Amor ou Oxitocina?



Série Ensaios: Sociobiologia

Por Guilherme Rathunde, Jéssica Mello, Tashi Torres e Victor Reimann

Acadêmicos do curso de Biologia

                Um caso que gerou bastante polêmica no ano de 2012 foi o fato de como proceder ao ter como diagnóstico de que a mulher está gerando um feto anencefálico. Neste caso,  o aborto seria considerado crime ou não? Foi votado no Supremo Tribunal Federal, no ano de 2012, a possibilidade legal de grávidas de fetos sem cérebro interromper a gestação com assistência médica. O Código Penal criminaliza o aborto, com exceção aos casos de estupro e de risco à vida da mãe, e não cita a interrupção da gravidez de feto anencéfalo (Veja o vídeo). A anencefalia é uma malformação rara do tubo neural, caracterizada pela ausência parcial do encéfalo e da calota craniana, proveniente de defeito de fechamento do tubo neural nas primeiras semanas da formação embrionária. Bebês com anencefalia possuem expectativa de vida muito curta, embora não se possa estabelecer com precisão o tempo de vida que terão fora do útero.  Um dos momentos mais críticos relacionados à sobrevivência das espécies não envolve apenas a geração de novos descendentes, mas também o cuidado da prole (Vieira, 2003). Este cuidado é constituído por um repertório de comportamentos exibidos pelos pais para com a prole, tendo como objetivo assegurar a sobrevivência de seus descendentes (Trivers, 1972). Pode-se classificar o comportamento parental em função das características físicas e comportamentais dos filhotes durante o nascimento (Rosenblatt, 1992). Existem três casos de maturidade do feto: o que o filhote nasce bastante imaturo e necessita de extensivos cuidados maternos ou parentais, uma vez que os recém-nascidos apresentam limitadas capacidades sensoriais. Em segundo, o filhote já nasce com várias habilidades de comportamento que lhe garantem certa independência dos adultos, e por fim, o grupo daqueles animais que apresentam características dos dois grupos anteriores (Vieira, 2003). Esch e Stefano (2005) consideram o amor como um complexo neurobiológico baseado na confiança, em crenças, no prazer e na recompensa, envolvendo necessariamente o sistema límbico. Consideram que esse processo envolva a atuação da oxitocina, entre outros, como vasopressina, dopamina, sinalizadores serotonérgicos, além do importante papel das endorfinas e do óxido nítrico.
                O objetivo da oxitocina, também conhecido como o hormônio do amor, é enviar mensagens aos neurônios para uma região específica do cérebro, denominada amígdala a qual é extremamente importante às reações com o meio ambiente, modelando no ser humano sua conduta social (Dacome e Garcia, 2008) e com as emoções (Machado, 2000). Vários estudos demonstram que a ocitocina está implicada na mediação neurormonal de comportamentos como o reflexo da liberação de leite durante a lactação, e o comportamento maternal frente a seus filhotes e frente a um potencial agressor (Giovenardiet al., 1998). Ela também modula relações de apego, comportamento sexual, comportamentos sociais, memória, ansiedade, estresse e a imunidade (Toigo, 2011). Animais que não produzem ocitocina ignoram suas crias e constantemente buscam parceiros diferentes para o acasalamento e, ainda, se injetá-las em cobaias que não engravidam faz com que estas se disponham a adotar filhotes alheios. Portanto, espécies que produzem esta substância tendem a ser dedicadas aos filhotes e seus parceiros (Carmichael et al,1987). Por conseguinte, o comportamento materno em mamíferos e em aves, de um modo geral é produto de alterações hormonais que ocorrem durante a gravidez e o parto. Segundo Cabada (1998), a mãe, quando estabelece tais vínculos com seus filhos, ao longo do primeiro ano de vida possibilita o nascimento ontológico deles, ou seja, dá origem à existência interna e psicológica de seu filho. Por essa ótica, pode-se dizer que a pessoa que cuida é considerada a chave que propicia o início da vida psicológica e pessoal deste ser. Spitz (1979) também ressalva a importância da participação da mãe tem ao criar um “clima emocional favorável”. Segundo o autor esses sentimentos maternos são essenciais nos primeiros anos de vida, pois a atitude materna serve para orientar os afetos do bebê e conferir qualidade de vida. Logo após o nascimento do filhote, a mãe está com altos níveis de ocitocina, que a faz esquecer a exaustão do parto e da dor e traz a euforia e uma intensa sensação de amor.  Para Dacome e Garcia (2008), a instauração de vínculos durante a vida do indivíduo (principalmente no início) cria, de certa forma, condições de amadurecimento de substratos fisiológicos que permanecem até o fim de sua vida.
                E quando os pais matam seus próprios descendentes, não há amor? Na natureza, O infanticídio pode ser eficiente para sobrevivência de determinadas espécies animais, sendo que às vezes a maior ameaça à sobrevivência vem da própria espécie. Os animais matam seus filhotes para melhores oportunidades de reprodução, alimentação e também para que os pais não tenham que investir tanta energia cuidando da cria. Também há animais como ratas que matam filhotes de outro indivíduo para alimentar-se e roubar seus ninhos, sendo que também podem matar seus próprios filhotes se apresentarem deformidades ou ferimentos, permitindo concentrar recursos e energia para outros filhotes. Este ato, também pode ocorrer caso o macho aumentar o seu sucesso reprodutivo, sendo que este mata os filhotes dos rivais para reduzir a competição do seu filhote pela reprodução e crescimento. Já no caso dos humanos, o infanticídio geralmente ocorre quando as mães delirantes envolvem o bebê, com ideias de que o bebê é defeituoso ou está morrendo. E no nosso caso, este ato está ligado a transtornos psiquiátricos pós-partos. Estes transtornos estão ligados a bruscas mudanças nos níveis dos hormônios gonadais, nos níveis de ocitocina e no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, que estão relacionados ao sistema neurotransmissor. Além das alterações biológicas, a transição para a maternidade é marcada por mudanças psicológicas e sociais (Cantilio et al. 2009). A variação no comportamento dos seres humanos quando comparado ao dos animais se dá ao fato de que a seleção natural não atua muito fortemente sobre os humanos, pois a maioria dos nossos predadores desapareceu, sendo que mesmo os mais despreparados podem reproduzir-se e passar seus genes a diante (Wallace, 1985). Portanto, biologicamente, este amor sentido pelos pais está relacionado ao hormônio ocitocina. Do ponto de vista evolutivo esse comportamento reflete a importância da reprodução e da perpetuação da espécie.

Esse ensaio foi elaborado para disciplina de Etologia II e baseado nas seguintes obras:

CANTILIO, A.;ZAMBALDI, C.F.; SOUGEY, E.B.; RENNÓ, J. Transtornos psiquiátricos no pós-parto. Rev. Psiquiatria Clínica. Disponível em: http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol37/n6/288.htm acesso em 10/09/12.

CARMICHAEL, M. S. et al. Plasma oxytocin increases in the human sexual response. J ClinEndocrinolMetab., v. 64, n. 1, p. 27-31, 1987.
DACOME, O.A. Efeito modulador da ocitocina sobre o prazer. Revista Saúde e Pesquisa, v. 1, n. 2, p. 193-200, maio/ago. 2008.
ESCH, T.; STEFANO, G. B. Love promotes health. NeuroEndocrinolLett., v. 26, n. 3, p. 264-267, 2005.
GIOVENARDI, M.; PADOIN, M.J.; CADORE, L.P.; LUCION, A.B. Hypothalamic Paraventricular Nucleus Modulats Maternal Agression in rats: Effects of ibotenic Acid Lesion and Oxytocin Antisense – From behavior to gene expression. Physiol. Behav., v.62, n. 3, p. 351-359, 1998.
MACHADO, A. B. M. Neuroanatomia funcional. 2 ed. São Paulo: Atheneu, 2000.
OING, E.; CREPALDI, M.A. Os efeitos do abandono para o desenvolvimento psicológico de bebês e a maternagem como fator de proteção.Estud. psicol. (Campinas),  Campinas,  v. 21,  n. 3, Dec.  2004 . 
ROSENBLATT, J.S. Hormone behavior relations in the regulation of parental behavior.Behavioral endocrinology. Massachusetts Institute of Tecnology Press, Massachusetts, USA, p. 219-229, 1992)
SPTIZ, R. A. O primeiro ano de vida: um estudo psicanalítico do desenvolvimento normal e anômalo das relações objetais. São Paulo: Martins Fontes, 1979.
TOIGO, E. V. P. Efeitos a longo prazo de diferentes separações dos filhotes no período neonatal sobre as genitoras. Tese de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
TRIVERS, R. L. Parental investment and sexual selection. In B. Campbell (Ed.), Sexual selection and the descent of man: 1871–1971 (pp. 136–179). Chicago: Aldine, 1972
VIEIRA, M.L. Comportamento materno e paterno em roedores. Biotemas, 16 (2): 159 – 180, 2003.