Refletindo etologicamente sobre a redução da maioridade penal



A violência sempre foi um tema que permeou as angústias das sociedades humanas. Houve tempos tumultuosos ao longo da nossa vida do planeta, em que o poder era exercido sob o domínio do pavor e do medo. Dos tempos relatados na bíblia - em que  povos inteiros eram dizimados em disputas territoriais - às dominações religiosas da idade medieval, aos nazistas e à escravidão! Estamos vivendo o período mais pacífico da nossa história, porém, mesmo assim a violência ainda nos atormenta. Lorenz no seu livro “A agressão: a história natural do mal” define a agressão como um impulso biogênico parecido com a necessidade de alimento e de hidratação; é o impulso energético que nos dá motivação e coragem para viver, competir, ir a busca da nossa sobrevivência. Porém, ao contrário da fome e da sede - que podem ser aplacadas com apenas um pouco dos recursos - ela se acumula no corpo devido à estímulos externos estressores, que desencadeiam a produção de inúmeras substâncias, tais como a adrenalina, que causam alterações corporais, crescentes. Se uma pessoa, não sabe como direcionar sadiamente e sabiamente essa energia - escrevendo, fazendo exercícios, falando, meditando, jogando... – ela se transborda na forma de violência. E, ainda, uma vez iniciada, não tem como parar! Vai até o fim, a pessoa entra em um estado instintivo, e no caso de um adulto estressado com problemas profissionais que decide descarregar em uma criança vulnerável, pode chegar a matá-la.
            Em todos os animais, os filhotes são mais agressivos e intolerantes, o que é compreensível, tendo em vista o seu menor tamanho e maior necessidade de autodefesa. Porém, ao longo do desenvolvimento, os pais repreendem esse comportamento agressivo, o filhote
aprender a lidar com as frustações e passa a ser dominado mais por comportamentos submissos, mais importantes para manutenção da vida em grupo do que os agressivos, que passam a ser direcionados para os inimigos, de outros grupos. Não é diferente com a nossa espécie, na nossa sociedade a família, a igreja e as leis passaram a exercer, em ordem de importância esse papel desenvolvendo no indivíduo consequentemente a ética, moral e cidadania. Obviamente que preciso saber conter meus impulsos, não só agressivos, mas também outros comportamentos envolvidos com as emoções.  A família dá a seus filhos o direcionamento ético, o certo e o errado, atrelado à valores. Na nossa sociedade, casa algo passasse nesse primeiro filtro, era controlado, pela própria sociedade, durante muito tempo sob o domínio religioso. O individuo deve se conter, para não sofrer um julgamento moral, e poder ser, inclusive, rejeitado pela sociedade. E caso, o sujeito não tivesse tido chances de aprender, aí sim, a lei, ou seja, regra da sociedade poderia tirá-lo da sociedade.
            O que está acontecendo na nossa sociedade atual é resultado de um processo consolidado interrompido? Será que não temos mais os coibidores basais e deixamos tudo para lei? A redução da menor idade penal é um tema recorrente em nosso país. E por mais que especialistas fundamentem que o problema não está na idade, mas sim no sistema, basta ser noticiado mais um crime envolvendo um menor, que volta a tona a discussão. A sociedade se indigna pela falta de justiça! Durante tempo se acreditou que apenas o ser humano era capaz de matar por matar – ou seja, não atrelado a fome ou defesa – e que apenas o ser humano era capaz de escravizar e de estuprar. Richard Wrangham e Dale Peterson em seu livro “O macho demoníaco: a origem da agressividade humana” mostram um grupo de chimpanzés que perseguiram por anos macacos rivais e mataram um a um por vingança, aqueles que no passado despertou a sua ira. Também existem inúmeros relatos de formigas que escravizam outras formigas - até mesmo cupins - das quais roubam o formigueiro. E o estupro? É uma estratégia reprodutiva consolidada no mundo animal.
 A agressividade e a violência estão incorporadas na história natural das espécies, pois fazem parte da sobrevivência. Porém nossa sociedade mudou - e extremamente mais rápido que nosso corpo biológico - estamos vivendo um momento extremamente delicado. A menos de 100 anos vivamos em grupos pequenos e há cerca de 10.000 anos nossas aldeias não tinham mais do que 150 pessoas. Hoje nosso grupo tem 7 bilhões de pessoas de todos os tipos, cores, formatos e pensamentos. Temos que aprender a lidar com isso! Biologicamente, parece impossível! Por isso esses “problemas” sociais nos atormentam tanto! Então estamos perdidos? Condenados para um fim eminente? Eu sou otimista e acredito que tem jeito sim, só que com muita educação! Alterando comportamento e paradigmas éticos! Eu não mato porque é ilegal, ou porque meu vizinho irá falar mal de mim. Eu não mato, porque eu não acho certo! Temos que inverter a ordem das coisas, as pessoas precisam aprender a ter uma consciência coletiva a serem cidadãs, no sentido mais amplo dessa palavra. Nosso sistema de prisão, não reeduca, não dá uma alternativa para o indivíduo voltar à sociedade e seguir as regras, das quais não acredita. O concerto disso tudo está na base! A educação transforma, sim! Basta ver tudo que alcançamos quando deixamos de ser bárbaros... a sociedade está melhor, mas pode ficar mais. Temos que compreender que mundo mudou, não dá para satisfazer nossos desejos individuais, sem os mesmos estarem atrelados ao coletivo. A sociedade passa por um novo momento, um momento de reflexão do nosso papel como sujeito, ator e escritor da história do nosso planeta. A herança mais importante que podemos deixar para nossos filhos é o equilíbrio emocional, a sabedoria de como conduzir com dignidade a sua própria vida. As pessoas no corre corre do mundo moderno, tem negligenciado isso e estamos vendo o reflexo. Ir para cadeia com 16 anos, com 10 ou com 2 anos, pena de morte ou prisão perpétua, são apenas termômetros de algo que está errado, não é o problema em si!. Enquanto estiverem preocupados em apagar esses focos, a base do fogo vai se consolidando. A  neurociência mostra, que nosso cérebro amadurece apenas após os 30 anos, então como atribuir a um ser de 16 a total culpabilidade de seus atos?