Dia 30.11.2009 participei de uma mesa redonda com Dra. Maria Luisa Tunes Buschini (UNICENTRO) e Dr. Mauricio Osvaldo Moura (UFPR) sobre comportamento reprodutivo. O Mauricio (Free) falou sobre reprodução em anuros, levou sonogramas e sons de diferentes fases do comportamento reprodutivo e elucidou as diferenças das freqüências e amplitudes dos sons. Já a Maria Luisa falou sobre comportamento reprodutivo em vespas, uma apresentação muito bonita e didática em que mostrava a interação da fêmea com os machos guardiães e satélites. Eu falei sobre comportamento sexual em Loxosceles e abaixo transcrevo a palestra.
Comportamento sexual da Aranha-Marrom
O comportamento sexual é a força impulsionadora da evolução, uma vez que as escolhas determinarão aqueles que deixarão mais descendentes. Mas tarde os seres humanos - observando e refletindo sobre quais comportamentos acarretariam em maior sucesso - atribuíram julgamento de valor aos fatos biológicos codificando-os em culturas, moral, leis - indo contra tudo aquilo que era contra o sucesso reprodutivo. Durante muito tempo mesmo os biólogos não percebiam o papel da fêmea no contexto sexual. Até então ela era vista como um elemento passivo. Após a teoria da seleção sexual de Charles Darwin foi compreendido que a forma como as fêmeas escolhem seus parceiros poderia ter uma forte influência sobre o comportamento masculino, organização social e evolução das espécies. Darwin acreditando que função dos ornamentos masculinos era exclusivamente atrair as fêmeas concentrou-se no comportamento individual demonstrando que as adaptações físicas permitiam aos animais sobreviverem e se reproduzirem. Os polêmicos sociobiólogos das décadas de 60 e 70 começaram aplicar a teoria no comportamento social desenvolvendo a idéia da aptidão inclusiva partindo da premissa que a seleção favorece qualquer comportamento que maximize a aptidão de um indivíduo ou sucesso reprodutivo. Esses elementos são tão fortes, tão basais e tão fundamentais que encontramos padrões comuns a todos os animais. São como alicerces cuja forma de execução varia com as potencialidades e habilidades de cada animal, mas com uma mesma finalidade. Esses padrões são tão fortes que no trabalho desenvolvido com o Felipe Neves vimos que mesmo no ambiente virtual de chat em que só existe a linguagem verbal os padrões intrínsecos e específicos de machos e fêmeas durante o cortejo estão presentes.
Algumas espécies do gênero Loxosceles são consideradas de interesse-médico e potencialmente qualquer espécie do gênero pode se tornar sinantrópica e automaticamente problema de saúde publica. Curitiba representa um caso atípico no mundo inteiro (pelo menos registrado em literatura) quanto ao tamanho da população e ao número de acidentes. O aumento intensificado no final da década de 1990 e mantido até hoje, necessariamente não representa um aumento real, mas uma percepção e capacitação profissional para registro desses acidentes. O início dos meus estudos com aranha-marrom foi o ano de 1992, quando técnicos do Instituto Butantan resolveram vir até Curitiba compreender o motivo da solicitação de tanto soro anti-aracnidico. Até então eles estavam achando que nossos médicos estavam diagnosticando os acidentes erroneamente. E se surpreenderam com a quantidade de aranhas. Nessa época eu era estagiária do CPPI e resolvi começar a estudar a aranha-marrom.
O problema da aranha-marrom direciona quatro frentes de atuação. Em um primeiro momento as medidas profiláticas de identificação da picada e métodos de amenizar as seqüelas. Sendo desenvolvida a tecnologia de produção de soro e aprimorado o diagnóstico, capacitação de profissionais e administração de medicamentos. As medidas preventivas exigem tomadas de atitudes que evitem os acidentes, desde campanhas educativas até o desenvolvimento de pesquisas que visem compreender os processos colonização do ambiente antrópico, culminando nas medidas de controle das aranhas. A pesquisa básica é retroalimentada pela sua aplicação. Inicialmente houve muita especulação a respeito dos motivos que davam esse status para Curitiba e a busca era compreender o que havia em Curitiba para ter um problema dessa dimensão. Eu entro nesse ponto da história me preocupando em um primeiro momento em conhecer a distribuição das espécies. A história evolutiva dessas aranhas é bem interessante. São animais típicos de desertos quentes e frios e altamente resistentes caracterizados por grupos de radiação. Na América do Norte existem quase 50 espécies sendo que a maioria é originária de uma espécie do grupo reclusa (desertos quentes). Já na América do Sul, são até agora (está acontecendo uma nova revisão) 20 espécies, sendo a maioria do grupo laeta com radiação vertical principalmente na região do Peru (desertos frios). No Brasil temos espécies relativas a 4 grupos de radiação e uma maior diversidade de espécies no Sul do País. No Paraná, são 4 das 9 espécies brasileiras. E Curitiba duas, L. laeta originaria do sul da América do Sul (Argentina ou Chile) e L. intermedia com ocorrência para sul e sudeste do Brasil e alguns países vizinhos. Ao analisarmos a distribuição no estado do Paraná, temos L. gaucho com ocorrência para norte, L. laeta para sul, L. hirsuta com localização pontual e L. intermedia com distribuição mais ampla.
O elemento chave de minhas pesquisas foi a distribuição assimétrica das duas espécies em Curitiba, pois L. intermedia representava 90% dos registros e L. laeta mantinha as freqüências de infestação encontrada mesma no local de origem. Logo quem estava destoando era L. intermedia e os elementos que as faziam praga deveriam estar relacionados com ela. E então comecei a questionar se o problema era de fato Curitiba. Então foi dado inicio para uma séria de estudos em que testei várias hipóteses comparativamente com as duas espécies para testar a influência do ambiente, sendo possível depois de 15 anos de estudos montar um cenário: L. laeta é uma espécie que ocorre preferencialmente no intradomicílio de casas antigas, o qual colonizou possivelmente antes de L. intermedia, porém devido aos seus hábitos especialistas, sedentários permaneceu no ponto de introdução. Defendendo seu ambiente de L. intermedia que chegou depois. L. intermedia é mais generalista, ocorre em qualquer ambiente o qual não disputa com tanta territorialidade, apresentando hábitos mais errantes o que fez com maximizasse sua distribuição. Essas características foram evidenciadas e as hipóteses comprovadas com vários estudos, inclusive a estratégia reprodutiva, que o foco dessa mesa.
Para começarmos a falar de reprodução em aranhas precisa rever como é a estrutura do aparelho reprodutor. As aranhas como os artrópodes possuem receptáculos seminais onde os espermatozóides são armazenados. Temos dois tipos nas aranhas e sua forma irá modular todo comportamento reprodutivo. As mais primitivas têm um receptáculo em fundo cego, são chamadas de haplóginas. Nesse sistema o espermatozóide entra pela abertura genital e fica armazenado no fundo, podendo ficar viável por meses. No momento da fecundação o óvulo desce pelo canal principal e o espermatozóide armazenado é deslocado a partir do mesmo ponto que entrou. Assim o primeiro espermatozóide a ser utilizado é do último macho que copulou, sendo necessário o macho proteger suas fêmeas de outros machos. No segundo caso, temos as aranhas com epígeno. Aqui há uma abertura para entrada diferente da saída de espermatozóide e os mesmos se encontram com o óvulo na parte de cima de forma que os primeiros machos que copularam são os que terão a preferência na ordem de utilização dos espermatozóides. Aqui o macho deve guardar a fêmea antes da sua maturidade e há uma nítida preferência pelas virgens. A aranha-marrom faz parte do primeiro grupo. A forma do receptáculo seminal é caráter diagnóstico das espécies (como em aranhas) e representam os grupos de radiação. Os padrões que norteiam o comportamento reprodutivo da aranha-marrom são os mesmos que existem para todos os animais. O que busquei nesses anos todos de estudo foi caracterizar os pontos relacionados com o perfil dessa espécie que diz respeito inicialmente com a Comunicação entre os parceiros; o nível e importância da Seleção pela fêmea – e por fim a existência de Competição dos machos – tendo como premissa: Se padrões diferenciais na estratégia reprodutiva entre L. intermedia e outras espécies do gênero resultam no aumento dos descendentes, pode ser utilizada para explicar a assimetria na distribuição do gênero
O comportamento copulatório das aranhas pode ser dividido em cinco fases, com padrões motores bem definidos e ritualziados. Embora com uma flexibilidade relacionada com o perfil de cada espécie. Na primeira fase, temos a preparação para a cópula. E aqui ela é mais importante para o macho, pois ele deve preencher o seu bulbo copulatório com espermatozóide através da confecção de uma teia especial chamada de teia espermática. Da mesma forma que o receptáculo da fêmea, os bulbos são caracteres sistemáticos e aranhas mais primitivas possuem estruturas bem simples e as mais derivadas possuem estruturas acessórias que são infladas no momento da reprodução. Dentro do bulbo existem vários espermatóforos que podem ser distribuídos para várias fêmeas. Possivelmente o macho possa recarregar o seu reservatório ao longo da sua breve vida. Após essa preparação o macho deve encontrar a fêmea. A pesar das aranhas terem inúmeras estruturas sensoriais, elas serão mais ou menos desenvolvidas dependendo do hábito da aranha. A função do cortejo é fazer com que a fêmea entre em um estado de acinesia suprimindo seu comportamento predatório. Existem três níveis de cortejo nos machos de aranhas, no primeiro é necessário o contato direto, no segundo são necessários ferômonios para estimular o macho e no terceiro postula o reconhecimento visual. Muitas aranhas haplóginas, como o gênero Loxosceles, apresentam o nível I, caracterizado por um cortejo simples e curto que envolve principalmente movimentos de pernas e de pedipalpos. Nesta fase as características sensoriais especificas de cada espécie é maximizada. Na fase de pré--cópula o casal deve adotar a postura necessária para cópula a qual também é variável entre as espécies e tem haver com a morfologia e comportamento de cada grupo. A cópula se diferencia por tempos de inserção e se os pedipalpos são alternados ou se ocorre imobilidade. Na fase de pós-cópula o macho deve decidir entre proteger a fêmea ou ir em busca de novas cópulas para maximizar a sua taxa de fecundação.
A comunicação resulta na alteração do padrão comportamental de um animal como conseqüência do comportamento de outro animal. Em espécies canibais, como as aranhas, a comunicação é extremamente importante no comportamento sexual, uma vez que o macho deve inibir o comportamento predatório da fêmea envolvendo uma combinação de sinais visuais, químicos, vibratórios e táteis. O comportamento sexual de L. intermedia é caracterizado pela utilização de diferentes sinais os quais provavelmente se adaptam às diferentes condições corroborando com o perfil generalista da espécie. A teia para L. intermedia parece ter um papel importante na detecção e reconhecimento do parceiro, além de proporcionar um substrato favorável que propicia estabilidade para postura da cópula, porém não é limitante para sua realização. Cerca de 26 famílias de aranhas produzem sons por estridulação, percussão ou vibração de estruturas. Para Loxosceles era conhecida a presença de um pino e de ranhuras nas quelíceras. O que fizemos atualmente foi medir essas freqüências com colaboração do Dr. Andrej da Slovenia que registrou as freqüências dos movimentos de diferentes partes do corpo de machos e fêmeas caracterizando a comunicação acústica vibracional, cujo trabalho foi publicado recentemente na Behevorial Process. Foram realizados vários testes para verificar a relevância do acústico e do químico e da teia através da avaliação do comportamento de machos eunucos (ausência se sons) e lavados em acetona (ausência de compostos cuticulares). Apesar da ausência de pedipalpos não ser limitante para a cópula e a própria comunicação acústica poder estar relacionada com o substrato onde está sendo transmitida a vibração, os sinais utilizados na comunicação podem ser adaptados às diferentes condições. Nem todos os sinais provocam uma resposta imediata e a ausência de um sinal (e.g. químico) pode ser substituído por outros (e.g. visual). A presença de compostos cuticulares foi fundamental para o cortejo e realização da cópula, uma vez que estes foram pouco freqüentes tanto para fêmeas como para machos lavados com acetona. Esses compostos também foram muito importantes no reconhecimento do macho pela fêmea, já que a maioria dos machos predados havia sido lavada com acetona. Deve-se considerar que machos e fêmeas lavados e com pedipalpos removidos não cortejaram nem assumiram a postura de cópula, mas bastou a existência de um dos dois sinais para desencadear o comportamento sexual. Na seqüência deste estudo, os compostos presentes no corpo de machos e fêmeas foram identificados e entre todos eles foram encontrados dois exclusivos da fêmea. Novos testes foram realizados em olfatômetro. A reação das aranhas através dos padrões motores exibidos sugere a existência de dois mecanismos de comunicação: o reconhecimento (reação) e a identificação (sinalização). O fato da fêmea se movimentar mais diante do macho, sugere o reconhecimento sexual à distância e a sinalização para efetivar a sua aproximação. Em um primeiro momento a vibração parece ser mais importante. Deve-se considerar que essas aranhas vivem em locais escuros e que têm visão pouco desenvolvida, que o macho é mais errante que a fêmea e se locomove pelo ambiente à sua procura. Já as fêmeas são mais sedentárias permanecendo nas proximidades da teia. Provavelmente o macho usa sinais químicos presentes na teia ou no corpo da fêmea, os quais podem ser mais efetivos a curta distância, tendo em vista a inexistência de estruturas quimiorreceptoras muito desenvolvidas como as presentes em Lepidoptera. Assim, a recepção de sinais vibratórios emitidos pela fêmea através da produção de sons (vibração dos pedipalpos) ou vibração do ar pelo movimento das pernas, ajudaria na sinalização para o macho, que se aproximaria para reconhecer a fonte de vibração. A mesma reação e sinalização de machos diante de fêmeas e machos sugerem que além do contexto sexual haja relação com o comportamento competitivo a vibração em decorrência da movimentação de um macho poderia ser utilizada como indicativo da presença de um cortejo, logo de uma fêmea, promovendo, assim, a aproximação A existência de comunicação química foi evidenciada nos testes em que os machos foram mais atraídos pelos compostos cuticulares exclusivos da fêmea. Logo, acredita-se que quando o macho está diante da aranha responde aos sinais vibratórios para localização e utiliza a informação química para reconhecimento do sexo da aranha.
Em dois estudos com L. intermedia e L. laeta fora avaliados variáveis relacionadas com a competição entre os machos e seleção pela fêmea, usando vários parâmetros. A disputa entre os machos de inúmeras espécies é caracterizada pela exibição de padrões motores ritualizados cuja função primária é a sinalização do tamanho, força e capacidade de luta. O combate é mais intenso e duradouro nas interações em que as diferenças entre os oponentes são pequenas e demandam mais tempo para avaliação. O padrão comportamental exibido no combate entre os machos mostrou uma relação com o grupo de radiação, uma vez que os comportamentos de L. intermedia e L. hirsuta foram mais semelhantes entre si e diferenciados de L. laeta. Padrão similar pode ser visto no comportamento copulatório. A variação na freqüência de ocorrência e número médio de confrontos por interação pode estar relacionado com a agressividade e pré-disposição para o combate ao invés da fuga, sugerindo que a sua eficácia na partilha de recursos e na proteção da fêmea contra cópulas com outros machos depende de outras estratégias como duração da cópula, cópulas seqüências, poliandria, poligenia, competição espermática e seleção sexual. Existe um gasto energético no confronto, e quanto antes for definido o vencedor de uma disputa, melhor. O macho que se beneficia é aquele que reconhece rápido a sua derrota. E em todos os animais, as lutas reais com risco de se ferir ou de morte são raras. Inúmeros sinais evoluíram para que os machos pudessem fazer essa avaliação e o confronto ritualizado é uma delas. Em L. intermedia como em outros animais, grandes assimetrias são suficientes para que em apenas um toque o macho em desvantagem se afaste, porém permanecendo o interesse na disputa pelo recurso (e obviamente no seu valor) e a dúvida quanto às potencialidades do rival o confronto poderá ser longo. Assim como na cópula cada aranha tem o seu padrão de ritualização de movimentos, no confronto também podemos encontrar esses padrões (obviamente que flexíveis) e o mais interessante que similar aos rituais de cortejo e cópula. Partindo do fato que aranhas do gênero Loxosceles são haplóginas e o esperma do último macho é o utilizado primeiro, espera-se que não haja guarda e preferência por fêmeas virgens, mas que haja uma proteção da fêmea depois da cópula. Imaginando o cenário do local de ocorrência desses animais, seja um oco de árvore, a parede de caverna ou os objetos e frestas presentes em uma construção antrópica encontrar a fêmea pode não ser tão fácil (como visto anteriormente). Dois machos se encontrarem então, deve ser mais difícil. Mas supondo que dois machos se encontrem simultaneamente e seqüencialmente, haveria competição pela fêmea e quais fatores seriam relevantes?
A estratégia reprodutiva de L. intermedia é diferente de L. laeta refletindo habitats e hábitos específicos, no entanto ambas vão de encontro com a maior produção de descendentes como adaptação ao local de origem e especiação.
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