A Cura para o HIV: uma questão bioética?


Por Fabricio Azevedo

Mestrando em Bioética e Residente em Infectologia HESP




Um dos grandes desafios da medicina moderna tem sido a busca por uma cura definitiva para o HIV. A técnica de edição genética CRISPR-Cas9 fez um grande avanço nos últimos anos (Xu, 2019). Novos métodos para remover o vírus do corpo dos infectados surgiram com a ajuda desta ferramenta, que pode cortar e alterar o DNA com precisão (Wang, 2016). No entanto, levanta vários problemas bioéticos significativos ao mesmo tempo em que inspira esperança (Ayanoğlu, et. al, 2020). Atualmente os cientistas conseguem inserir ou remover segmentos do DNA usando o CRISPR-Cas9, uma técnica que funcionaria como uma "tesoura genética", permitindo aos cientistas editar os genes de maneira mais fácil (Ran, 2013). Para promover a cura do HIV, essa técnica tem sido utilizada com o intuito de remover o DNA integrado às células do infectado. Isso poderia remover completamente o vírus das células infectadas, resultando na cura da doença (Yin et al., 2017) . Os primeiros ensaios com CRISPR-Cas9 para combater o HIV deram resultados positivos em laboratório. Em alguns casos, os cientistas conseguiram extrair o DNA viral de células cultivadas in vitro. Além disso, pesquisas em modelos animais mostraram que a modificação genética pode impedir que o vírus funcione, diminuindo sua carga até que seja quase impossível de detectar (Dash, 2023). Contudo a aplicação dessa tecnologia em seres humanos apresenta muitos obstáculos. 

Como objetivo principal teríamos que garantir que a edição do DNA seja realizada sem causar efeitos colaterais perigosos ou mutações indesejadas. O sistema imunológico humano é complexo e uma alteração no DNA pode levar a resultados imprevistos e potencialmente graves (Lander, 2015). Existem preocupações bioéticas significativas além dos riscos técnicos. Por exemplo, a possibilidade de edição genética em humanos levanta dúvidas sobre consentimento informado. Antes de se submeterem a tais procedimentos, os pacientes devem compreender plenamente os riscos e benefícios possíveis. Isso é particularmente difícil em locais onde há recursos de saúde e educação limitados (Jinek et al., 2012). Também preocupa-se com a distribuição equitativa desses tratamentos sofisticados. Tratamentos de ponta, como os que envolvem CRISPR-Cas9, podem ser caros e, portanto, muitos indivíduos de baixa renda ou em áreas menos desenvolvidas não podem pagar por eles. Isso tem o potencial de aumentar as disparidades na saúde global, uma questão moral que não pode ser ignorada (Adli, 2018). A possibilidade de uso indevido da tecnologia é outra preocupação bioética. Embora o foco atual seja o tratamento de doenças, a mesma abordagem pode ser usada para alterações genéticas não terapêuticas, como mudanças nas características físicas ou melhorias nas habilidades físicas ou mentais. Portanto, é essencial estabelecer limites morais para o uso de CRISPR (Caplan et al., 2015)

É muito importante discutir quem deve comandar essa tecnologia. O governo, as organizações internacionais de saúde ou os conselhos de ética devem ser os responsáveis? A regulação adequada é essencial para evitar abusos e garantir que a criação e implementação dessas terapias sejam feitas de maneira ética e segura (Charo, 2015). Além disso, a aplicação do CRISPR-Cas9 no HIV pode criar uma nova era de doenças infecciosas ou genéticas. O sucesso neste caso poderia motivar mais financiamento e pesquisas em terapias genéticas, mas também intensificaria a discussão moral sobre a modificação genética em humanos. Para que sejam consideradas as diferentes perspectivas e valores, a sociedade em sua totalidade deve participar desses debates (Baltimore, 2024). Por fim, para garantir que os avanços no tratamento do HIV sejam realizados de maneira responsável, é fundamental que a comunidade científica, os pacientes, os legisladores e o público em geral trabalhem juntos enquanto caminhamos na fronteira da ciência com tecnologias como CRISPR-Cas9. O futuro dessas intervenções revolucionárias dependerá de como equilibrar os benefícios bioéticos com os riscos (Marchant, 2021).