A evolução da moralidade humana



Série Ensaios: Sociobiologia

Eli Carlons de Nardin e Jerônimo S. Eltz
Acadêmicos em Biologia

Nossas ações individuais estão sendo avaliadas o tempo todo pela sociedade, e para comprovar isto basta gastar meia hora em frente a um telejornal e perceber que já estamos julgando imediatamente as noticias que vemos.  Todos nos posicionamos ao
nos deparar com notícias atuais como a nomeação do novo presidente da comissão de direitos humanos da câmara ou sobre a médica suspeita de praticar eutanásia em pacientes do hospital evangélico. Ter o seu nome atrelado a casos polêmicos faz com que a pessoa seja descriminada pela sociedade, muito antes mesmo de ser julgada pela justiça. Para algumas pessoas pode parecer assustador e incompreensível a tentativa de analisar casos bizarros como estes, mas se refletirmos como emergiu a sociedade humana podemos perceber que embora estejamos inseridos em um macro grupo de escala global, a verdade é que prezamos e defendemos os pequenos grupos aos quais pertencemos no dia a dia.
Muitas vezes a história evolutiva de alguns animais acabou por tomar o caminho da vida social, isto pode ter ocorrido sob diferentes perspectivas e situações, mas que acabaram por culminar em um mesmo destino: a vida em grupo.  Sob o olhar individual, a vida em grupo apresenta diferentes desafios, pois ao passo que o animal deve otimizar o próprio sucesso em espalhar a sua genética, ele deve também trabalhar para manter o grupo unido e coeso. O conflito para os animais sociais se da através de uma dinâmica simples de se compreender, porém difícil de executar; como manter a posição hierárquica no grupo e ainda assim manter o grupo coeso? Nesta pergunta se resume o conflito de todas as sociedades animais.
            Para algumas pessoas ainda pode parecer engraçado e duvidoso quando escutam afirmações dizendo que
a origem de muitos comportamentos pode ser genética. A essas pessoas é preciso salientar que há algum tempo já se sabe que a evolução age sobre o comportamento, e que a evolução só pode agir sobre caracteres que são herdáveis e, portanto, transmitidos através de gerações pelos genes. Este raciocínio foi exposto de maneira muito simples, mas pode ser mais bem compreendido em diferentes literaturas sobre comportamento animal  e evolução. O fenótipo de qualquer organismo é moldado pela sua genética e pelo ambiente externo. Se organismos diferentes apresentam genótipos diferentes, essas diferenças se refletem no fenótipo e consequentemente no comportamento do animal. Diversos estudos relatam esta interação entre genes e comportamento como, por exemplo, o estudo de Bentley e Hoy (1972) sobre o comportamento reprodutivo de grilos (Teleogryllus).
Como podemos relacionar o comportamento animal com a moral? Para os filósofos as ações morais só se manifestam através da razão! Que me desculpem os filósofos, mas o mundo já viveu milhares de verões sob as ideias de grandes pensadores e mesmo assim apresentamos regras morais duvidosas. Para alguns teólogos o fundamento das regras morais esta e Deus! Que me perdoem estes teólogos, mas a sociedade já viveu tempo suficiente sob a doutrina de deus e ainda assim temos regras morais duvidosas. Então como explicar a moral? Para alguns biólogos a moral teve a sua evolução junto á sociedade humana e, portanto, atravessou os mesmos caminhos pelos quais o comportamento social muitas vezes se deparou: o conflito. Se o comportamento animal tem base genética e a moral evoluiu junto com a sociedade humana, os conflitos morais têm sido moldados pelos mesmos mecanismos que moldaram a sociedade humana, a evolução. Neste ponto vale frisar que a evolução não há de favorecer o ser altruísta que faz tudo pelos outros, mas sim o ser que otimiza a própria sobrevivência e é capaz de gerar mais descendentes. Independente da estratégia que o organismo adotar, ele sempre deve trabalhar para espalhar a sua genética o máximo possível para as gerações futuras.
A reprodução individual por si só não garante que uma genética se propague pela população como um todo. Para que a genética tenha representatividade nas gerações futuras, é interessante para os pais otimizar a reprodução dos seus filhotes, tanto quanto a sua. Este fator, associado ao cuidado parental extensivo característico na espécie humana, ajudou na evolução das regras morais da sociedade. O fato de algum ato ser considerado imoral não é fruto do acaso, mas sim da evolução de um sistema moral que condena atos que possam prejudicar a reprodução de cada indivíduo. Atos como pedofilia, estupro e necrofilia são repudiados pela sociedade, uma vez que são vistos como agentes prejudiciais o ato reprodutivo do indivíduo assim como o comportamento reprodutivo do grupo como um todo.
            Agora podemos entender que as regras e as falhas morais são parte de um processo natural de evolução. Mas até que ponto a sociedade é capaz de absorver estas falhas morais? Até onde o nosso gene egoísta’ pode ser aceito pela sociedade? O poder modelador que a sociedade exerce sobre comportamentos egoístas é fundamental para a manutenção do convívio social do bicho homem. Sem o poder da exclusão social, comportamentos imorais se espalhariam pela sociedade através da seleção natural, pois não há outro meio de se controlar o comportamento egoísta. Nós como formandos em Ciências Biológicas, acreditamos que a descriminação social de atos egoístas e a valorização de ações altruístas, devem exercer um papel fundamental na modelação da sociedade, e que sem estas ferramentas a sociedade estará fadada de vez ao fracasso.

O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Etologia tendo como base as obras:
·         Bentley, D. e Hoy, R. (1972) Genetic control of the neuronal network generating cricket (Teleogryllus) song patterns. Animal Behaviour 20ª ed, 478 -492.
·         Dawkins, M. – Compreender o Comportamento Animal (1994, 1ªed) Lisboa: Fim de século Edições
·         Alcock, J. – Comportamento Animal: um abordagem evolutiva. (2011, 9ªed). Porto alegre: Artmed.
·         Krebs,J.R., & Davies,N.B. (1993). Introdução à ecologia comportamental. (3a ed.). São Paulo: Atheneu.