Por Eduardo Blaese Medeiros Tardim; Heloise Cristine Krauchuki; Heloise Scafi; Jaqueline Kliemke Carneiro; Julia Rosa
Acadêmicos de Biologia
A notícia que relata a condenação do padrasto que agrediu o enteado (Conjur, 2021), suscita reflexões profundas, não apenas sob a ótica jurídica, mas também a partir de diversas perspectivas científicas. Do ponto de vista biológico, é inegável que a agressividade humana tem raízes complexas, influenciadas por fatores genéticos e ambientais, mas deixando claro que podem haver explicações biológicas e etológicas. Estudos biomédicos têm buscado entender as bases neurobiológicas da agressão, evidenciando a interação entre neurotransmissores, circuitos cerebrais e predisposições genéticas que podem contribuir para comportamentos violentos (LÓPEZ, 2000; ROSALEN, 2017).
A observação do comportamento agressivo de alguns animais em relação aos filhotes de outros machos amplia a compreensão da agressividade como um fenômeno mais amplo na natureza. Em contextos biológicos e etológicos, essa agressividade muitas vezes está vinculada à competição por recursos escassos, territórios ou parceiros reprodutivos (CARVALHO, 2002; VALENTOVA, 2018). Em certas espécies, a eliminação da prole de um macho rival pode aumentar as chances de sucesso reprodutivo do agressor (APPEL, 2016). Em muitas espécies de felinos, o comportamento de matar os filhotes de outros machos é observado em algumas circunstâncias: como uma estratégia reprodutiva que visa eliminar a concorrência, permitindo que os filhotes do macho que realiza o infanticídio tenham uma melhor chance de sobreviver e prosperar. Além da competição por recursos, além do comportamento instintivo de não reconhecer o filhote como seu (APPEL, 2016; LOBATO, 2001).
No estudo comportamental realizado por Mata (2020), para leões (Panthera leo), quando um novo macho toma o controle de um grupo de leões, ele frequentemente mata os filhotes nascidos do macho anterior. Também nos estudos realizados Aguiar (2005) e por Oliveira (2020), uma tentativa de infantício também já foi noticiada na espécie do Bugio-Preto (Alouatta caraya) sob situações estressantes de presença humana.O animal residente e dominante do grupo focal em questão é o detentor maior do acesso a fêmeas e demais recursos. Devido a sua alta posição hierárquica e o acesso que esta permite, postula-se que, naturalmente, este indivíduo poderia receber menos estímulos para a emissão deste comportamento de agressão, quando comparado a machos de posições hierárquicas inferiores ou machos extra-grupos (AGUIAR, 2005).
Os maus-tratos domésticos, sob uma perspectiva biológica, podem ser entendidos como uma manifestação extrema de comportamento agressivo. No contexto dos maus-tratos domésticos, a dinâmica de poder desigual pode acionar respostas agressivas como uma forma distorcida de preservação de território, em que o agressor busca controlar o ambiente familiar (DE ALMEIDA et al, 2002). No entanto, é crucial ressaltar que essa abordagem biológica não desculpa, mas busca entender as origens para informar estratégias de intervenção mais eficazes. Compreender a base biológica da agressão doméstica pode direcionar esforços para a prevenção e tratamento, abordando não apenas as manifestações superficiais, mas também as raízes profundas desse comportamento prejudicial. Além do escopo humano, uma abordagem etológica nos permite explorar como outros animais manifestam fenômenos semelhantes. A agressividade, muitas vezes, é uma resposta a estímulos adversos no ambiente, e exemplos na natureza destacam estratégias adaptativas desenvolvidas ao longo da evolução para a sobrevivência e defesa do território (APPEL, 2016; CARVALHO, 2002). No entanto, é crucial lembrar que a complexidade da agressão humana transcende meras explicações biológicas ou etológicas.
No plano psicológico, embora não interpretado detalhadamente aqui, é essencial reconhecer que a agressividade muitas vezes está intrinsecamente ligada a fatores emocionais e traumas (CREMASCO, 2008). Contudo, para uma compreensão completa, é necessário analisar as especificidades do caso em questão. A agressividade humana como um fenômeno multifacetado que demanda abordagens interdisciplinares. Nós como futuros biólogos acreditamos que a biologia oferece uma base, mas a psicologia, sociologia e ética desempenham papéis cruciais na compreensão e prevenção da violência. No caso específico da notícia da condenação do padrasto, é imperativo considerar não apenas a punição legal, mas também iniciativas educacionais e de apoio para quebrar ciclos de violência, contribuindo para uma sociedade mais justa e equitativa. Essa reflexão, inevitavelmente, destaca a necessidade de uma abordagem holística para lidar com questões tão delicadas e complexas.
Nós como futuros biólogos acreditamos que, tivemos a incrível oportunidade de cursar a disciplina de etologia e aprender muitos ensinamentos e conhecimentos necessários para seguir a profissão de biólogo, e entender a importância do pensamento crítico voltado ao comportamento e, no escopo desse trabalho, sobre a agressividade como comportamento biológico.
O presente ensaio foi elaborado para disciplina de etologia se baseando nas obras:
1. AGUIAR, Lucas M. et al. Tentativa de infanticídio por um macho dominante de Alouatta caraya (Humboldt)(Primates, Atelidae) em um infante extra-grupo devido a influência do observador. Revista Brasileira de Zoologia, v. 22, p. 1201-1203, 2005.
2. APPEL, Tiago Nasser. Chimpanzés também fazem guerra: retomando a teoria evolucionária para uma discussão do Poder. Estudos Internacionais: revista de relações internacionais da PUC Minas, v. 4, n. 2, p. 5-16, 2016.
3. CARVALHO, Juliana Pinho de. Custos e benefícios associados à vida em grupo: nos peixes, aves e mamíferos. 2002.
4. Conjur. (2011, dezembro 19). Padrasto que agrediu enteado com cinta é condenado por tortura em Santa Catarina. Recuperado de
https://www.conjur.com.br/2011-dez-19/padrasto-agrediu-enteado-cinta-condenado-tortur a-sc
5. CREMASCO, Maria Virgínia Filomena. Violência e resiliência: enfrentamento do traumático na clínica psicanalítica. Latin American Journal of Fundamental
Psychopathology On Line, v. 2, p. 222-240, 2008.
6. DE ALMEIDA, Helena Nunes; ANDRÉ, Isabel Margarida; DE ALMEIDA, Ana Nunes. Os maus tratos às crianças na família. Acta médica portuguesa, v. 15, n. 4, p. 257-67, 2002.
7. LÓPEZ MUÑOZ, Francisco; ÁLAMO, Cecilio; CUENCA, Eduardo. Bases neurobiológicas de la agresividad. Arch. psiquiatr, p. 197-220, 2000.
8. LOBATO, Luzineide. As competições sociais em grupos de Callithrix jacchus (Callitrichidae, Primates) são influenciadas pelo parentesco e pela convivência. 2001. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
9. MATA, Emily Perez Guimarães da. Estudo comportamental e efeitos da interação animal-visitante dos felinos do Zoológico de São Paulo. 2020.
10. OLIVEIRA, Gisela Barbosa Sobral de. História Natural e comportamento social de bugios-ruivos (Alouatta clamitans, Primates: Atelidae) em um dos maiores fragmentos de Mata Atlântica do mundo. 2020. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.
11. ROSALEN, Juliana. Tarja preta: um estudo antropológico sobre 'estados alterados' diagnosticados pela biomedicina como transtornos mentais nos Wajãpi do Amapari. 2017. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.
12. VALENTOVA, Jaroslava Varella; VELOSO, H. V. C. Estratégias sexuais e reprodutivas. Manual de psicologia evolucionista, p. 303-328, 2018.
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