua
plasticidade, podem usar como abrigos desde cavernas, ocos ou folhas de árvores,
ou até mesmo usar das abundantes construções urbanas como seus refúgios. Como
outros animais ditos “problema”, como pombas, ratos e baratas, os morcegos
utilizam os forros, telhados, caixas d’água, casas abandonadas, entre outros
locais protegidos, escuros e de fácil acesso. Quando se diz “fácil acesso”,
neste caso, basta um abertura de cerca de 1,5 cm para que determinadas espécies
entrem em telhados e formem colônias de centenas. Além do barulho incomodo, o
acúmulo de suas fezes e urina podem trazer a proliferação de fungos
transmissores da Histoplasmose,
micose causada pela inalação em locais contaminados e que pode levar ao óbito.
Além destes problemas citados, os seus
representantes hematófagos, ou vampiros por Leclerc, possuem destaque quando se
fala em zoonoses e saúde pública. Distribuídos apenas na região Neotropical,
fazem parte da subfamília Desmodontinae
e são em três gêneros monotípicos: Desmodus
rotundus, Diphylla ecaudata e Diaemus youngi. Possuem dentição
especializada e saliva com anticoagulante, para que o animal consiga lamber o
sangue por longos períodos de tempo. Sim, os morcegos não chupam os sangue de
suas “vítimas” com seus caninos: na verdade furam a pele com seus incisivos e
usam a língua para consumir o alimento. Desmodus
é o mais comum e mais estudado deles, devido principalmente à questões de saúde
pública, já que é se alimenta de sangue de mamíferos. Por seu hábito alimentar,
a possibilidade de transmissão do vírus rábico para animais de produção ou até
humanos é maior em relação a boa parte dos animais potencialmente
transmissores. Vale lembrar que várias são as espécies de mamíferos que podem
podem contrair e transmitir a raiva, até
animais doméstico, como cães e gatos.
Uma notícia vinculada em setembro de
2013 na TV Tem do interior do Estado de São Paulo, intitulada “Operação para extermínio de morcegos é concluída em
Pilar do Sul” já inicia de forma confusa.
Primeiro por usar o termo “extermínio”, uma vez que de acordo com o Ministério
da Saúde, deve-se realizar o manejo e controle das populações e não sua
“assolação”, “ruína total” ou “destruição” (significado de extermínio no
dicionário). Segundo que, quando o apresentador chama a reportagem, fala dos
morcegos hematófagos – aqueles que transmitem a raiva. “E o que tem de errado
nisso?” Errado porque estes animais “podem” transmitir a raiva, mas da mesma
forma, “podem” não estar infectados com o vírus rábico. Este é só um pequeno
exemplo das informações equivocadas que são passadas para a população.
Não são apenas os jornalistas que se
encontram em uma situação confusa. A Lei 9.605 de
12 de fevereiro de 1998, dispõe sobre as sanções penais e administrativas
derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, a chamada lei de
crimes ambientais. O artigo trata como violação “matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar
espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória”. Bom, então
matar e
exterminar morcegos é considerado crime, entretanto, fala-se que estes atos são
crimes se forem realizados “sem a devida permissão, licença ou autorização da
autoridade competente, ou em desacordo com a obtida” (o mesmo é tratado na Lei 5.197 de Proteção à Fauna). E qual
autorização no caso de morcegos hematófagos? De acordo com a Instrução Normativa (I.N.) N o 5 de 1o
de março de 2002, que trata sobre as
Normas Técnicas para o controle da raiva dos herbívoros domésticos, a forma de
controle dos hematófagos é com a pasta anticoagulante, até que outra técnica
melhor seja estudada e aprovada. Esta pasta contém Warfarina, um anticoagulante
que ingerido, causa hemorragias internas e generalizadas, levando ao óbito. Apesar, não ter outras técnicas melhores, o
uso da “pasta vampiricida” pode ser considerado um método cruel, já que causa
dor ao animal. Mas este caso não está descrito como crime ambiental, já que
pela Lei 9605 o
Art. 6, inciso II alínea m dá como agravante da pena “o emprego de métodos
cruéis para abate ou captura de animais”. Então, como no caso dos hematófagos,
em que que a autoridade competente, no caso o Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento, a autoriza, não existe pena se a morte do animal for
cruel.
A situação
também é complexa quando se trata dos outros morcegos, sejam frugívoros,
insetívoros, nectarívoros ou carnívoros, já que na mesma Lei de crimes
ambientais, no Art. 27 fala “não é crime o abate de animal, quando realizado por ser nocivo o
animal, desde que assim caracterizado pelo órgão competente.” Sim, se estes
quirópteros estiverem com o vírus da raiva podem ser considerados nocivos; se
estiverem ocupando o forro de uma casa e o acúmulo de fezes puder ocasionar o
surgimento de fungos, sim, podem ser considerados nocivos. Os órgãos
competentes, como o Centro de Controle de Zoonoses, IBAMA e ICMBio devem
auxiliar a tomada de decisão nestes casos.
A população
em geral, não busca informações ou mesmo de ajuda especializada quando se
refere a morcegos. A vacinação dos herbívoros domésticos, por exemplo, é
prevista na I.N. No 5, porém em geral, só é ministrada após o
aparecimento de casos de raiva. A obstrução de entradas em forros e canais de
ventilação, por exemplo, é um método simples para evitar o uso destes locais
como abrigos de quirópteros; método também deixado de lado ou mal executado. Em
outros países fora da América Latina, a visão já está muito mudada, uma vez que
é incentivado o uso de casa de morcegos (bat houses) nos quintais, da mesma forma que são instaladas casas
para aves e até bebedouros de beija-flores.
Mas ainda há
muito o que caminhar. A realidade atual envolve uma série de vulneráveis: a sociedade
que necessita de segurança e informação correta, os órgãos gestores que não
conseguem administrar tantas demandas para alvos diferentes, os pesquisadores
que necessitam de verbas para estudo destes animais marginalizados e claro, os
próprios animais que sofrem tanta pressão. A discussão ética ainda é deixada de
lado, suprimida por uma visão arcaica e até mitológica, de associação a seres
demoníacos e do desconhecido. O animal humano esquece que quase todos os
problemas ambientais e de saúde pública são auto infligidos e ao invés de
buscar soluções éticas e responsáveis, baseadas principalmente no conhecimento
e tendo educação como sua base, a conduta é em geral cruel e paliativa.
www.agricultura.gov.
O presente ensaio foi
elaborado para a disciplina de Bioética e Bem-estar Animal e baseado nas
seguintes obras:
BRASIL. Lei N°
5.197, de 3 de janeiro de 1967 -
Dispõe sobre a proteção à fauna e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/l5197.htm>.
Acesso em: 15 de nov. 2013.
BRASIL. Lei N°9.605, de 12 de fevereiro de 1998 - Dispõe sobre as sanções penais e
administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e
da outras providencias. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/ gab/asin/lei.html>.
Acesso em: 15 de nov. 2013.
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COMICS. 2013. Batman. Disponível em: http://www.dccomics.com/ characters/batman.
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of Wisconsin Press.
MINISTÉRIO
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Manual técnico. Disponível
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MORAES, E.M.A; SANTOS, CF.M.; PEREIRA
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das Ideias: Viajantes, Naturalistas e Ciências na Modernidade p. 55-71.
REIS, N.R.; PERACCHI, A.L.; PEDRO,
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STOKER, B. 1897. Dracula. Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/ eLibris/draculap.html.
Há epocas do ano corretas para fazer o desalojamento de morcegos? Estou NO Rio Grande do Sul.
ResponderExcluirSe essas epocas forem desrespeitadas quais as consequencias para os morcegos?
Pode caracterizar crime ambiental a remoção em epocas improprias?
Obrigado
Eduardo Rosa
Canoas RS