Ser mais UM ou apenas UM?

Eis o grande paradoxo do ser humano: aceitar os estímulos agregadores do grupo, ser aceito pelo mesmo e viver uma vida em paz ou potencializar as virtudes, se destacar no grupo e ser excluído pelo mesmo? Os centros urbanos estão abarrotados de gente, já temos várias megalópoldes que abrigam mais de 15 milhões de habitantes e paradoxalmente as pessoas estão doentes por causa da solidão (veja o vídeo sobre solidão jovens no Japão). Nossa espécie teve grande êxito evolutivo graças aos mecanismos eficientes de formação de grupo, que fizeram que nos víssemos como um único ser. Esses processos biológicos são muito importantes, por isso não foi possível ainda se adaptar às mudanças rápidas da nossa forma de viver nos últimos duzentos anos contrapondo com nossos 200.000 anos de existência na Terra.

Esse final de semana eu assisti um filme fantástico que me fez refletir sobre tudo isso e que me deixou com uma vontade imensa de viver naquele lugar. O fato de eu ter mudado 33 vezes até meus 18 anos, me permitiu vivenciar diferentes culturas e sociedades, mas a cidade do filme A Garota Ideal, de Craig Gilespie (2007) é fantástica. O enredo do filme é sobre Lars (Ryan Gosling), um rapaz com sérios problemas de relacionamento e apego devido a morte de sua mãe durante seu parto e a posterior morte de seu pai. A forma encontrada para a socialização foi namorar uma boneca de silicone (Bianca), a qual acredita ser uma pessoa de verdade e que usa para expressar os seus sentimentos, como uma criança faz. O mais bacana do filme é que toda a sociedade se mobiliza para ajudar Lars seguindo a orientação da psicóloga em não contrariá-lo para que possa usar esse canal de comunicação. A cidade inteira aceita a boneca e passa a integrá-los no dia-a-dia do local, até que ele consegue elaborar as suas perdas e seus medos. Percebi ao longo do filme como é confortante a sincronia das emoções e a solidariedade do grupo.

A revista cérebro e mente de janeiro traz uma matéria de psicologia social assinada pelo psicólogo Wray Herbert mostrando como a sincronia de movimentos é importante para solidariedade, cooperação e coesão de grupo. O autor exemplifica o texto com a marcha sincronizada e disposição simétrica dos soldados que, desde antiguidade até a 1ª Guerra Mundial, era utilizada para fazer com que o grupo funcionasse como um corpo único. Exatamente, como se cada indivíduo fosse uma célula de um corpo. Aliás, sempre ressaltei que a sociedade mais bem organizada que existe é o corpo de um organismo multicelular. Movimentos sincronizados (marchas, coros, dança, foliões) faz com que certas emoções fragilizem as fronteiras entre o eu e o grupo. Pesquisas como a de Chip Heath mostram, através de estudos com universitários, que esse ritual evoluiu para o benefício econômico do grupo, sendo que aqueles que experimentaram a síncrona foram mais cooperativos, tomavam decisões menos egoístas considerando o interesse coletivo, sentiram o prazer de fazer parte de uma equipe e de poder confiar em alguém. Provavelmente, foi justamente esse resultado que dotou o Homo sapiens de vantagens sobre o Homo neanderthalensis e propiciaram que algumas culturas prosperassem e outras não. Em qual delas a nossa nova sociedade globalizada se encaixa?

Inúmeras outras pesquisas têm buscado compreender a solidariedade, a empatia e a cooperação como os ratos que libertaram seus companheiros, cães que sentem pena de humanos, a busca da origem evolutiva da solidariedade e do gene da gentileza relacionado com a produção e receptores de oxitocina e obviamente a importância dos neurônios espelhos, mostrando que a imitação pode curar, e sua importância na empatia e solidariedade. A questão é que ainda teremos que conviver com o conforto de ser aceito pelo grupo e a vaidade de ser admirado pelas nossas diferenças.