quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Desafio Contemporâneo: Ser e Viver de Maneira Sustentável


Série Ensaios: Bioética Ambiental

 Por Estela Galvão Alves, Fabiane Olivia Ardenghi e Renato Damasceno Neto

Mestrandos em Bioética


Em 2 de dezembro de 2018, a Folha de São Paulo por meio do site UOL veiculou notícia relativa à realização da COP-24 – Conferência do Clima, organizada pela Organização das Nações Unidas - ONU. A chamada jornalística apresentou algumas inquietações, pois alertou que o evento se iniciava com senso de urgência e tensões políticas. O evento foi programado para ocorrer na cidade polonesa de Katowiceh e os negociadores dos países participantes discutiram a regulamentação do acordado no encontro de Paris, em 2015, que se tornou Lei em 184 países, entre eles o Brasil. A intenção da reunião era tratar do financiamento das ações, transparência e monitoramento dos progressos e atribuição de responsabilidades diferenciadas entre os países, considerando o estágio de desenvolvimento de cada um deles. 

Eventos dessa natureza colocam frente a frente atores diversos, que possuem uma amplitude global, em nível mundial, porém com repercussões nacionais em níveis micro ambientais. São buscadas formas de se ter um desenvolvimento sustentável. 

 

 

Diversos segmentos econômicos são envolvidos, dentre muitos, podemos citar a matriz energética, a indústria, os transportes, o combate ao desmatamento. Destacam-se, em nível global, dois grupos de países: um composto pelos países desenvolvidos (maiores emissores de gases de efeito-estufa) e outro constituído pelos países mais vulneráveis (nações menos desenvolvidas e pequenas ilhas). Há argumentações de ambos os lados. Contudo, constata-se que os resultados práticos desses encontros têm se mostrado ineficazes, pois os compromissos assumidos e as metas pactuadas não são cumpridos por razões de natureza diversas. 

A notícia aponta que o aquecimento global provoca alterações climáticas com impactos desiguais para os países. E aqui podemos citar a Justiça Climática, que evidencia, que as alterações climáticas provocam, para a população mundial, períodos de secas, inundações e outros desastres extremos, que sempre trazem impactos maiores para as populações mais pobres o que amplia as desigualdades sociais. No Brasil, há aumento das doenças cardiorrespiratórias e proliferação de mosquitos da dengue nas últimas seis décadas.

O Acordo de Paris, instituído em 2015 unicamente para fins de redução do aquecimento global, visa proteger a vida que conhecemos e propiciar uma possibilidade de futuro para as gerações vindouras.  

A priori o aumento da temperatura nos níveis estipulados (média global até 2ºC com objetivo específico de 1,5ºC ) pode parecer trivial e irrelevante. Contudo, ao refletirmos os pequenos detalhes em maior escala, visualizamos que esta “singela” mudança acarreta de forma significativa nos impactos ambientais previamente citados. Este avanço a qualquer custo, fruto de uma falsa concepção de que a natureza é infinitamente renovável, extrapola o limite da exploração e respalda as preocupações evidenciadas  na COP24, com previsão de uma COP27 (a ser realizada nos dias 06 a 18 de novembro de 2022) com pouca força para mudança. O evento acontecerá em Sharm El Sheikh, no continente Africano, lugar paradisíaco marcado por receber turistas de altíssima renda em resorts all inclusive, acarretando baixíssimo acesso a ONGs e ativistas com recursos financeiros mais frágeis, mas com potencial para exercer pressão em busca de melhorias climáticas.

Os problemas éticos e os respectivos argumentos

Em detrimento das inúmeras sinalizações climáticas, iniciativas em prol da preservação do meio ambiente têm sido pouco visualizadas. A probabilidade de termos uma elevação superior ao teto protetivo previamente concebido de 1.5ºC continua em ascensão desde 2015. Precisaríamos atingir um limite de emissão de gases até 2020 com redução gradual até ZERO em 2040. Contudo, na contramão surgem grandes nações (incluindo o Brasil) retirando seu apoio ao Acordo em um claríssimo conflito de interesses em que o poderio econômico se mostra imperioso. A queima de matéria prima para produção energética e a degradação florestal mantêm-se apesar das metas de redução total autodeterminadas pelo próprio Brasil. As medidas de redução da eliminação de gases precisariam ser de 3 a 5 vezes maiores para o alcance da meta. 

Princípio da Sustentabilidade

Em 2015, a Organização das Nações Unidas – ONU propôs aos seus países membros uma nova agenda de desenvolvimento sustentável para os próximos 15 anos (2030) composta por 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS.


































A partir dos ODS estrutura-se o princípio da sustentabilidade em três pilares: econômico, social e ambiental. De suas interligações devem surgir ações que conduzam à sustentabilidade.

O quadro abaixo apresenta, em resumo, os agentes, diretos ou indiretos, envolvidos nas Conferências sobre assuntos climáticos e aquecimento global; aponta qual é o lugar de suas participações; as contribuições que são esperadas, seus argumentos e seus valores.

AGENTE

 

PARTICIPAÇÃO

CONTRIBUIÇÃO ESPERADA

ARGUMENTOS

VALORES

ONU

 

Organizador

Gestão

Promover diálogo

Sustentabilidade Global

Justiça ambiental

Comunicação

 

 

 

Países desenvolvidos

 

 

Maiores emissores de gases de efeito-estufa

Políticas públicas

Investimentos sociais responsáveis

Transparência

Redução de desperdícios

 

 

 

Econômicos

 

 

Lucros financeiros

 

 

Segmentos econômicos

 

 

Chamados a realizar mudanças drásticas

Eficiência na produção, transporte e consumo com ênfase para a reciclagem, energia, emissões, água

 

 

 

Econômicos

 

 

 

Lucros financeiros

 

 

Países vulneráveis

 

Maiores sofredores e com dificuldades de recuperação de desastres

Políticas públicas

Transparência

Redução de desperdícios

 

 

Justiça sócio-ambiental

 

 

Direitos humanos

 

 

Fonte: os autores

A transgressão do Princípio da Sustentabilidade é claro uma vez que as inúmeras Conferências sobre o tema não têm trazido avanços quanto às questões climáticas e as suas consequentes implicações na saúde e qualidade de vida, evidenciando a prevalência hierárquica dos valores econômicos (lucros financeiros) sobre os valores humanos e socioambientais.

Hoje, cientistas de diversos campos da Ciência reconhecem que as questões climáticas decorrem do que se usa para chamar de uma nova Era Geológica. O ser humano tornou-se um “agente geológico”. Para alguns pesquisadores as soluções para os problemas pelos quais a humanidade e nosso planeta atravessam somente ocorrerão com a consciência profunda de uma “virada civilizatória”.  Não teria sido essa a intuição de Van Rensselaer Potter, desde 1970, quando cunhou o neologismo Bioética - Ciência da Sobrevivência? Estaríamos perdendo tempo?     

Um olhar bioético:

O redimensionamento do olhar sobre o essencial e o excedente tem transitado nas discussões bioéticas com foco na construção de paradigmas que ressignifique a simplicidade de um ser e viver em sociedade, de uma maneira sustentável e equânime. As disparidades individuais atreladas a políticas públicas inconsistentes promovem desigualdades e permitem a perpetuação de um ciclo de desequilíbrios.

 

O progresso tecnológico e suas promessas de melhoria da qualidade de vida apresentam uma face obscura, paralela à ideologia evolutiva, que ameaçam a sobrevivência do humano e seus pares, com uma violência determinante sobre o ecossistema.

Apesar do pessimismo das evidências e da crença de um desenvolvimento demográfico atrelado obrigatoriamente a agressivas explorações do meio ambiente, ainda se ambiciona o alcance de uma qualidade de vida futura com o uso de tecnologias sustentáveis, que agreguem permanência e proteção social, econômica e acima de tudo ambiental. Esta responsabilidade deve ser equânime ao nível de desenvolvimento de cada país tendo em vista a equivalência do potencial de dano com a liberação de gases-estufa

A bioética através dos seus vários princípios, procura ajudar numa correta interação do ser humano com a vida e deste com os outros seres vivos, ocupando-se da proteção do meio ambiente. Somente a coesão dos valores morais e éticos dos cidadãos com respeito e cuidado ao ecossistema garantirão a mitigação das mudanças climáticas e a sobrevivência das futuras gerações.

A necessidade de uma incessante construção de um pensamento desde a micro à macrobioética é de elementar relevância no alcance do equilíbrio entre desenvolvimento tecnológico e sobrevivência.

Como futuros Bioeticistas acreditamos que não existem soluções mágicas e simplistas para esta questão da sustentabilidade e qualidade de vida, mas que precisamos da visão mais ampla, como nos diz Potter:

“Chegou o momento de reconhecer que não podemos mais examinar opções médicas sem levar em conta a ciência ecológica e os

problemas da sociedade numa escala global [...] A bioética global,

portanto é “a unificação da bioética médica com a bioética ecológica” [...] 

Os dois ramos deste saber necessitam ser harmonizados e unificados para se chegar uma visão consensual que pode ser denominada bioética global, destacando os dois significados do termo global, a saber: um sistema de ética é global, de um lado, se

ele for unificado e abrangente, e de outro, se tem como objetivo

abraçar o mundo todo” (Potter- 1988, p. 76-78)

 

O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Bioética Ambiental do Programa de Pós Graduação em Bioética da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, tendo como base a obra:

POTTER, Van Rensselaer. Global bioethics: building on the Leopold Legacy. East Lansing: Michigan State University Press, 1988


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