segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Genética x Moral: até que ponto nossos genes definem nossas atitudes?




Série Ensaios: Sociobiologia
Por Catherine Amaral Zarpelão, Laire Schidlowski Ferreira e Nayane Amaral Dutra
Acadêmicas do Curso de Ciências Biológicas
Em 1986, o americano Jeffrey Bailey Jr, de 9 anos, foi deixado sozinho com o amiguinho Ricky Brown, de 3. Jeffrey sabia que o menino tinha medo de água e não sabia nadar. Mesmo assim, levou-o para a piscina e o empurrou lá dentro. Ricky se debateu por vários minutos, gritando por socorro. "Em vez de estender o braço, Jeffrey puxou uma cadeira para assistir à morte do menino. Depois foi para casa", diz a psicóloga forense Katherine Ramsland, da Universidade DeSales, nos EUA. Ao se encontrar com um vizinho, Jeffrey perguntou "o que era a gosma branca" que sai do nariz de uma pessoa que se afoga. A polícia encontrou o corpo de Ricky às 18h40, cerca de 8 horas após o afogamento. "Foi um acidente", mentiu Jeffrey. "Ao ser interrogado, o garoto se mostrou indiferente à morte do amigo. Ele estava mais preocupado em ser o centro das atenções do que em sentir qualquer tipo de remorso pelas coisas que havia feito", conta Ramsland.

O psicólogo Jonathan Haidt da Universidade da Virginia, autor do livro  “Righteous Mind: Why Good People Are Divided by Politics and Religion”, divide o senso moral em seis sentimentos básicos: proteção, justiça, liberdade, lealdade, autoridade e santidade, neste caso referente a pureza. Tais sentimentos fariam parte de uma espécie de código ético, e cada indivíduo teria sua própria combinação a partir destes. Levando em conta que o senso moral é passado de geração em geração, estas divergências de valores de indivíduo para indivíduo causa grandes variações nas maneiras de educação, criando pessoas cada vez mais diferentes com condutas e ideais diferentes. É válido destacar que cada indivíduo tem características únicas, sendo a maioria, se não todas destas, determinada pela genética. A moral vem a ser uma destas características que foi inserida em nosso código genético ao longo do tempo, influenciada diretamente com nossa evolução como espécie. 

Os animais abrem mão da sua liberdade e solidão para viver em grupos, pois esse modo de vida traz vantagens evolutivas, principalmente pensando em reprodução. Contudo o grupo precisa se manter coeso, assim é necessário que seus integrantes tenham objetivos em comum, sintam-se pertencentes ao grupo e cumpram as regras impostas. Estas regras estão relacionadas com a conduta do individuo, ou seja, o que nós seres humanos chamamos de  moral 
Quando analisamos as regras morais que “unem” a sociedade humana atualmente, podemos perceber que estas são muito similares a dos nossos antepassados, assim como acontece com os animais. Naquela época o grupo girava em torno da reprodução, ou seja, o individuo precisava passar seus genes para frente e para obter total sucesso era preciso garantir que sua prole também o faria. Assim atitudes que não garantem a reprodução são condenáveis, como a homossexualidade, necrofilia e pedofilia (Wallace, 1985). Ainda sobre a idade da pedra, os homens naquela época viviam em uma ambiguidade social, cujo maior aliado podia se tornar um oponente impiedoso, tais situações extremas tornaram importante a construção de um senso de moral para que estes sobrevivessem. Então, partindo do princípio evolutivo que o objetivo da espécie é garantir a sua sobrevivência ao longo das gerações, repassar estes valores morais a sua prole é uma questão de garantir a sobrevivência da espécie.


Além disso, para garantir a passagem dos genes pela prole é preciso que esta cresça e também tenha seus descendentes. Tudo isso depende de um gasto energético muito grande dos pais, assim esses só se prestaram a esse serviço pelos seus genes. Entretanto todo esforço será em vão se o individuo não apresentar a conduta esperada pelo grupo. Essas condutas são repassadas a cada geração e essa passagem se tornou mais absoluta e fácil após a invenção da escrita (WALLACE, 1985). Atitudes como a infidelidade, violência, estupro, pedofilia, assassinatos, entre outros, são considerados inaceitáveis pela sociedade. Tem sido comum a busca por uma explicação para esses desvios de conduta. Um levantamento realizado mostra que a cada 40 minutos uma mulher é violentada no Estado de São Paulo. Só em 2013 já foram registrados mais de 6.500 casos. Quando se amplia a área de estudo, os resultados são ainda mais alarmantes. No Brasil a cada 12 segundos uma mulher é estuprada. No dia 07 de abril de 2011 o Brasil se comoveu com a notícia de que um jovem havia entrado em uma escola do Rio de Janeiro e atirado nos estudantes. Após matar 12 crianças e deixar outras 13 feridas, o jovem se matou. Apesar de ser um caso inédito para o Brasil, eventos como esse são comuns ao redor do mundo. Só nos Estados Unidos foram 62 ataques como esse desde 1982 até 2012. O primeiro registro de ataque desse tipo foi em 1964 em Colônia, na Alemanha.
O que leva uma pessoa a cometer tais crimes? Muitos dizem que esses assassinatos ocorreram devido à influência de jogos violentos, drogas, violência sofrida na infância, criação. Entretanto, pesquisas apontam que o problema é mais interno. Um grupo de pesquisadores explora como os genes elevam o risco de se cometer um crime e a possibilidade dessa característica ser herdada. Pelo menos 100 estudos mostram que os genes influenciam a criminalidade.O fato é que estes comportamentos violentos e sexuais não são exclusivos da espécie humana. Eles acontecem na natureza á muito tempo. São observadas situações extremas em vários mamíferos, como por exemplo, pingüins que estupram (fêmeas e filhotes) , macacos que tiram a vida de outro indivíduo  de maneira, a qual julgamos “covarde” em que a vítima é encurralada por muitas vezes por grupos e não apenas um indivíduo. A pesquisadora Jane Goodall, conhecida por seu ilustre estudo de 45 anos com os Chimpanzés do Parque Nacional de Gombe, na Tanzânia, possui inúmeros vídeos e trabalhos publicados demonstrando tais comportamentos violentos, como por exemplo, a ocorrência de uma disputa por território, na qual  um grupo de chimpanzés residente da região de estudo, foi morto por outro grupo de chimpanzés. É no mínimo assustador o rumo para qual uma ser humano pode tomar ao decidir tirar à vida de outro indivíduo, as escolhas, as estratégias e a principalmente a maneira com a qual o faz.  Nós possuidores da tal aclamada razão mal podemos suportar ouvir e ver um crime tão hediondo quanto o assassinato de 12 crianças, como aconteceu recentemente em nosso país.  O fato é que o indivíduo que realizou ato tão perverso é alguém de nossa própria espécie. Partindo deste princípio, o que nos impede de tomar igual rumo? Qual é o mecanismo que utilizamos para reprimir instintos tão violentos como este?  Muito provavelmente esse mecanismo seria a moral. Uma característica comum e ao mesmo tempo única de cada indivíduo. Afinal, nos posicionamos de maneiras distintas a diferentes situações, alguns puxam o gatilho, outros não, e ainda tem aqueles indecisos, o fato é que a escolha de matar, estuprar, roubar, irá ser tomada de acordo com os nossos princípios e valores, os quais aprendemos ao decorrer de nossa vida e que é passado de geração em geração.  Porém, tal ensinamento varia de indivíduo para indivíduo, cada um irá expressá-lo de maneira única, tal como nosso código genético.O determinismo genético diz que alguns aspectos da personalidade e do comportamento de um indivíduo são definidos por genes (Calegaro, 2001). Sabe-se, entretanto, que todo comportamento depende de fatores genéticos e de fatores ambientais (Calegaro, 2001). Pesquisas com gêmeos têm mostrado que traços de personalidade, atitudes, psicopatologias e interesses são influenciados por genes (Bussab, 2000). Por exemplo, um estudo realizado com gêmeos e adotados mostrou que aproximadamente entre 33% e 50% das atitudes políticas de um indivíduo são determinadas por genes. 
Mesmo que algumas de nossas atitudes sejam determinadas geneticamente, temos consciência do que é considerado certo e errado pela sociedade e isso não se aplica apenas aos seres humanos. Quem tem cachorro em casa certamente já reparou que seu animal reage de forma particular quando fez algo de errado.  Quando cometem algum “crime”, abaixam a cabeça, lançam um olhar de culpa, fazem brincadeiras a fim de receber o perdão de seus donos. Ai surge a questão: como eles sabem o que é certo e errado? Os canídeos, quando brincam, seguem um código de conduta com o objetivo de ensinar aos filhotes as regras de engajamento social permitindo a manutenção de sociedades bem-sucedidas.  Atitudes como altruísmo, tolerância, disponibilidade para o perdão e a empatia, bem como a noção de justiça, ficam evidentes pela forma com que os animais brincam entre si. A brincadeira tem por função ajudar a construir uma relação de confiança entre os membros da matilha, o que permite divisões de trabalho, hierarquias de domínio e cooperação na caça, na criação dos mais novos e na defesa de comida e de território. Essa estrutura é muito parecida com a dos homens primitivos. Observando as brincadeiras foi possível verificar que os indivíduos negociam a brincadeira, seguindo quatro regras para impedir que a brincadeira se torne uma briga: comunicação clara, cuidado com os modos, admitir o erro e ser honesto (Bekoff & Pierce, 2013). “Do ponto de vista evolutivo, a violação de regras sociais estabelecidas durante as brincadeiras não faz bem para a perpetuação dos genes. O jogo honesto e divertido para todos pode ser entendido como uma adaptação evoluída que permite aos indivíduos formar e manter os vínculos sociais. Assim como acontece com os humanos, os canídeos formam intrincadas redes de relacionamentos, desenvolvem normas básicas da justiça que guiam o jogo social entre semelhantes e se apoiam em regras de conduta capazes de manter a sociedade estável. Em última instância, o objetivo é garantir a sobrevivência de cada indivíduo. Essa inteligência moral é evidente tanto em animais selvagens quanto em cães domesticados. É bem possível que tal noção de certo e errado tenha permitido às sociedades humanas florescer e se espalhar pelo mundo.” (BEKOFF & PIERCE, 2013).
Nós formandas em Biologia acreditamos que o comportamento era ensinado e visto como apenas um aprendizado para permanecer no grupo e reproduzir. Contudo atualmente pesquisas tem ido fundo ao ponto de identificar genes, que atuam na maneira como as pessoas enfrentam situações morais, podendo causar cada vez mais preconceitos morais. Entretanto, nossa moral não é só determinada por questões genéticas e/ou ambientais, devem ser levadas em conta as decisões do indivíduo. Mesmo que nosso senso moral tenha sido moldado pela seleção natural, hoje em dia, ele tem a função de buscar a melhor forma de se viver em sociedade. Além disso, os grupos estão cada vez mais diferentes e consequentemente apresentam regras diferentes.



O presente ensaio foi elaborado par a disciplina de etologia tendo se baseado nas seguintes obras:

BEKOFF, Mark; PIERCE, Jessica. A ética do cachorro. Scientific American: Mente e Cérebro, 2013. Disponível em: <http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/a_etica_do_cachorro.html#.Ui473eCeiH4.facebook>. Acessado em 19 de setembro de 2013.
BUSSAB, Vera Silvia Raad. Fatores hereditários e ambientais no desenvolvimento: a adoção de uma perspectiva interacionista. Psicologia: a reflexão e crítica, v.13, n.2, Porto Alegre, 2000. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-79722000000200004>. Acessado em 28 de agosto de 2013.
CALEGARO, Marco Montarroyos. Psicologia e genética: o que causa o comportamento?. Opinião e discussão, 2001. Disponível em: <http://www.cerebromente.org.br/n14/mente/genetica-comportamental1.html>. Acessado em 28 de agosto de 2013.
Pequenos Psicopatas: conheça a história de crianças que já nascem más. Acidez Mental. Disponível em: <http://www.acidezmental.xpg.com.br/pequenos_psicopatas.html>. Acessado em 21 de setembro de 2013.
Problemas sociais. Folha de São Paulo. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/1077872-problemas-morais.shtml  Acesso em:  07 de agosto de 2013.
WALLACE, Robert A. Sociobiologia - o fator genética: as realidades biológicas da condição humana. IBRASA, 1985.

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